tag:blogger.com,1999:blog-85655682024-03-13T17:55:36.503+00:00Pensas?... Ou não existes?...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.comBlogger225125tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-5485784084612228152011-09-04T09:21:00.000+01:002011-09-04T09:21:11.035+01:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-HfgNppfMBDk/TmM0JcOZhkI/AAAAAAAAAXQ/kGhpQ68-nLk/s1600/DSC_0124.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="640" src="http://4.bp.blogspot.com/-HfgNppfMBDk/TmM0JcOZhkI/AAAAAAAAAXQ/kGhpQ68-nLk/s640/DSC_0124.jpg" width="425" /></a></div><br />
<blockquote><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>Invention is the mother of necessity.</b></i></span><br />
<i>Thorstein Veblen (1857 - 1929)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>I don't think of the past. The only thing that matters is the everlasting present.</b></i></span><i><br />
W. Somerset Maugham (1874 - 1965)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>Nothing is as far away as one minute ago.</b></i></span><i><br />
Jim Bishop</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>We are always in search of the redeeming formula, the crystallizing thought.</b></i></span><i><br />
Etty Hillesum</i></div></blockquote><br />
Sento-me. Puxo, cautelosamente, uma folha de papel por debaixo da pilha de livros em cima da secretária e pauso em frente à folha. Branca... uma brancura que quase fere os olhos mas que, interessante, convida a preencher de ideias, relatos, pensamentos, vivências, palavras avulsas de espírito e corpo. Luz. Tudo começa assim. Uma ideia, um conceito, algo nebuloso, algo por detrás de um véu que, lentamente, é levantado perante os holofotes da consciência. E aí, a materialização. Um ponto, outro ponto e mais um ponto. Linha. Outra linha. Curva, contra-curva, palavra. Símbolo mágico de um querer, de uma ideia, de algo que se estende por um areal de papel tomando forma e vida.<br />
<br />
Às tantas, já não é uma palavra: é uma frase, um capítulo... Voando nas asas da inspiração, as palavras saem com ternura, com uma afeição prolongada no gesto que parece impulsivo mas que se reveste de uma ternura quase angelical. Há energia no que se faz, no que se escreve, no 'como' se escreve. Escuto, carinhosamente, a doce melodia do aparo no papel: bela cantiga. Canta conforme as palavras que lhe damos de beber. Palavras em fúria, ouve-se o vento em remoinho que arrasta tudo à sua volta, traços dedicados a arrancar árvores pelas raízes, ideias pelas cabeças que nelas moram, cortar florestas inteiras, derrotar exércitos num sopro, sentenciar à morte com um lúgubre som semelhante ao afiar de um machado. Cantos em harmonia, é o som das folhas pelo chão no Outono, som de folhas viçosas na Primavera, as ondas do mar saudoso que rebentam ao longe, o gorgolejar alegre de um regato no meio de um campo, o riso impensado das crianças que brincam na rua. Frases de amor, sons suaves de gestos plenos de sedução, o restolhar de roupas de corpos que se descobrem num qualquer escuro, uma mão que cartografa um corpo descobrindo montes, covas, planícies e vales de encanto e prazer, o roçar de lábios num beijo perdido no tempo. São musicas sem tom... serão?<br />
<br />
Explana-se a ideia numa sinfonia de sensações, de imagens e segredos só completamente inteligíveis ao escritor, à sua alma. Num desafio quase absurdo, tenta-se partilhar essa ideia com outros, pintá-la no íntimo de cada um, em cores que só cada um conhecerá realmente. Monta-se um 'puzzle' com as peças que cada um já tem dentro de si, usando os óculos da mente que cada um usa a cada dia que passa e assiste-se ao efeito final, tranquilamente: calma, curiosidade, desespero, alegria, êxtase, céu e inferno na mesma linha, ternura e ódio. Ou então, simplesmente a concórdia, o assentimento, o desagrado, a negação veemente de uma ideia desprovida de emoção, em aço cirúrgico. O que importa é comunicar. Ou, o que importa é estabelecer laços que perdurem. Ou, o que importa é agitar consciências, revelar sentimentos adormecidos sob correntes de água profunda. Ou, o que importa é nada. Ou, o que importa?<br />
<br />
<a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Antoine_de_Saint-Exup%C3%A9ry">"A linguagem é uma fonte de mal-entendidos."</a><br />
<br />
Às tantas as folhas já não são folhas, as palavras não são imagens e os sons não são emoções. Tudo é Um. Escreve-se como se respira e lê-se como se mergulha. À minha frente tenho um espelho de água tão extenso como a vista alcança. Juro que quase vejo a curvatura da terra nesta massa de água que se contorce com vida própria. É um berço, de vida, de emoções, de movimento - água, água até não perder de vista. Um mar de palavras sem fim... com que sentido? No entanto, ele existe. E respira e mexe-se e tem peso. Estava lá antes do Tempo ser Tempo porque o Tempo é uma ideia que temos, absurda, ridícula, quando, na verdade, somos eternos como o Universo. Outra ideia enorme como o mar. E, ao mar, tudo regressa... até as lágrimas que se saboreiam com amargura ou felicidade. Ou as ideias que, um dia, por ilusão, julgámos nossas, mas que, vindas não sabemos de onde, nem para onde, passam por nós como um sonho à beira mar. E daí o traço se faz ponto e, feita em ponto, parte a ideia rumo a outro lugar, levando consigo memórias na sua mala de cartão luminoso, à espera do próximo cometa a apanhar.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-81293445377521463552010-11-25T21:40:00.001+00:002010-11-25T21:40:00.898+00:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7JNIvLV7I/AAAAAAAAAUg/hcIzyEQYwwM/s1600/DSC00584.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7JNIvLV7I/AAAAAAAAAUg/hcIzyEQYwwM/s400/DSC00584.JPG" width="300" /></a></div><br />
<br />
<blockquote><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>There is only one way to defeat the enemy, <br />
and that is to write as well as one can. <br />
The best argument is an undeniably good book.</i></b></span><br />
<i>Saul Bellow (1915 - 2005)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>The most important work you and I will ever do will be within the walls of our own homes.</i></b></span><br />
<i>Harold B. Lee (1899 - 1973)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><i><b>He who allows himself to be insulted, deserves to be.</i></b></span><br />
<i>Pierre Corneille (1606 - 1684)</i></div></blockquote><br />
- Como assim, "despedido"?<br />
- Despedido... posto na rua, demitido... é preciso mais algum sinónimo?<br />
- Continuo sem entender... mas porquê?<br />
- Infelizmente, porque tem de ser... cortes no pessoal... Como sabe os primeiros a ir são os departamentos "de luxo": marketing e publicidade, inovação e tecnologia, controlo de qualidade (mais ou menos), recursos humanos (alguns), ambiente (maioria), etc, etc...<br />
- E agora tenho culpa do departamento que ocupo?? Sempre fui competente, desempenhei bem as minhas funções e fiz mais do que era exigido contratualmente. No entanto, só porque não sou um 'drone' da fábrica, tenho de ir parar à rua!<br />
- Meu caro amigo, alguém tem de ir parar...<br />
- Ai sim?? Porque é que não vendem um dos carros da frota e cortam nas ajudas de custo da administração? Porque é que não cortam no salário dos administradores? Porque é que não congelam os salários e distribuem os previstos aumentos em melhorias à produção?<br />
- O amigo sabe tão bem como eu que isso é impossível. A ultima coisa a ser tocada é no salário dos administradores... nisso e nas férias... Escute, não mate o mensageiro, o patrão manda e eu transmito... lamento... Como estipulado no seu contrato, sobram-lhe 30 dias aqui na empresa. Considere-se notificado...<br />
- Pois sim... bardamerda com vocês todos, chulos, corja de filhos da puta!!! Isto não fica assim...<br />
<br />
Bateu com a porta, cortando a palavra ao chefe do departamento de R.H. Caminhou para fora do edifício dos gabinetes e entrou no armazém de expedição. Olhou para todas aquelas paletes de produto acabado, pensando que tinha devotado 23 anos da sua vida a uma causa que agora ia pelo cano abaixo. Tinha "vestido a camisola" da equipa, tinha dado horas preciosas do seu tempo de lazer para que o trabalho saísse bem feito e concluído a tempo e horas. 23 anos, 23 longos anos enterrados num buraco sem futuro. Durante anos tinha observado outras empresas do género a surgir, a tornarem-se, por vezes, em concorrências que ameaçavam o escoamento do produto e a definharem, tendo a empresa conseguido sempre 'sobreviver' a essas recém-chegadas que prometiam inovação no sector. Mas, por muita inovação que tivessem, nunca tinham a experiência de anos, necessária à resposta às exigências dos consumidores. E sabia que o seu papel nisso tinha sido muito relevante.<br />
"<i>E tudo isso para quê? A empresa continuará, sem mim, sem mais uns quantos que, como eu, suaram bem a camisola para agora serem despejados na rua, do pé para a mão, sem um futuro visível. Que será de mim, um homem com quase 50 anos?</i>", pensou enquanto, no meio dos corredores entre as paletes, fitava a carta com o anúncio de despedimento. O desespero começou a assomar-se-lhe no peito, pensando na mulher em casa. Felizmente que os filhos já tinham crescido e tinham a sua vida, fora de casa...<br />
<br />
O restante desse dia foi cumprido como quem cumpre as suas últimas horas de vida. Seguiu para casa, pensativo, ignorando a forma como iria dizer à mulher o que lhe tinha acontecido. O homem da casa, a cabeça e o amparo da família, aquele que traz o pão para casa, desempregado... a ideia era aterradora, o sentimento de vergonha era corrosivo, opressivo, asfixiante. Era uma afronta à sua condição de homem, algo que ia contra tudo o que lhe havia sido ensinado, num mundo em que o marido ia para o campo e a mulher ficava a cuidar do lar e dos filhos. "<i>Sempre assim foi e sempre assim será!</i>", dissera-lhe o pai, na sua primeira saída conjunta para o campo. "<i>É o homem que deve sustentar a família e não o contrário. As mulheres não servem para fazer as coisas do campo, a não ser, talvez, dar de comer à 'criação' e apanhar as coisas da horta, ou pouco mais que não seja a lida da casa e tomar conta dos miúdos.</i>" Na altura isto fizera-lhe um pouco de confusão (afinal, as mulheres eram tão humanas como os homens e podiam ser tão fortes como eles - pelo menos a mãe batia-lhe com tanta força como o pai, parecia-lhe) mas, quem era ele para pôr em causa o que o pai dizia? Nem a sua mãe o fazia!... Só podia ser verdade. E assim se ficou.<br />
Com o tempo, essas 'regras' haviam sido desvirtuadas e sofrido algumas alterações. A mulher já não ficava em casa a tomar conta da mesma e das crianças. Agora, iam trabalhar como os homens, faziam exactamente a mesma coisa que um homem, apesar de, em certas profissões, continuarem a receber menos que um homem. "<i>A vida está difícil e muito cara. Se uma pessoa quiser ter um pouco mais que os pais, só pode ser assim. Só um a trabalhar hoje em dia não chega.</i>" No entanto, continuava a acreditar que a mulher não devia ganhar mais do que o seu marido. "<i>Um homem não tem nada que ser sustentado pela mulher. Era só o que faltava! Só um retardado ou um estropiado é que se deixa sustentar e eu, graças a Deus, não sou nem um nem outro.</i>" O caminho para casa era, nisto tudo, um calvário. A cada quilometro que passava, a sensação de desconforto aumentava e a sensação que a sua vida estava prestes a acabar regressava. "<i>Que desonra... que vergonha...</i>" - pensava, por entre a alternância de luz e sombra dos candeeiros que já iluminavam as ruas - "<i>sem o meu trabalho, quem sou eu?... se não sirvo para fazer nada, que raio de homem serei eu?</i>". A simples ideia de ficar em casa todo o dia, feito um inútil, era suficiente para lhe contorcer as entranhas e ficar com a vista turva. Já imaginava os comentários: "<i>Olha, lá vai o desgraçado...</i>", "<i>...não devia ser boa rês, para o terem mandado embora...</i>", "<i>Oh, agora é que é uma rica vida, a viver à conta da mulher!...</i>", "<i>... ou então, com a idade que tem, a viver do fundo de desemprego até se reformar...</i>", "<i>... pois, e um gajo a trabalhar p'ra sustentar esta cambada...</i>" Os olhares acusadores, as opiniões da vizinhança, sombras...<br />
<br />
- De forma que foi assim...<br />
- Mas como, explica-me, como é que te põem assim na rua, com 23 anos de serviço?!! Não se pode pôr assim uma pessoa na rua com tantos anos de serviço, muito menos sem justa causa! - exclamou o mais novo.<br />
- Pois é, mas pelos vistos, podem. Dizem que o acordo foi selado entre o sindicato e a administração como parte das medidas de recuperação da empresa.<br />
- Ohh sim - riu-se a mulher - recuperação do quê? Só se for do saldo da conta dele, depois de ter andado, de 5 em 5 meses, a trocar de carro, quase como quem muda de ceroulas! Ele e os filhos, que as pessoas bem repararam!... não há dinheiro, não há dinheiro, mas é para quem lho dá a ganhar... não há dinheiro, uma merda!!! - adicionou, com visível desdém...<br />
- Mas é que nem se compreende essa história de 'recuperação'! Sempre tivemos encomendas, a fábrica nunca parou nem trabalhou a meio-turno! Os camiões sempre a chegar para carregar, a Antónia - a das Vendas - andava sempre de um lado para o outro a acertar com a Produção como é que se podia fazer para que uma ordem de fabrico saísse antes d'outra... não se percebe, é que não se percebe!! - vociferou, gesticulando.<br />
- E agora? - perguntou-lhe a mulher - que é que vamos fazer à nossa vida?<br />
- Sei lá... - disse, baixando os olhos.<br />
- Ah, mas é melhor que saibas porque não é com o meu salário mínimo que se consegue sustentar uma casa e pagar as despesas que temos.<br />
- Mas o que é que queres que eu faça? Não vou andar a pedir de casa em casa, <i>né</i>? É claro que vou andar à procura de emprego e, enquanto não me arranjo, vou fazendo uns biscates por aí.<br />
- Humpf, menos mal... mas mesmo assim estou para ver como é que vamos fazer...<br />
- Ó pai, de certeza que o mano também vai querer ajudar com qualquer coisa - juntou o mais novo.<br />
- Isso é que era bom!!! Era só o que faltava: serem os filhos a sustentar os pais! Além disso, ele tem bem com que se entreter, com mulher e filho.<br />
- Olha, só peço à Nossa Senhora dos Aflitos que nos guie por estes tempos!! - exclamou a mãe, levantando-se para ir mexer o caldo que estava ao lume. Estava espesso, era de 'sustância', como diziam. Na cozinha, de traços simples, o aroma do caldo grosso difundia-se, garantindo algum conforto ao espírito - E agora ponham-se a jeito que a sopa está pronta não tarda. Saco vazio não se tem de pé! - acrescentou.<br />
- Sim, Nossa Senhora e os santos todos... - disse, o homem, entredentes.<br />
<br />
No dia seguinte, ele pediu ao filho para o acompanhar até à fabrica, já que, estando a família em contenção de despesas, mais valia que ele lhe desse boleia antes de ir para a faculdade.<br />
- Olha, podes esperar aqui um pouco enquanto eu vou ali à secretaria tratar de umas coisas? Não me demoro nada...<br />
- Não há problema: vi um café numa rua ali ao lado, preciso de lá ir comprar tabaco e aproveito e bebo um cafézinho.<br />
- Ai sim? Então já lá vou ter...<br />
Passada quase meia hora, foi ter com o filho ao café. O dia estava húmido, tinha chovido de manhã e amenizara para um nevoeiro. Ao dobrar a esquina, reparou nas luzes coloridas que estavam perto do café. "<i>Não me digas que já houve bronca ali...</i>", pensou para consigo. Foi-se aproximando do café e reparou no grupo de pessoas que estava em redor de algo no chão. Perto, uma ambulância estacionada com as luzes de emergência accionadas esperava, de porta aberta, que trouxessem a maca com o acidentado. Aproximou-se para ver o que se passara e foi então que não pode crer nos seus olhos: era o seu filho que estava a ser carregado para a maca e não parecia, de todo, ter sido 'bem tratado'.<br />
- Afastem-se, é o meu filho!! Deixem-me passar!! Deixem-me passar, pá, porra!!! André, André!!!<br />
- Calma, calma!!! Tenha calma, homem!! - gritou um polícia que tinha sido destacado para o acidente. - O senhor é familiar do acidentado?<br />
- Sou sim, sr. agente! - respondeu-lhe, com visível pranto. - Por favor, ele está bem? o meu filho está bem?? diga-me, por favor!!<br />
- Tenha calma, se fizer favor! O seu filho foi atropelado por este veículo, dirigido por aquele senhor ali... - apontou para um homem que falava com outro agente - Ele estava a atravessar a estrada neste local e, com as condições climatéricas e de piso como as que se verificam, o condutor, em excesso de velocidade, não teve tempo de reacção suficiente e colheu o seu filho. Não teve hipótese nenhuma, lamento informá-lo.<br />
Olhando com mais atenção para o condutor, o pai reparou que não era nem mais nem outro que o administrador da fábrica. A raiva inundou-o como uma chuvada repentina num deserto seco - naquele momento, aquele era a sua nemesis, o seu anti-ego, o alvo a abater. Começou a caminhar lentamente na direcção dele, acelerando um pouco à medida que ia chegando perto do ex-patrão. "<i>Agora está distraído, é o momento...</i>". - Filho de uma grande PUTA!! - gritou, enquanto desferia um pesado soco na cara. Naquele gesto ia toda a sua indignação, toda a sua revolta, ódio, sentimentos negros que o possuiam há já algum tempo. O agente ficou estupefacto a olhar, sem saber para que lado se virar. - Não tens olhos para ver o que fazes, meu grandessíssimo cabrão!! Claro que não, só sabes olhar para o teu umbigo, só existes tu no teu mundozinho de merda!.. andas por aí a foder a vida aos outros, a torto e a direito, só p'ra que sua excelência tenha tudo o que quer... se tem pressa, atropela quem quer que seja, se não ganha o que quer, despede-se no pessoal, não é cabrão? - gritou entredentes, enquando desferiu um pontapé nas costelas do homem, que ficara a gemer no chão. À vista disto, o agente 'decidiu-se' a travá-lo.<br />
- Tenha calma, homem! Tenha calma ou terei que o deter!...<br />
- Então detenha, estou-me a cagar p'ra essa merda! Também só me falta acontecer isso!... Mas este cabrão ainda vai apanhar mais umas vezes antes de eu ir 'dentro'!! - acrescentou, dando um safanão, soltando-se e desferindo mais dois biqueiros no corpo do ex-patrão. - Filho de uma grande puta de merda, cabrão do caralho!... E isto ainda não é nada, 'tás a ouvir? - vociferou, já com dois agentes às suas costas a segurá-lo e a prendê-lo - Ainda vais ter mais do que mereces, 'tas a ouvir ò besta do caralho??<br />
Arrastaram-no para o carro-patrulha, enquanto enviava mais um impropérios. Durante a viagem até à esquadra, não proferiu uma palavra. Na sua cabeça repetia-se a imagem do filho a ser carregado para a maca e a dar entrada na ambulância, em grande aparato. "<i>Estava tão pálido... o que será dele?...</i>" pensou, amargurado. Este sentimento cedeu o lugar a outro mais violento, em direcção ao seu patrão, de cólera e raiva profundas. Foi oscilando entre estes dois sentimentos que fez o trajecto entre o acidente e a esquadra. Depois dos procedimentos normais à entrada, meteram-no numa cela, sozinho - um canto simples, com uma cama suspensa de uma parede, mas razoavelmente limpo, com uma sanita metálica a um canto.<br />
- Agora vais ficar aí, a arrefecer as ideias esta noite... e se amanhã ainda estiveres 'quente', passas aí outra. Vais ver, é um sítio porreiro!: quem vem aqui uma vez, geralmente, volta sempre... Ainda por cima gajos como tu, desempregados e tudo... - provocou-o o guarda, dando um risinho de desdém, no final. <br />
- Ao menos... avisaram a minha mulher que estou detido?<br />
- Sim, claro. Ela pediu que lhe dissesse que passa por cá amanhã... - disse, virando costas, deixando-o sozinho.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7PJktp78I/AAAAAAAAAVM/hyEa-eN2dJY/s1600/DSC_0497.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7PJktp78I/AAAAAAAAAVM/hyEa-eN2dJY/s400/DSC_0497.jpg" width="400" /></a></div><br />
Noite adentro, não conseguia dormir.<br />
"<i>Bonito... Isto está a correr mesmo bem... Primeiro, o emprego, depois o filho e agora, 'fui de cana'... a vida não me podia estar a correr melhor... Ora vejam só!, no 'xadrês'... se o meu pai me visse, acho que me deixava a apodrecer aqui, e isso é dizer pouco!... Ah, mas o cabrão mereceu-as... se perder o emprego não é desculpa, perder o filho não será uma óptima desculpa para lhe dar umas bofetadas valentes??... Eu sou apenas um homem, tenho direito à indignação, e há coisas que um homem não consegue controlar... é um filho, porra!!!... Como é que ele estará? Não sei nada dele... está de cama? está em coma? está... nem quero pensar... de certeza que está vivo, senão já mo tinham dito. Mas o coração contorce-se sempre... E com isto tudo ainda nem sei o que vou fazer à vida... ah, e agora com cadastro vai ser uma maravilha para arranjar emprego!, até fazem fila!... no que me fui meter... Ahh, mas como é que ele estará?...</i>".<br />
Lá fora, um cão latia ao escuro e um carro cortou a noite no piso molhado.<br />
<br />
O sol nasceu, levantou-se e decaiu, sempre coberto por nuvens. Ele, mais calmo (e depois de uma noite em branco), foi solto.<br />
- Tiveste sorte, o tipo não quis apresentar queixa. - disse-lhe a mulher.<br />
- Sorte não, se calhar ficou com medo do que lhe podia fazer enquanto aguardasse julgamento. Vamos ver o miúdo ao hospital?<br />
- Vamos... está quase na hora das visitas...<br />
- O que é que disseram sobre ele? Sabes de alguma coisa?<br />
- Não... só me disseram que tinham de o operar e que ia ficar nos cuidados intensivos...<br />
- Que merda, pá... - soltou entredentes, num suspiro - vamos lá a ver como é que ele passou a noite... não deve ter sido melhor que a minha...<br />
- Fizeram-te mal lá dentro?<br />
- Não... estava sozinho na cela. Os 'bófias' não me chatearam... foi só para arrefecer as ideias...<br />
- E bem fizeram eles! A mulher do Estevão ligou-me e disse que o tipo ligou para a empresa a dizer que não ia aparecer lá durante 3 ou 4 dias, que estava de baixa médica... deixaste-lo num bonito estado, deixaste... - disse, indignada.<br />
- Só lhe fez foi bem! E foram poucas as que lhe dei!! O cabrão do caralho vem a abrir daquela maneira e atropela-me o miúdo?... Que merda é essa???<br />
- Homem, ele nao o viu!! Estava nevoeiro!<br />
- Viesse mais devagar! Mas esse gajo pensa que tem o 'rei na barriga'!...<br />
- E se calhar até tem! Neste momento, ele tem a faca e o TEU queijo na mão... não te esqueças que eles ainda têm de mandar os teus dados com a cartinha para o fundo de desemprego para a Segurança Social. E se ele quiser, não ta dá, percebes??<br />
- Isso é que era bom!! Ele se me quiser fora dali vai ter que abrir, E BEM!, os cordões à bolsa - não te esqueças que o acordo foi para um grupo de trabalhadores e não exclusivamente para mim.<br />
- Oh homem, mas tu és burro ou fazes-te? Então depois da sova que lhe deste, ele não te podia despedir por justa causa? Qualquer vantagem que tu tinhas, perdeste-la quando lhe foste às fuças!! Os papeis não querem dizer nada!... - disse, gesticulando.<br />
- Eu.. hmmm... isso... isso nao quer dizer nada... - balbuciou ele. <br />
- Ai não que não quer!... Vamos ver... vamos ver... - suspirou ela.<br />
Nem tudo eram más notícias: o filho estava fora de perigo e a cirurgia correra bem. No entanto, teria de fazer fisioterapia para que voltasse a caminhar como antigamente, mas, de momento, tinha ficado paraplégico e, andar, só de cadeira-de-rodas. Perante esta revelação, os pais ficaram apreensivos - mais despesas, e a situação que já não era nada fácil. Passaram o tempo da visita com o filho, acarinhando-o e consolando-o pelas más noticias. O filho mostrara-se com um extraordinário bom humor e mais preocupado com o pai do que com ele - acreditava piamente que iria conseguir voltar a andar. E rira-se a bom rir com a descrição do enxerto de porrada que o pai dera ao ex-patrão.<br />
- Também não era preciso tanto!<br />
- Se calhar não, mas na altura até me pareceu pouco...<br />
<br />
Os dias foram passando, juntaram-se em semanas, e sucediam-se pesarosamente. O recém-desempregado foi arranjando alguns biscates pela terra onde vivia, dando uns ajustes numa torneira por aqui e por ali, ajudando a rachar lenha, afinando um motor acolá. Coisas assim do género. "<i>Você tem tanto jeito para estas coisas! Porque é que não monta uma empresa?</i>", ou, "<i>Parece que faz magia com as mãos, homem! tem sempre solução para tudo!</i>" eram os piropos mais ouvidos, findado o biscate em questão. E era bom ouvi-los, chegava-lhe um calorzinho ao coração. Mas, apesar de tudo isso, a maioria do tempo passava-o em casa, procurando um emprego nos jornais e revistas, pedindo ao filho - entretanto regressado a casa - ajuda para ver se encontraria qualquer coisa na internet. O passar dos dias desanimava-o, aliás, o passar dos dias desanimava tanto pai como filho, cada qual com suas razões.<br />
Estava-se então num destes dias mortos, em que se vegetava frente à televisão, sem mais fazer senão ver a vida passar. Chovia e o tempo não estava mais sorridente do que ele mesmo. Aproximava-se a hora em que ia levar André à fisioterapia e, durante todo este tempo de recuperação, tinha levado o filho a pé, já que o seu carro não se apresentava condições de transporte de um inválido. Aliás, na maior parte dos dias, quem tinha levado o carro tinha sido a mulher, já que ficava mais barato ir para o trabalho de carro do que de transportes. Hoje não seria excepção. Empurrar a cadeira de rodas, ao mesmo tempo que se empunhava o chapéu, não era tarefa fácil, tendo em conta que o centro de terapia ficava a 2 km. É claro que por Amor, mais a mais por amor a um filho, tudo se faz e tudo se vence. Mas, uma coisa é a idealidade... outra é a realidade. E, na realidade, ele não estava com cabeça nenhuma para fazê-lo.<br />
"<i>Não era mesmo bom que houvesse uma maneira de adaptar à cadeira um sistema de carretos, como numa bicicleta, mas que fosse amovível... assim ele podia ir mexendo os braços e ia fazendo exercício... ou então uma cadeira que fosse barata, que permitisse essas adaptações... e atracar uma bicicleta, se fosse preciso... isso é que era!...</i>". Em jovem, trabalhara numa oficina como mecânico, algo que moldara toda a sua vida profissional, em que acabara por exercer funções mais ou menos relacionadas com mecânica. E aqui está algo que poderia, efectivamente, experimentar. Tinha tempo, tinha habilidade, não custava nada em tentar...<br />
- Pai, estou pronto... Vamos? - perguntou-lhe o filho, sentado na cadeira de rodas, já equipado a rigor e com um fato-de-oleado por cima - Pai? Estás a ouvir?<br />
- Sim, filho! - respondeu, sobressaltado - Desculpa, estava cá com as minhas congeminações.<br />
- Outra vez?... Lá está o pai a cismar sobre trabalho...<br />
- Oh André, não é nada disso... nada disso que estás a pensar. Mas também não interessa... Vamos lá embora, então.<br />
André deu balanço à cadeira, abanando a cabeça e abriu o guarda-chuva.<br />
<br />
O cheiro a óleo e massa consistente fazia-o sentir-se vivo. "<i>Muita gente não gosta</i>", pensava ele, "<i>mas também, muita gente não sou eu, nem faz o que eu faço. Eu gosto.</i>" E gostava de mais: gostava do som das ferramentas, de mexer em máquinas, do som do metal contra o metal, de fazer coisas, de as ver funcionar... Era um acto quase divino, pensar e materializar aquilo em que pensava - um acto criador, no fundo. E, tal como vinha nas Escrituras, ao admirar a obra concluída, ele via que era bom.<br />
Nesse momento, estava a trabalhar na ideia que tinha tido. Tinha carretos e tinha vários pedaços de metal que tinham sobrado de outras engenhocas que tinha criado na oficina de casa. Soldadura também não faltava, tinha comprado "no tempo das vacas gordas e loucas" (como costumava dizer) um equipamento de soldador que nunca tinha utilizado muito. Agora ia-lhe dar jeito. Estava a braços com um problema na articulação do adaptador para bicicleta, uma ideia que achava que iria dar muito jeito "a muito boa gentinha". O telefone tocou.<br />
- André, podes ir ver quem é?... - gritou para dentro de casa, enquanto tentava encaixar dois segmentos metálicos. O telefone continuava a tocar. - André??... Ó André!!... - Levantou-se - Raio do miúdo deve estar a ouvir aquilo que ele chama de música com aquelas coisas nos ouvidos, 'fones' ou que raio aquilo é... - ia resmungando pelo caminho. - Estou?<br />
- <i>Estou sim, sr. Junqueiro?</i> - uma voz masculina soou do outro lado.<br />
- É sim. Quem fala?<br />
- <i>Daqui fala Afonso Pedrosa, advogado litigioso nomeado pelo tribunal sobre o caso de atropelamento do sr. André Junqueiro. Como está, sr. Junqueiro?</i><br />
- Prazer em ouvi-lo, sr. dr. Vai-se andando, obrigado. Em que posso ser útil?<br />
- <i>Bem, é o seguinte. Na sequência do processo aberto por auto da polícia, e averiguados que foram os factos, tenho a comunicar-lhe que o juiz-instrutor do processo declarou-se favorável à sua parte, deliberando também que recebesse uma indemnização no valor de cinquenta mil euros referente à compensação por danos corporais e morais sofrida pelo sr. André.</i><br />
- A sério?... Mas isso é... é óptimo. Mas, espere lá. Como sei que está a falar a sério? Como posso saber que o sr. é advogado?<br />
- <i>Compreendo que possa parecer estranho porque, de facto, nunca falámos pessoalmente. Mas fazemos assim, o senhor pode, para já, consultar o processo e a deliberação no <i>site</i> do ministério da Justiça na Internet. O número do seu processo é o 201057621-PCDM-2353 e o juiz foi o Meretíssimo Juiz Gonçalves de Carvalho. E quanto ao nosso encontro, pode passar pelo meu gabinete na... 3ª feira...uhmmm... às 15h? Pode ser?</i><br />
- Pode ser, perfeitamente. E onde fica o seu gabinete?<br />
- <i>Fica na Av. General Filipe Almeida, nº. 24, 2º Esquerdo. Fica então combinado, 3ª às 15h, sr. Junqueiro. Uma boa tarde para ao senhor!</i><br />
<br />
Não era mentira e, de facto, veio a comprovar-se que a deliberação do juiz lhe era favorável - a primeira boa notícia em alguns meses. Mas as nuvens não se tinham dissipado ainda: a sua némesis voltou a atacar e recusou-se a pagar o deliberado pelo tribunal.<br />
- Então e agora? como é que vamos fazer? - perguntou Junqueiro ao advogado.<br />
- Bem, agora vamos apresentar queixa-crime por incumprimento de decisão judicial. E vamos ter de esperar pelos efeitos dessa decisão.<br />
- Eu não sei... não era melhor deixar isto passar em branco?... afinal, neste país só se condena o 'peixe miúdo', pessoas como ele passam sempre incólumes... Estupores...<br />
- Precisamente por isso, sr. Junqueiro, é que temos que o fazer... escute, o pior já passou - provar que houve culpa e que o acidente poderia ter sido evitado, mesmo naquelas condições adversas! Desistir agora seria um erro de dimensões épicas, um descalabro!<br />
- Talvez... mas quanto tempo mais se terá que esperar? E como provar que ele tem as condições financeiras necessárias, bens suficientes para que possa pagar a indemnização? Ele pode ter colocado tudo em nome dos filhos... essa gente sabe como fazer as coisas, mais para mais gente como a da laia dele...<br />
- Não se preocupe, não se preocupe... - disse o advogado, rindo - a Lei tem mecanismos para lidar com casos desses. Além disso, os sinais de riqueza exterior são evidentes: é dono de uma empresa viável, com algum sucesso, tem várias viaturas... uma pessoa assim não pode ter tudo em nome de outrem. Em última análise, há sempre a empresa que pode ser penhorada.<br />
Ele ficou em silêncio pensando nas implicações que tudo isto estaria a ter para si, para os seus e que poderia vir a ter para os seus antigos colegas... a empresa em processo de penhora... dezenas de ex-colegas seus postos, subitamente, na mesma situação que ele... Era tudo uma enormidade, um abuso de consequências que se escondiam por detrás de um facto e de um gesto tão simples, algo que aconteceu numa fracção de segundo. E, de facto, mais do que ele - com a sua mente simples - poderia imaginar, acontecimentos destes, revelados, são como pequenos gestos criadores, pequenos 'big bangs' em que num momento existe todo um potencial velado, invisível à consciência humana, e no momento seguinte, é libertada uma miríade, uma multiplicidade elevada quase ao infinito de acontecimentos, enredos, personagens interligadas, causas e consequências para além dos devaneios mais fantasiosos e coloridos de um esquizofrénico.<br />
- Muito bem... avance...<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7SWSCJf_I/AAAAAAAAAVQ/je1OThnCZCw/s1600/DSC_0170.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="248" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7SWSCJf_I/AAAAAAAAAVQ/je1OThnCZCw/s400/DSC_0170.jpg" width="400" /></a></div><br />
Enredos dentro de enredos, causas, consequências, células de acções geradoras de mais acções, como uma raiz crescente no solo do tempo... Aquilo que parecia ser uma mera brincadeira, acabou por se desenvolver em algo potencialmente interessante: algum tempo depois de ter construído o sistema de carretos na cadeira de rodas e o adaptador para atrelar bicicletas, as dificuldades em casa obrigaram a entregar a cadeira de rodas. Prevendo essa situação, Junqueiro tinha posto mãos à obra numa cadeira de rodas de sua autoria, algo que fosse prático, muito estável, fácil de manobrar (e de arrumar) e de construção sólida (sem ser demasiado pesado). O seu 'dom' e experiência mecânica veio a revelar-se de enorme utilidade. A cadeira, experimentada por André ao longo da concepção, era tudo o que Junqueiro queria e também muito confortável. Para além disto, mais um bónus: o sistema que tinha engenhado para a cadeira anterior provara adaptar-se com toda a rapidez e facilidade, conferindo-lhe assim um carácter de universalidade.<br />
Apesar de todos estes avanços, Junqueiro foi dar com o filho, um dia, pensativo à janela do seu quarto, com vista sobranceira sobre a rua e boa parte da povoação.<br />
- Então, filho, está tudo bem?<br />
- Ah... está pai, não te preocupes... - disse, com um vago sorriso.<br />
- Está mesmo?... É que não me parece... Queres falar disso?<br />
André desviou a cabeça em direcção à janela, lentamente, perdendo o olhar na paisagem em diante, num silêncio de segundos.<br />
- É que... não sei, por vezes penso se os médicos não se terão enganado nos prognósticos... Há meses que faço fisioterapia e continuo sem ter força nas pernas para me manter de pé, quanto mais caminhar... É tudo tão desanimador... e eles tinham dito que, com algumas semanas, voltaria a caminhar e, depois de uns meses, poderia largar as canadianas... E onde estão elas?... Nem da maldita cadeira de rodas consigo sair, quanto mais canadianas!! Mas o pior nem sequer é isso... - pausou.<br />
- E então? O que é o pior?<br />
- O pior... está dentro de mim, aqui dentro - disse, apontando à cabeça - Todas as noites acabo sempre por sonhar com o momento do acidente, vezes e vezes sem conta... aquele carro sempre a vir contra mim, vindo de trás de um véu esbranquiçado, opaco, num repente sem retorno... e moi-me, moi-me a cabeça... Por vezes, nos piores dias, cansado de tanto sonhar com isso, até tenho receio de adormecer, com medo de dar em doido durante o sono...<br />
Um silêncio constrangedor instalou-se entre eles. André tentou silenciar as lágrimas que teimavam em escorrer-lhe pela cara durante o discurso e Junqueiro não sabia o que fazer, dizer ou, sequer, pensar. Silêncio. Quebrado apenas pelo fungar de André e pelo movimento do braço de Junqueiro em direcção ao filho, puxando-o para si, num abraço carinhoso. Passaram-se alguns momentos quando finalmente se voltou a falar.<br />
- Hmmm... André... eu gostava de te saber o que dizer mas... sou apenas um homem simples... não tenho os estudos que lutei toda a vida para te dar a ti e ao teu irmão, tentando fazer de vocês melhores pessoas do que eu... Só te sei dizer que eu acredito que tu vais ficar bem, que vais voltar a andar como antes... e tu também tens de acreditar! Há coisas... eu não sei explicar... mas sei que há coisas que só avançam se acreditarmos MESMO... tem de partir de dentro de ti, bem de dentro de ti!... sei que não é fácil, mas começa como um sonho, um sonho que vemos ser possível... depois, lentamente, começamos a acreditar nele, mais e mais de cada vez que o sonhamos, até que se chega a certo ponto em que vemos que ele é, afinal, MESMO possível... daí até o realizar, é um 'tirinho'...<br />
- Será assim tão fácil, pai?<br />
- Fácil não é... tens de ter paciência e de ir tentando sempre... não basta sonhar e ficar de braços cruzados... há que se fazer por isso.<br />
- Bem, não se pode dizer que não esteja a fazer por isso... já o acreditar... acho que o tempo é mesmo o meu maior inimigo...<br />
- Pelo contrário, André - disse-lhe, levantando-se para sair - o Tempo é o maior aliado que poderás ter...<br />
- Sim, mas... a que preço?...<br />
Desânimos do dia-a-dia à parte, a árvore do Tempo desenvolveu mais um ramo, no sítio mais inesperado, a olhos humanos talvez. Certo dia, no Centro de Fisioterapia, um dos terapeutas reparou que a cadeira de André não era a cadeira habitual. Conversa puxa conversa, após saber que tinha sido Junqueiro a fazê-la, acabou por querer saber em quanto é que ficaria fabricar mais umas quantas.<br />
- É pá, isso... não sei, porque fiz com uns restos de materiais que lá tinha em casa... mas sou capaz de passar por uma loja de ferragens e perguntar em quanto é que ficaria se comprasse o mesmo material.<br />
- Pois, é que, sabe, há pessoas que aqui vêm fazer fisioterapia e que, tal como você, por vezes, têm de parar de cá vir porque ficam paradas em casa, sem meios de se movimentar e totalmente dependentes da ajuda de outra pessoa... se as pessoas tivessem acesso a uma cadeira sua, sem pagar aluguer, que fosse barata e cómoda, seria definitivamente uma melhoria na qualidade de vida destas pessoas...<br />
- Sim, sim, estou a ver... tudo bem, eu brevemente trago-lhe isso, então.<br />
Junqueiro fez isso e ainda mais. Para além de calcular o custo de fabrico, comparou com o preço de outras cadeiras e o tempo que demoraria a fazer mais modelos. Vistas as coisas, teve a agradável surpresa de que até poderia fabricar mais cadeiras e vendê-las com uma pequena margem de lucro, ficando mesmo assim bastante mais baratas do que outras cadeiras. Ao saber desta notícia, o terapeuta disse que iria transmitir isso à direcção do Centro para saber o que eles diriam disso.<br />
A resposta não tardou muito. A direcção aderiu em massa à ideia e rapidamente encomendou vinte unidades. Junqueiro advertiu que, estando sozinho, ainda iria demorar um tempo a produzi-las pelo que, à medida que as fosse fabricando, as ia entregando. O pagamento, ficou assente, seria feito no acto da entrega. Junqueiro rapidamente pôs mãos à obra.<br />
<br />
- Ó homem, tu sabes quem é que era bom para te ajudar nisso? - perguntou-lhe a mulher - O Carlos, o teu colega. Sabias que ele também tinha sido despedido?<br />
- O Carlos? Por acaso sabia... mas acho que ele andava em vistas de ir trabalhar numa empresa de um primo dele.<br />
- Pois, mas estive à conversa com a mulher dele e parece que o primo acabou por dar o dito por não dito e agora está em casa sem fazer nada...<br />
- Pois... - disse, acabando de dar mais um aperto num parafuso, com esforço - e ele até tinha jeito para me ajudar nesta parte das engrenagens, porque o gajo lá na empresa até estava encarregue de verificar a mecânica da secção de Transformação... p'ra ele, montar isto era num abrir e fechar de olhos... depois tenho de ligar. - e voltou ao trabalho.<br />
Nesse instante, tocou o telefone. A mulher atendeu e momentos depois, gritou para a garagem:<br />
- Lúcio!! Ó Lúcio?!!... Anda cá ao telefone que é p'ra ti!<br />
- Quem é? - retorquiu.<br />
- É o advogado!<br />
- Ahh!! Diz-lhe para esperar uns segundos, que já aí vou!<br />
Passados uns momentos, falou finalmente com o advogado.<br />
- Estou sim? Dr. Pedrosa? Como está o amigo?<br />
- <i>Esta tudo muito bem, obrigado, e o senhor? Olhe, trago-lhe boas notícias: o tribunal decidiu a seu favor o caso de incumprimento e deliberou em acórdão, após consulta dos bens registados em nome do seu ex-empregador, que deu como provado haver bens móveis e imóveis passíveis de penhora e que, mais, o sr. Junqueiro seja ressarcido nos cinquenta mil euros estipulados pelo acórdão do processo anterior no prazo de sessenta dias, findos os quais, caso não tenha procedido à indemnização, ficará sujeito a um agravamento da mesma, com base em juros de mora e penhoras coercivas.</i><br />
- Boa! São, de facto, óptimas notícias. Mas isso não arriscará a empresa?<br />
- <i>Infeliz ou felizmente, não. A empresa encontra-se na posse de vários titulares, com quotas diferentes. Ele tem a maioria mas é uma maioria relativa: os outros administradores podem sempre gerir a empresa caso a sua parte seja penhorada.</i><br />
- Bem, é um alívio saber disso. Então, o sr. dr. pode então tratar de tudo isso?<br />
- <i>Com certeza, sr. Junqueiro, com certeza. Aliás é por isso mesmo que aqui estou, a seu mando e do Tribunal!</i> - disse rindo - <i>Os meus préstimos só vão cessar quando a indemnização tiver sido efectuada.</i><br />
- Pronto, muito bem então... fico então a aguardar por mais notícias, sr. dr.! Obrigado por tudo e até breve! - E desligou.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7TrhGK1tI/AAAAAAAAAVU/fMLkWyjZvYw/s1600/DSC_0489.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7TrhGK1tI/AAAAAAAAAVU/fMLkWyjZvYw/s400/DSC_0489.jpg" width="400" /></a></div><br />
Tudo parecia, então começar a encarrilar decentemente. Mas, no mundo, há muitos tipos de pessoas e nem todas, como bem se sabe, prezam o bem-estar das pessoas. O caso do empresário era um desses: após a segunda deliberação, entrou numa espiral de fúria em que clamava vingança por algo que, segundo ele, tinha sido uma tremenda injustiça. Afinal, ele nem tinha vindo depressa no dia em que tinha passado a ferro o "filho daquele subversivo" (nas suas próprias palavras). Há que dizer que, para ele, todos os empregados mais antigos - que, só por acaso, até eram da sua idade ou mais velhos - eram todos "calões, subversivos" e, a grande maioria deles, "ladrões até". Nada abonatório em defesa deles, se a opinião dele fosse a ser levada em conta. No entanto, é interessante denotar a forma como o umbigo de certas pessoas interfere na visão delas: no caso deste senhor, o umbigo dele, o seu Ego, era do tamanho da Europa. Ou lá perto.<br />
O problema dos Ego's é que fazem tomar atitudes que são, por vezes, muito pouco recomendáveis. E quando há sentimentos de ganância, raiva e auto-comiseração à mistura, pior. Na cabeça do empresário coisas terríveis começaram a tomar forma.<br />
- Nunca na vida aquele desgraçado vai ficar com dinheiro meu. Mais do que eu já lhe dei para se ir embora da minha empresa?? Nunca! Andou anos e anos a roubar-me, a ser pago uma fortuna para não andar a fazer nada! E depois, só porque a Lei obriga, ainda leva uma indemnização choruda! Mas parece que não ficou satisfeito porque ainda por cima ainda quer mais dinheiro!! Não lhe chegou provar que era culpado? Porque é que tenho que pagar se foi num hospital público que o miúdo fez os tratamentos? Ficou-lhe muito mais barato, com certeza... e não lhe ficou em cinquenta mil euros, de certeza que não!! Ah, mas ele vai-mas pagar... ele pode ficar com o dinheiro mas sou EU quem se vai rir por último!<br />
Decidiu então procurar Junqueiro a casa para lhe dar 'a lição que ele merecia'. Depois de perguntar à secretária qual a morada dele, dirigiu-se aí com uma arma no bolso, com o objectivo de lhe dar uma lição. Após alguns minutos, estacionou em frente ao portão da garagem, que estava entreaberto. Saiu, olhou em seu redor ("<i>Óptimo, ninguém na rua</i>", pensou) e bateu à porta.<br />
- Junqueiro! Junqueiro!! Está aí?<br />
Após uns breves instantes, Junqueiro assomou à porta.<br />
- Sr. Eugénio... o que é que deseja? - perguntou, com visível desdém na voz.<br />
- Quis vir aqui dizer-lhe umas coisas... já sei que tenho sessenta dias para lhe pagar os cinquenta mil euros que pediu..<br />
- Desculpe mas não 'pedi' nada a ninguém! - interrompeu Junqueiro - Eu só quis que fosse feita justiça!...<br />
- Cale-se homem!! Não seja estúpido!! Acha que eu ando aí a atropelar pessoas porque quero, porque gosto? O seu filho teve azar! Estava no sítio errado, à hora errada, foi o que foi! O acto não foi propositado!! Não tenho nada que lhe pagar.... aliás, não só não tenho, como NÃO lhe vou pagar... - A raiva na voz do empresário subia cada vez mais de intensidade.<br />
- Não vai pagar? Vai... ai isso é que vai! O Tribunal manda! E se não pagar, garanto-lhe que eles arranjam maneira que pague...<br />
- Está enganado, ladrão de meia tigela! Quem vai pagar é você!! - disse, cuspindo as palavras - Com o meu dinheiro você não fica!!!<br />
Sacando da arma, apontou-lha e disparou três ou quatro tiros. Dois fizeram ricochete no portão da garagem, um outro alojou-se na parede e o quarto acabou mesmo por acertar na parte superior do peito de Junqueiro. Perante aquilo, o empresário decidiu fugir antes que alguém fosse atraído pelo ruído dos tiros.<br />
Minutos depois, André veio à porta e viu o pai desmaiado no chão.<br />
- Pai, pai!!!! O que é que passou aqui??? PAI!!! - gritou, abanando-o.<br />
- Uhmmm... - gemeu Junqueiro, recuperando ligeiramente os sentidos - ...empresário... ameaças... tiros... AIII!!... doi... doi muito... - e silenciou-se.<br />
- Tem calma, pai, tem calma!!! Não te mexas, eu vou chamar uma ambulância.<br />
A ambulância chegou após alguns minutos e transportou Junqueiro para o Hospital mais próximo. Ao carregaram-no para a ambulância, ficou a perspectiva de um bom prognóstico.<br />
- O seu pai teve muita sorte... - disse o enfermeiro - A bala entrou num sítio onde não passa nenhuma estrutura crítica para o corpo. No entanto, perdeu bastante sangue e furou-lhe um dos pulmões. Em casos destes, é uma lotaria...<br />
Junqueiro teve mesmo sorte. Após umas horas no bloco operatório, ficou estabilizado nos cuidados intensivos durante uns dias e depois passaram-no para a enfermaria geral. Tudo o que precisava agora era repouso.<br />
- ... E ainda vai ficar com uma bela cicatriz e uma história para contar aos seus netos! - acrescentou o médico, no final de uma das suas visitas de rotina.<br />
- Ai, sr. dr., há histórias que mais valia que não existissem...<br />
<br />
Ao fim de umas semanas, a Polícia acabou por vir visitá-lo e fazer-lhe algumas perguntas. Já tinham colhido as provas todas no local do crime e só precisavam de saber algumas coisas sobre o crime em si. Junqueiro contou tudo o que se passara nesse dia, ou, pelo menos, o que a sua memória tinha retido. No final, os agentes agradeceram e garantiram que lhe dariam notícias do caso.<br />
Semanas mais tarde, sentia-se suficientemente bem para trabalhar. Acontece, porém, que ainda não podia fazer grandes esforços, pelo que as tarefas mais pesadas lhe estavam vedadas. Ficou preocupado: os dias passavam-se e a encomenda do Centro estava por entregar... mais do que isso, as pessoas que as iriam utilizar estavam à espera...<br />
- Tenho de fazer alguma coisa sobre isto... - pensou.<br />
Ligou para o seu antigo colega Carlos e expôs-lhe a situação. Fez-lhe a proposta de vir trabalhar com ele, sem nunca prometer salário já que o pagamento seria a contra-reembolso, que era tudo "muito directo", disse. Carlos, achando melhor pôr mãos ao trabalho do que ficar parado em casa, aceitou quase de imediato, adicionando que, no dia seguinte, iria ter com ele para começar logo a trabalhar.<br />
- Quanto mais cedo começar, mais cedo acabamos as encomendas. - dissera a Junqueiro.<br />
E assim foi. Com a ajuda de Carlos, e tal como previra, a produção das cadeiras acelerou consideravelmente, havendo lugar até, a alguns melhoramentos de pormenor nas mesmas. Passados alguns dias, Carlos virou-se para Junqueiro e disse:<br />
- Ó Junqueiro, sabes o meu primo? aquele que estava para me contratar há uns tempos? O tipo tem uma firma de distribuição e ele sempre me disse que se eu soubesse de uma boa oportunidade de negócio para lhe dizer que ele faria um bom desconto no transporte.<br />
- Sabes, por acaso, nas minhas divagações, já tinha pensado nisso... E se alguém me fizesse uma proposta de fornecimento de cadeiras? como é que iria entregá-las? É que eu não tenho maneira de as transportar! - disse Junqueiro a rir.<br />
- Pronto, agora já sabes! Se precisares é só dizer ao meu primo...<br />
- Por acaso, estou-me a lembrar que, enquanto estive internado, passou por lá um médico ortopedista... e o tipo ficou a olhar para a cadeira do André. Passado um bocado, veio ter comigo a perguntar onde é que a tinha comprado e disse-lhe que tinha sido eu que a tinha feito. O médico depois perguntou se tinha mais porque parecia uma ideia muito interessante e eu respondi que, por enquanto, ainda era modelo único mas que já tinha um pedido para fazer mais umas quantas. Antes de se ir embora, ele disse-me que se quisesse vender mais umas quantas que era só ligar-lhe. Mas não liguei muito a isso, pensei que estivesse na brincadeira...<br />
- Pois é, mas, a brincar, a brincar é que nascem as boas ideias e os bons negócios... há pouco tempo soube que o primeiro telegrafo que existiu, um não-eléctrico, em França, nasceu de uma brincadeira de crianças de dois irmãos. E, com o tempo, eles cresceram e um dia ele lembrou-se de propor ao rei da altura financiamento para instalar 'a brincadeira' por toda a França, criando assim a primeira rede de telecomunicações do mundo.<br />
- É no que dão as brincadeiras... - riu-se.<br />
- Mas eu acho que devias falar com esse ortopedista... nunca se sabe...<br />
- É verdade... - suspirou Junqueiro - nunca se sabe...<br />
<br />
Um dia, estavam os dois a trabalhar, e André entra na garagem.<br />
- Pai, tenho uma novidade para ti. - disse, com ar de mistério, meio a sorrir.<br />
- Então, filho? Que foi?<br />
- Sabes... acho que vais poder guardar brevemente a cadeira no futuro museu da Casa Junqueiro... repara.<br />
E, dizendo isto, apoia as mãos nas bancadas, uma de cada lado, e levanta-se, dando depois uns ligeiros passos, ficando em pé, a olhar para o pai. Os olhos de Junqueiro marearam-se de lágrimas, dificilmente contendo a emoção de ver o seu filho a caminhar de novo. Levantou-se e abraçou-o ternamente<br />
- Ó pai, então?? 'Tás-me a sujar todo de óleo e fuligem! - disse, a rir-se - Era para ser surpresa e, pelos vistos, parece que consegui! Mas ainda é tudo muito recente e está tudo muito fresco... ainda tenho umas valentes semanas de terapia pela frente.<br />
- Não interessa, - disse Junqueiro a secar os olhos - é importante celebrar as pequenas conquistas!!<br />
- Podes ter razão mas eu prefiro concentrar-me no trabalho que ainda tenho pela frente...<br />
André voltou a sentar-se na cadeira e afastou-se em direcção ao interior da casa. Quando estava prestes a sair, virou-se e disse:<br />
- Ah, e é verdade pai, tinhas razão... é preciso acreditar, é preciso sonhar... mesmo muito... e deixar o Tempo jogar a nosso favor. Como se costuma dizer "O Tempo tudo cura"... Essa foi a maior lição que eu tive nos últimos tempos... - e saiu.<br />
Virando-se para Carlos, Junqueiro comentou:<br />
- São estes momentos que nos fazem acreditar que tudo é possível, e que a vida vale mesmo a pena ser vivida...<br />
- É claro que sim! - respondeu Carlos - mas há duvidas? - e juntou-lhe uma amigável palmada nas costas.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7V_ZQB-OI/AAAAAAAAAVY/MfFXxQKYGjI/s1600/DSC_0049.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TO7V_ZQB-OI/AAAAAAAAAVY/MfFXxQKYGjI/s400/DSC_0049.jpg" width="400" /></a></div><br />
A investigação da polícia e consequente levantamento do processo-crime, deu como provada a culpa no crime de tentativa de homicídio, para além de outros crimes. Eugénio foi condenado a 15 anos de prisão, sem hipótese de liberdade condicional e sem redução de pena. Mais, viu ser algumas das suas posses penhoradas para pagar, não só a dívida de cinquenta mil euros mas também uma indemnização adicional por danos morais e corporais no valor de cento e vinte mil euros - um valor superior devido à sua reincidência neste tipo de ofensas e devido ao carácter deliberado da ofensa. No total, tinha a receber cento e setenta mil euros, uma quantia algo avultada mas que já tinha destino: iria investir a sério no seu novo negócio. Carlos falou com o primo que, tal como prometido (mas não sem alguma relutância), decidiu apoiar a empresa de Junqueiro ao nível da distribuição.<br />
E clientes?... Ao que parece, a primeira remessa de cadeiras de rodas foi um sucesso entre os frequentadores do Centro de Reabilitação que rapidamente quiseram trocar as suas cadeiras do costume pelo modelo Junqueiro, como lhe chamavam. Movimento seguinte, outros utentes, em numero bastante superior, quiseram ter em sua posse a nova cadeira. Desta feita, Junqueiro fez negócio directamente com os interessados, pelo que a pequena margem de lucro (anteriormente cobrada como comissão pelo Centro) reverteu a favor da sua nova empresa. Para além disso, Junqueiro decidiu ir falar com o médico ortopedista que, desde logo, garantiu recomendar as novas cadeiras a doentes seus - desde que houvessem modelos suficientes, claro. Também André contribuiu para o aumento das encomendas - a nível nacional, inclusive: com os seus conhecimentos de informática, decidiu criar uma página na Internet a publicitar as novas cadeiras e acessórios. Os preços anunciados eram atractivos e se a funcionalidade era questão, garantia-se também que, em caso de insatisfação do cliente, que o dinheiro seria integralmente reembolsado. Mas ver-se-ia mais tarde que tal nunca chegou a ser necessário: as cadeiras eram um sucesso retumbante.<br />
Mais trabalho exigia mais empregados e, para este efeito, pensou em contratar alguns ex-colegas com quem partilhou décadas de trabalho e que sabia também terem sido vítimas da ganância e sede de lucro de Eugénio. Tinha confiança neles e sabia que este sentimento era recíproco. Pelo menos ao nível da montagem, a qualidade só poderia melhorar. Mas não só: ao nível do ambiente na equipa, esse não poderia ser melhor - o que iria ajudar, definitivamente, a ter muito sucesso.<br />
Com André já a caminhar - com ajuda de muletas, ainda, é certo - e a empresa a correr sobre rodas, o futuro parecia brilhante a Simão Junqueiro. Os dias difíceis pareciam ter acabado e desse passado só restavam as memórias de tempos turbulentos. Junqueiro parecia atribuir tudo isto ao seu trabalho mas, bem dentro de si, ele sabia que isto era consequência da sua capacidade de sonhar e de não ter medo de arriscar em concretizar os seus sonhos. E, agora, era nisso que ele pensava, ao admirar a paisagem que se estendia aos seus pés e enquanto reflectia tudo quanto se tinha passado. "<i>É preciso sonhar e acreditar... sempre... mas acreditar mesmo muito... daí tudo resulta e provém, fazendo por isso também...</i>", recordava ele as palavras ditas a André meses antes. "<i><b>Necesse somnis credo semper</b></i>", dizia, também, o símbolo da nova empresa da família.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-70158041693833576362010-11-16T05:11:00.003+00:002010-11-16T05:17:51.096+00:00 <object height="295" width="480"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/Zi-L2amzre8?fs=1&hl=pt_PT"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/Zi-L2amzre8?fs=1&hl=pt_PT" width="480" height="295" allowScriptAccess="never" allowFullScreen="true" wmode="transparent" type="application/x-shockwave-flash"></embed></object><br />
<br />
<table cellpadding="2" cellspacing="2"><tbody>
<tr> <td width="50%"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 85%;"><i><span class="Apple-style-span" style="color: #9fc5e8;">Pakkanen puhurin poika<br />
Talven poika hyyelmöinen<br />
jäädät maita jäädät soita,<br />
jäädät kylmiä kiviä,<br />
etpä jäädä ihmismieltä<br />
etpä ihmisen sydäntä!<br />
<br />
Et kylmä inehmon mieltä<br />
jäädä et ihmisen syantä<br />
syömmessä on hengen lämpö,<br />
tuli rinnassa ripeä,<br />
povessa palava poltto<br />
valkean vapauden kuume!<br />
<br />
Minkä kylmät, virvoittavi<br />
sykkivän sydämmen lämpö,<br />
minkä jäädät, sulattavi<br />
lauluni lakean voima,<br />
poveni palava poltto,<br />
valkean vapauden kuume!</span></i></span></td><td width="50%"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 85%;"><i><b><span class="Apple-style-span" style="color: #cfe2f3;">Pakkanen, filho do vento gélido do Norte,<br />
Filho gélido do Inverno,<br />
Gelas as terras, gelas os pântanos,<br />
Gelas as pedras frias,<br />
Mas não podes gelar o espírito humano,<br />
Nem o coração do Homem!<br />
<br />
Não podes gelar nem o ânimo das pessoas<br />
Nem os seus corações:<br />
O calor do espírito reside no coração,<br />
E o fogo no peito é lesto,<br />
O peito abriga o coração ardente,<br />
A febre da liberdade pura!<br />
<br />
O que quer que geles, será reavivado<br />
Pelo calor do coração palpitante,<br />
O que quer que geles, será descongelado<br />
Pela força inabalável da minha canção,<br />
O meu peito abriga um coração ardente,<br />
A febre da liberdade pura!</span></b></i></span> </td> </tr>
</tbody></table><br />
<div style="text-align: justify;"> "Não obstante as suas promessas de prazer, fazer amor causa ansiedade a muitas pessoas. Não se trata de um grande desempenho, mas de uma arte que requer uma certa perícia. Essencialmente, trata-se da expressão directa do desejo e da concretização de fantasias associadas aos mais intensos anseios. Podemos não entender ou não ter consciência das origens dos nossos desejos. Alguns actos podem ser importantes para nós - um beijo, uma carícia, um suspiro, um som -, embora não saibamos porquê. Nunca nos interrogamos acerca dos motivos dos nossos gostos particulares que, no entanto, podem ser só nossos. É possível que não venham descritos num manual de sexo ou que nos preocupemos com a possibilidade de serem perversões. O medo surge naturalmente quando damos alguma rédea aos nossos desejos, porque não é fácil confiar neles.</div><div style="text-align: justify;"> Revelar o corpo também é revelar a alma, porque o corpo é a alma. Permitir que o corpo seja visto na sua nudez, que seja tocado e abraçado, é revelar a alma em toda a sua glória e complexidade. Mas nem sempre é fácil uma exposição tão total. Quem se presta a ser visto assim por outra pessoa, por muito que a ame? Haverá alguém em quem possamos confiar a esse ponto?</div><div style="text-align: justify;"> Talvez encontremos alguém com quem estejamos dispostos a tentar esse nível de revelação, devido aos seus atractivos ou àquilo que representa para nós. Podemos desejar apenas conforto e contacto físico ou ansiar por relações sexuais. Fazemos amor e talvez nos mostremos vulneráveis, o que pode ser agradável e satisfazer a nossa atracção e anseios, mas também pode ser inquietante. podemos descobrir, até subliminarmente, que há limites para a nossa confiança, quer em geral quer com aquela pessoa em particular. No sexo, as inibições são tão significativas como as liberdades. [...]"</div><br />
<i><span class="Apple-style-span" style="font-size: 75%;">in Moore, T. et al., "A Noite Escura da Alma", pp 212-213 da ed. portuguesa pela Planeta Editora (trad. Maria Carvalho e Maria Marques)</span></i>Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-41299390236246304282010-11-06T04:30:00.003+00:002010-11-08T14:27:35.614+00:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TNTOmBA6k2I/AAAAAAAAAUY/oeW5rePySmk/s1600/DSC_0432.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TNTOmBA6k2I/AAAAAAAAAUY/oeW5rePySmk/s400/DSC_0432.jpg" width="400" /></a></div><br />
<br />
<blockquote><span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>Those that think it permissible to tell white lies soon grow color blind.</b></span><br />
<i>Austin O'Malley (1858 - 1932)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>Even in the darkness, every color can be found. And every day of rain brings water flowing to things growing in the ground.</b></span><br />
<i>Joss Whedon, Zack Whedon, Maurissa Tancharoen, and Jed Whedon</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>The courage to imagine the otherwise is our greatest resource, adding color and suspense to all our life.</b></span><br />
<i>Daniel Boorstin (1914 - 2004)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>Where does the violet tint end and the orange tint begins? Distinctly we see the difference of the colors, but where exactly does the one first blending enter into the other. So with sanity and insanity.</b></span><br />
<i>Herman Melville (1819 - 1891)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>Maturity is a bitter disappointment for which no remedy exists, unless laughter can be said to remedy anything.</b></span><br />
<i>Kurt Vonnegut (1922 - 2007)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>We are like sculptors, constantly carving out of others the image we long for, need, love or desire, often against reality, against their benefit, and always, in the end, a disappointment, because it does not fit them.</b></span><br />
<i>Anais Nin (1903 - 1977)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #4c1130;"><b>No man with a man's heart in him, gets far on his way without some bitter, soul searching disappointment. Happy he who is brave enough to push on another stage of the journey, and rest where there are living springs of water, and three score and ten palms.</b></span><br />
<i>Lawrence B. Brown (1856 - 1941)</i></blockquote><br />
<div style="text-align: justify;"> Viver faz calos. Tal como trabalhar, diga-se de passagem. Mas os calos da vida não se limitam a uma face física, visível: também se desenvolvem no corpo mental e emocional e, tal como os calos que se desenvolvem nos pés - de caminhar em superfícies duas e ásperas -, ou nas mãos - de tanto escrever -, nos permitem caminhar sem dor por esses mesmos terrenos agrestes, ou escrever horas a fio tudo o que temos em mente, também estes calos mentais e emocionais nos garantem uma maior desenvoltura em situações de maior aperto nessas duas áreas.<br />
O grande problema com os calos é que... são feios. Inestéticos, grossos, não nos permitem sentir (por vezes) as coisas boas que a vida nos traz. Ou seja, ganha-se em eficiência, mas perde-se (em parte) na sensibilidade. E aqui volto a não falar só dos calos físicos. Também os outros podem retirar um pouco da nossa sensibilidade a certos acontecimentos da nossa vida. Além disso, tal como os calos físicos são disformes, também poderemos ter a tendência a pensar que a calosidade mental e espiritual nos deforma nesses dois corpos - e, de facto, assim é com certas pessoas (quase toda a gente conhece uma ou duas) nas quais as amarguras da vida as 'contaminaram', tornando-se elas, também, amargas. Mas tal facto não é regra, bem pelo contrário, creio. É que as calosidades emocionais e mentais são sinais de uma longa aprendizagem, no que se traduz por um crescimento espiritual que não regredirá jamais. Ora, sendo o corpo espiritual aquele que acaba por prevalecer na grande maioria das nossas acções - relacionando-se este mais intimamente com o mental e o emocional - a probabilidade de nos tornarmos insensíveis ao que nos acontece é relativamente baixa e, quando acontece, é porque a nossa comunicação interna entre estes três corpos, após um acontecimento marcante, não decorreu correctamente - i.e. a 'lição' não foi bem aprendida. Também temos direito a falhar: afinal somos só Humanos.<br />
Tudo isto me veio à mente quando me relembrei, recentemente, da maneira de como eu sentia na minha adolescência. Nessa altura, as emoções eram fortes, acontecesse o que acontecesse, e tudo era um desafio à mente: aprender, sentir e compreender eram as palavras de ordem durante essa fase. Na verdade, ainda o são, mas de uma forma diferente, ou, pelo menos, com prioridades diferentes. A cor é diferente. A saturação dessa cor é diferente: de cores tão berrantes como numa 'trip' psicadélica dos anos 60, a cada experiência mais intensa essas mesmas cores iam-se suavizando até se terem tornado, a certa altura, um mero contraste de preto e branco. E aí, o 'milagre'...<br />
A Vida, para quem o deseja, realmente, fornece-nos as lições mas também as ligaduras e curativos para as feridas feitas durante a aprendizagem. Mesmo quando toda a Esperança desaparece e se acredita em algo, mesmo sem se saber bem porquê - talvez porque um determinado Valor aprendido é tão importante, que se tornou numa trave-mestra do nosso Ser -, quando a nossa Intenção é tão forte e nos mantemos abertos (ao que ela oferece) e atentos, então os 'milagres acontecem... e as cores voltam.<br />
Podem não ser tão vivas como na adolescência, mas estão lá e servem para nos guiar convenientemente nesta Vida. Podem não nos deslumbrar, ou até deixar-nos desorientados com tamanha intensidade, mas são firmes. O nosso Ser sabe que precisa de ter resistência à adversidade, de forma a que desempenhe o melhor possível, mas também sabe que não pode perder demasiada sensibilidade - mesmo que se magoe um pouco no processo. O calo tem de existir, mas não pode existir "por si" e "para si" mesmo. O Espírito do nosso Ser sabe que, tal como na Vida, o Equilíbrio tem de ser respeitado. E atingi-lo (por muito que o Ego refile) não é uma perda em relação ao que se tinha - é Evolução, um ganho em Luz. Quem é que precisa de 'trip's dos anos 60, anyway?...</div>Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-58308632864253210382010-09-10T20:53:00.002+01:002010-09-21T20:54:21.279+01:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TJkKSgMiDdI/AAAAAAAAAUQ/BHyZ1UyvO18/s1600/DSC_0496.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="265" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TJkKSgMiDdI/AAAAAAAAAUQ/BHyZ1UyvO18/s400/DSC_0496.jpg" width="400" /></a></div><br />
<table cellpadding="2" cellspacing="2"><tbody>
<tr> <td width="50%">Why do rocks always survive on their journey through the motions?<br />
Why do they not grow old in the mystery of Time?<br />
Why do they still stand tall?<br />
They keep patiently waiting...<br />
Why do rocks always survive all the wars, times, the heroes,<br />
All the foolish, the brave,<br />
All the children, all the lovers,<br />
All the naked feet they grazed?<br />
They just ignore all the madness created by us...<br />
<br />
They have seen so many slip, they have seen so many fall...<br />
They have proved that Truth is just a word for the Crown of Creation...<br />
They have seen that the Law of Nature is a thing you can ignore...<br />
They have learned that you can hide your lies behind the Name of the Father<br />
To justify your crimes, to justify your cruelty...<br />
They have gazed into the eyes of the Origin of Evil...<br />
They have seen how the taste of money can change a decent man...<br />
They have smelled the inner thoughts of the greatest Deceivers...<br />
<br />
And they have smelled the weapon of Hate and Revenge<br />
As it sneaks into the Human mind...<br />
While the leaves keep endlessly falling,<br />
Humming their marathon of Songs...<br />
<br />
Hummmm, hummmm, hummmm...<br />
Hummmm, hummmm, hummmm...<br />
(repete em <i>ostinato</i>)<br />
<br />
...of hope for the innocent, of hope for the poor ones,<br />
...of hope for the underdog, of hope for the mothers...<br />
They hum of hope for the children, of hope for the wounded,<br />
Of hope for the lovers...<br />
<br />
And they raise their voices...<br />
<br />
They sing about hope for the Future,<br />
They sing a Hymn to the World,<br />
They sing about Hope for the next Generation,<br />
And they sing about our children's children's children..<br />
<br />
And they shout out loud:<br />
<b>WE'VE NEVER DECLARED A WAR!!!<br />
WE'VE NEVER DECLARED A WAR!!!</b><br />
And they shout out loud:<br />
DESTROY THE WEED OF ALL MANKIND!!!<br />
PROTECT US FROM 'THE DODGER'!!<br />
AND BE AWARE OF THE TIMEBOMB!!<br />
<br />
And they shout out loud for the love of understanding...<br />
<b>"Ooohhhhh, to save our children's children's children!"....</b><br />
<br />
And all these leaves, all these leaves,<br />
They're filling the ground, they're filling the air <br />
And they're filling the Earth...<br />
<br />
Let their Message fill our Souls... (x6)<br />
<br />
Why do rocks always survive all the naked feet they've grazed?<br />
Why do rocks always survive?...<br />
They just ignore all the madness created by us...<br />
<br />
We sail the Seven Oceans of our Mind...<br />
We watch the silent waves we leave behind...<br />
We reach out for the Future and the Truth that we think we will find<br />
Inside our Seven Oceans that we hide inside of our Minds...<br />
<br />
We sail the Seven Oceans of our Mind...<br />
We watch the silent waves we leave behind...<br />
We reach out for the Future and the Truth but they're hiding inside<br />
The silent rocks we passed on our way<br />
And the leaves on the ground...<br />
And the leaves on the ground...<br />
<br />
Why do rocks always survive?...<br />
<br />
<b><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: 85%;">Kaipa</span></i></b><span class="Apple-style-span" style="font-size: 85%;"> - The Seven Oceans of Our Mind - <i>2010</i></span><i></i><br />
<br />
</td> <td width="50%"> Quando era pequeno, em casa da minha avó não havia televisão. Passava quase um mês (ou mais) sem televisão, entregue simplesmente à minha imaginação, à exploraçao de locais, esconderijos, a apreciar (e aprender - pois é a brincar que mais se aprende) a vida na sua forma mais pura e idílica. Era também um mês em que - quando nao estava nestas fantasias e quando já era noite - me sentava no cadeirão vermelho da cozinha e me recostava a ler.<br />
A ler o quê?...<br />
Tudo. Tudo o que eu encontrava para ler lá em casa (e, infelizmente, não havia muito pois os meus avós não eram de grandes leituras) eu lia... e relia... e relia de novo... E em cada nova leitura encontrava coisas novas, detalhes que tinham passado despercebidos, que me faziam viajar para outros tempos, outras paragens, outros mundos com ritmos, pulsares, costumes e tradições diferentes. E os desenhos eram magníficos. Mas esta magnificência não era causada pela complexidade, ou pelas cores usadas, ou ainda pela beleza absoluta do objecto. Nada disso. A beleza desses desenhos residia na sua simplicidade e na sua verosimilhança. Eram desenhos que ilustravam bem a mensagem que o texto adjunto queria transmitir. A força dessas imagens era tal que chegava a desejar estar dentro delas, sendo essas as primeiras vezes que experimentei tal sensação. Porque dentro delas, os sentimentos pareciam estar bem definidos, sem artifícios.<br />
Várias vezes, desde então, experimentei tais sensações - de tal modo que muitas vezes me pergunto se não seria melhor estar do outro lado do desenho, fazendo parte de toda a atmosfera que transpirava para o lado de cá, em mundos mais humanos por vezes do que este.<br />
Já nem vou pela pergunta costumeira para tentar saber se os miúdos hoje em dia brincam de maneira correcta... mas o que eu pergunto é se as brincadeiras(?) que as crianças têm hoje em dia as vão ajudar a pensar e a imaginar um mundo melhor, se as vão ajudar a perceber verdadeiros valores que não os subjacentes a uma satisfação temporária de um Ego cada vez mais exigente, que os desgasta, a toda a gente à sua volta e, em última análise, ao mundo. Sim, porque o facto de todos estarmos ligados uns aos outros e todos estarmos ligados à Terra não é algo que passa impassível pelo grito desenfreado da criança que quer o Ego massajado só porque a sociedade não permite aos pais estar tão intimamente envolvidos na sua educação como antigamente - sim, quando se trabalhava de 'sol-a-sol' com os pais no campo e nas minas e nas fábricas na busca de uns tostões que permitissem pôr comida na mesa, esses é que eram os dias, não era? Errado!! Esses eram os dias em que o único valor era o Medo: o medo de morrer num acidente de trabalho, o medo de violação, o medo de morrer esfaqueado numa esquina escurecida, o medo de morrer de fome, o medo de morrer espancado pelos próprios pais se não se levasse o dinheiro para casa E se não fosse a coberto da noite à tasca comprar vinho, etc etc etc... Se era uma vida mais saudável? Duvido. Se havia valores? Até podia haver mas só entre quem tinha dinheiro. E assim que começou a chegar algum às classes mais baixas, o panorama não mudou muito, a não ser, talvez, temporariamente e não (quase de certeza) no nosso país.<br />
Como calar então o Ego berrante das crianças hoje em dia? Se eu fosse pedagogo, psicólogo e afins, teria, se calhar, uma resposta mais correcta, mas, não o sendo, vou tentar responder o melhor que sinto: o Ego só se cala com Amor e com as lições que a Vida e o Amor (e o Tempo) trazem. Não é fácil amar uma criança/adolescente porque, afinal, somos humanos e cada um tem os seus defeitos - incluindo aquelas <i>cordinhas</i> que quando alguém toca nelas, nos passamos. Para além disso, amar uma criança implica fazer coisas que nos fazem o coração contorcer-se de dor (não sou pai mas tenho crianças na família que adoro e às quais já tive de mostrar que há coisas que não se fazem... e não foi fácil). Mas quando se ama enquanto se faz qualquer coisa, quando colocamos Amor nos nossos gestos, tudo o que fazemos é correcto. Quando deixamos que o Amor guie tudo o que fazemos, tudo está correcto. Quando fazemos algo a outrem simplesmente porque gostamos/amamos dessa pessoa, sem espera de retribuição ou de reacção, tudo o que fizermos estará correcto. E assim se poderá reduzir um pouco a loucura que criamos, ou que deixamos o nosso Ego criar.</td> </tr>
</tbody> </table><br />
<div style="text-align: center;"><object height="344" style="background-image: url(http://i2.ytimg.com/vi/aFjJLEbLYKI/hqdefault.jpg);" width="425"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/aFjJLEbLYKI?fs=1&hl=pt_PT"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/aFjJLEbLYKI?fs=1&hl=pt_PT" width="425" height="344" allowscriptaccess="never" allowfullscreen="true" wmode="transparent" type="application/x-shockwave-flash"></embed></object></div>Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-67289203684675097632010-08-26T20:34:00.002+01:002010-08-26T20:43:27.413+01:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/THbA_c1RmOI/AAAAAAAAAUA/aY1ZqjJ51A4/s1600/DSC_0296-2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="190" src="http://3.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/THbA_c1RmOI/AAAAAAAAAUA/aY1ZqjJ51A4/s400/DSC_0296-2.jpg" width="400" /></a></div><br />
<br />
<br />
<blockquote><b><span class="Apple-style-span" style="color: #ea9999;">Never pretend to a love which you do not actually feel, for love is not ours to command.</span></b><br />
<i>Alan Watts</i><br />
<br />
<b><span class="Apple-style-span" style="color: #ea9999;">There is always some madness in love. But there is also always some reason in madness.</span></b><br />
<i>Friedrich Nietzsche (1844 - 1900), "On Reading and Writing"</i><br />
<br />
<b><span class="Apple-style-span" style="color: #ea9999;">There is no remedy for love but to love more.</span></b><br />
<i>Henry David Thoreau (1817 - 1862)</i></blockquote><br />
Hoje em dia, talvez mais que nunca, ouve-se falar de Amor. Que se ama isto, que se ama aquilo, que se ama fulano, cicrano e beltrano, que o Amor é isto, que o Amor é aquilo... Pessoalmente, acho que se dá um passo além das nossas capacidades ao afirmar-se aos quatro ventos que o Amor é qualquer coisa - isto por vários motivos (a saber): <br />
1) o Amor NÃO é uma coisa. Não é um objecto, não é algo sólido nem palpável. Logo, não se pode definir como uma coisa;<br />
2) Qualquer pessoa que tem um bocadinho de juízo na cabeça e que, a determinada altura da sua vida, pensou um pouco nela<br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><i>(se bem que há quem ande neste mundo a ver passar os outros, mas isso são outras meadas...)</i></span><br />
<br />
sabe que o ponto de vista humano é míope. Quer isto dizer que se conseguirmos Ver (com V grande, e correctamente!) um pouquinho mais à frente do nosso nariz, já é um triunfo. Ora, se nem as coisas físicas do mundo são captadas correctamente, como poderemos nós saber o que é o Amor?<br />
3) e depois a interminável lista de poemas e ensaios e teses escritos sobre a temática. Sim, porque aos nossos olhos humanos é uma temática, que até dá origem a acesas discussões (e pancadaria por vezes, o que não deixa de ser irónico). Cada qual (e isto é confirmação do número anterior) tem uma visão sobre o assunto.<br />
<br />
Também tenho algo a dizer. Na minha visão (que é só minha, logo, perdoem-me estas simples palavras) o Amor é a força motriz do Universo. É a trave mestra, a pedra basilar e angular. É a quintessência de Deus, tantas vezes reforçada na excelente frase Deus é Amor. E é.<br />
Ao longo desta minha Expressão presente neste Mundo (re)lembrei-me de algumas coisas, chegadas por meios/vias mais ou menos credíveis, consoante as pessoas. E nesta minha caminhada, sobre o Amor encontrei as mais verdadeiras (e belas) palavras algumas vez concretizadas. Estas palavras são os Quatro Elementos do Amor Puro e Universal, de Deus e do Eu Superior.<br />
<br />
<i>(reparem, não são a definição de Amor mas as suas características - um pouco como tentarmos definir o que é Som, ou Luz, sem dizer o que é mas dizer que tem determinada intensidade, que pode ter determinado timbre, que pode ter determinada cor, que pode ser difusa ou incidente, que pode ser desagradável, et al.)</i><br />
<br />
I - O Amor do Espírito é silencioso, cheio de compaixão, forte e denso.<br />
<br />
II - O Amor Puro não tem objectivos, interesses ou propósitos finais. Existe somente por si mesmo e por cada um de nós. Sem contrapartidas. Ele simplesmente "É". E contenta-se simplesmente em 'Ser'.<br />
<br />
III - O Amor não é orgulhoso. Não precisa de andar por aí a mostrar-se, a anunciar quem é. Basta estar na sua presença e sabe-se logo que estamos na presença do mais puro e divino Amor (nas suas mais diversas e infinitas vertentes).<br />
<br />
IV - O Amor tem a TODA a sabedoria necessária para utilizar os outros três atributos. Pois também a Sabedoria é silenciosa e não tem propósitos ou interesses.<br />
<br />
IV e 1/2 (derivação minha) - O Amor Puro NUNCA irá criar um cenário de medo, pânico, terror, histeria, miaúfa, cagufa, medinho, nervoso miudinho, ranger de dentes e afins, mas o Ego de cada um, sim.<br />
<br />
Isn't that something? :) Pure bliss and Love, indeed...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-47609366541164127952010-07-29T21:21:00.000+01:002010-07-29T21:21:14.961+01:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TFHgXARyMTI/AAAAAAAAATw/qvVYWTMwSmo/s1600/DSC_0509.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/TFHgXARyMTI/AAAAAAAAATw/qvVYWTMwSmo/s400/DSC_0509.jpg" width="400" /></a></div><br />
<blockquote><b><span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">[Water is] the only drink for a wise man.</span></b><br />
<i>Henry David Thoreau (1817 - 1862)</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><b>Don't think there are no crocodiles because the water is calm.</b></span><br />
<i>Malayan Proverb</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><b>The grass is not, in fact, always greener on the other side of the fence. <br />
Fences have nothing to do with it. The grass is greenest where it is watered. When crossing over fences, carry water with you and tend the grass wherever you may be.</b></span><br />
<i>Robert Fulghum (1937 - ), "It Was on Fire When I Lay Down on It"</i><br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;"><b>The best [man] is like water.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">Water is good; it benefits all things and does not compete with them.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">It dwells in [lowly] places that all disdain.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">This is why it is so near to Tao.</b></span><br />
<i>Lao-tzu (604 BC - 531 BC), "The Way of Lao-tzu"</i><br />
<br />
</blockquote><br />
Quando se mergulha de cabeça, de alto, num espelho de água, não pensa em mais nada. Não se consegue, não se pode. Só existimos nós, a sensação de vertigem e a água, nada mais. Os sentidos tentam captar tudo o que se passa, instante a instante... mas é absolutamente impossível. À borda da plataforma de onde se salta - muro, prancha, rochedo, telhado, promontório - a decisão só pode ser redutível a um ponto sem retorno único, irreprodutível, que se deseja copiar, reviver - sem sucesso. É o Ser Humano e a sua vontade no momento mais cristalizado - é o teste da Hipótese e a (possível) constatação da Certeza que em nós existe. É o fitar de olhos nos olhos a Vontade, o Querer e atingi-la num instante, fundi-la connosco e tornar essa simbiose em Movimento instantâneo. Salto. Queda. O som que se desloca à nossa volta, o mergulho no ruído ambiente, as luzes que se deslocam, acelerando sem fim que se adivinhe, o toque do ar que se desloca à nossa volta...<br />
<br />
Silêncio.<br />
<br />
Um som de fundo, líquido e profundo, ressonante em todo o ser, envolve-nos. Toca-nos. Dissolve-nos. Somos líquido, frescura, fluidez. Outro Ser. Passada a prova de Fé, a Fusão do Ser com o Querer, a Transmutação do Potencial em Acção, a escamação do Ser Sólido, eis-nos Outro, mesmo Espírito, outra Matéria - sem princípio nem fim, fronteira tangível. O Tempo pára, só o Ser existe. E flui, e nada, e migra de um ponto para outro, em todos os sentidos. Tudo é possível nesse estado, nesse mundo em que se é sonho, realidade e transcendência de nós mesmos, no simples facto de estar imerso em água, só Nós e a Água. Sem fim.<br />
E aí o Desejo. A Repetição, a Obrigação, a Chamada. Não é 'aquele' o nosso Mundo Natural. A Terra - forte, concreta, 'real' - chama. A ela temos de voltar e, com isso, ao nosso estado Sólido, Material. Emerge-se. Outra pessoa de facto, com a semente plantada de algo provado que saciou e que se deseja que volte a saciar novamente. A memória de um estado possível e alcançável, apenas a uma alquimia de distância. O retorno a algo que se é e nunca se deixa, nem deixou, de Ser.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-12209633456466156722010-04-05T13:36:00.003+01:002010-04-05T13:42:43.031+01:00<div style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/S7nZdJSY0_I/AAAAAAAAATo/bPpde-_R0sA/s1600/DSC_0451.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="175" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/S7nZdJSY0_I/AAAAAAAAATo/bPpde-_R0sA/s400/DSC_0451.jpg" width="400" /></a></div><br />
<blockquote><b>When all is said and done,<br />
the weather and love are the two elements about which one can never be sure.</b><br />
<br />
<i>Alice Hoffman, 'Here on Earth'</i></blockquote></div><br />
De que côr é o Vento?<br />
<br />
Pergunta 'Zen' por excelência, achei-lhe piada. Não tem resposta - e mais piada ainda lhe achei. Ou antes, se tivesse, seria algo como "tem o sabor de uma gargalhada de uma criança", ou "soa ao coração dos apaixonados", ou ainda "tem o toque das noites suaves de Verão, das manhãs de Inverno, do sol da Primavera e das tardes de Outono"... não sei. Já experimentei abrir a boca e tentei tomar-lhe o sabor, senti-lo, a sério!, na boca... em vão.<br />
Pelos meus olhos já teve tanta cor, já teve tanta luz e tanta falta dela. Já me aqueceu e arrefeceu o coração. Já teve os 5 sabores e já soou a tanta coisa, tanta coisa...<br />
Mas penso que, ao fim e ao cabo, mas sem grandes certezas, o Vento, o meu Vento, tem a côr do Presente, do meu Presente, que tem a côr do meu coração, que tem a côr do que Eu Sou...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-63887597078801708222010-01-12T20:30:00.001+00:002010-01-12T20:30:55.925+00:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/S0zbbqgov6I/AAAAAAAAAS4/VIy36JE3sy0/s1600-h/DSC_0155.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/S0zbbqgov6I/AAAAAAAAAS4/VIy36JE3sy0/s400/DSC_0155.jpg" /></a><br />
</div><br />
<br />
<blockquote><div style="text-align: center;">Go to your bosom; Knock there, and ask your heart what it doth know.<br />
<i>William Shakespeare (1564 - 1616), 'Measure for Measure'</i><br />
<br />
Happiness is nothing more than good health and a bad memory.<br />
<i>Albert Schweitzer (1875 - 1965)</i><br />
<br />
A cynic is not merely one who reads bitter lessons from the past, <br />
he is one who is prematurely disappointed in the future.<br />
<i>Sidney J. Harris</i><br />
</div></blockquote><br />
Lembro-me como se fosse hoje... foi no ano em que tudo mudou, o ano que trouxe toda a mudança ao de cima, o ano em que o arco-íris se esbateu e todo o mundo passou a ser uma escala de cinzentos com laivos de cor aqui e ali, só para não se perder o contacto total com a realidade... Em parte e à sua maneira, isto que te vou contar também me ajudou a tomar consciência dessa mudança, se mais era preciso...<br />
<br />
<i>- Tenho saudades de ir à terra...<br />
As lágrimas escorriam-me pela cara. Estava a chover também e sentia falta de qualquer coisa que não conseguia perceber porquê, na altura. A falta de ir à terra dos meus pais foi a primeira coisa de palpável que me assomou nesse ano. Podiam tirar-me tudo, menos isso. Veio sorrateiramente, tomando conta de mim, apoderando-se do que eu ia sentindo, mesmo sabendo que, anteriormente, alturas houveram em que já se tinha passado mais tempo sem lá ir do que aquele que, nesse momento de necessidade, tinha passado. No entanto, era, então, isso que eu desejava.<br />
- Então havemos de ir brevemente à terra... - disse o meu pai.<br />
Mas era complicado. A hora de entrada no colégio, ao domingo, tornava a estadia mais curta do que o normal e, apesar de adorar lá estar, aquela era a terra do meu pai e era ele quem sofria sempre mais com as partidas. Raízes...<br />
Nessa hora, um sorriso assomou-se-me na cara e, pela primeira vez em semanas, o coração alegrou-se. Brevemente voltaria ao meu mundo, àquele que eu conhecia, onde me sentia como um peixe na água. Um oásis na realidade vigente.</i><br />
<br />
Semanas depois, num dia chuvoso, partimos em direcção à terra... Estava mais feliz mas não estava propriamente feliz, ou tão feliz como noutras ocasiões. Não era a chuva, não era o caminho, era... sei lá, o problema estava mesmo dentro da minha cabeça, decididamente. As coisas estavam a mudar, eu via-as a mudar e não gostava do que estava a ver. Os meus olhos tinham-se aberto do sonho para a realidade com um corte demasiado brutal, demasiado seco, demasiado definido, a bold, 3 pts e 1/2. Num momento sonhava, no outro acordava. Num momento sorria, no outro chorava.<br />
Lá chegado, o cinzento continuou. A alegria que esperava reencontrar no contacto com as pessoas, na brincadeira com os primos e os amigos, no resto da família, não passou de uma mera esperança não concretizada. Tudo continuava cinzento e neutro a meus olhos. Onde antes havia cor, substância, música e vivacidade (mesmo em dias de chuva), havia agora cinzentismo, humidade, recolhimento, introversão, uma neutralidade indiferente que permeava por todos os poros. Pensava "Também isto?! Também aqui?!?..." e mal podia crer. O meu ultimo reduto de identidade tinha desaparecido... daí para a frente, seria a busca pelo que se perdeu ou, como mais tarde aconteceu, a re-criação (possível) do Eu, como Demiurgo em potência, para o Bem e/ou para (acima de tudo) o Mal do Mundo...<br />
Vejo agora, ou sinto agora - não sabendo se pela maneira como essa mudança se efectuou - que as transições devem-se processar com os olhos o mais abertos possível. <br />
Para que saibamos de onde viemos, para que vejamos para onde vamos, para não perder o rumo, para saber o que causou verdadeiramente essa mudança, para saber o que fomos em cada ponto dessa mudança, para nunca perdermos rasto (nem por um segundo) daquilo que somos durante o processo de mudança. Olhando para trás, percebo agora que grande parte do corte grosso que sofri, acontecera precisamente porque perdera a ligação ao que eu era. Algo me tinha impedido de ter a plena consciência de tudo o que estava a acontecer e, acordado que estava num novo mundo, antipodalmente distante do que eu ocupava anteriormente, fui obrigado a construir-me a reinventar-me. As velhas regras tinham mudado, ou então fui eu que saí de um mundo em que as novas regras eram o padrão para outro em que as velhas regras estavam mais fortes que nunca. E não o podia compreender. É óbvio que não podia compreender. Mudar do novo para o velho só pode causar incompreensão e confusão. E é óbvio que queria o meu mundo de volta. Qualquer um quereria. E os soluços que eu ouvia à noite eram o sinal disso.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-57773942621055929872009-10-23T21:37:00.001+01:002009-11-25T16:12:22.765+00:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SuIT1CX-juI/AAAAAAAAASU/3xKKTVn20qQ/s1600-h/DSC_0355-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 280px; height: 400px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SuIT1CX-juI/AAAAAAAAASU/3xKKTVn20qQ/s400/DSC_0355-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5395897105434709730" /></a><br />
<blockquote style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">I must not fear. Fear is the mind-killer.<br />
Fear is the little-death that brings total obliteration.<br />
I will face my fear. I will permit it to pass over me and through me.<br />
And when it has gone past I will turn the inner eye to see its path. <br />
Where the fear has gone there will be nothing.<br />
Only I will remain.</span><br />
<br />
<i>Frank Herbert (1920 - 1986),<br />
Bene Gesserit Litany against Fear, from "Dune"</i><br />
</blockquote><br />
<br />
   Ele chega, sorrateiramente, aproximando-se sem fazer barulho, por entre as luzes do dia a dia, sem lhes tocar, observando-nos, aprendendo atentamente todos os nossos segredos, todas as nossas falhas, todos os nossos podres, todas as pequenas cordinhas que nos fazem saltar a tampa. Ele quase que é todas essas coisas personificadas num pequeno demónio que nos atenta sempre que menos esperamos, ou quando mais esperamos. Mas o pior é, sem dúvida, quando ele se aproveita das coisas que nos enchem o coração, mimetiza o que sabe nos fazer feliz, e ataca violentamente, sem dó, nem piedade.<br />
   Não o temo. Não sou aquilo que ele é. Sei que muitas vezes, vezes a mais, me deixo levar pela sua essência, vou na sua cantiga, e me torno outra pessoa, me torno aquilo que não creio ser realmente. Possuiu-me. Usou-me e descartou-me. Fez o seu propósito, para além de toda a animalidade latente, para além de todo o instinto que desperta, para além de qualquer recompensa negativa que lá saberá ter. Não sou ele. Ele transforma, ele muda o consciente em inconsciente, em reflexos selvagens e faces distorcidas, e, quantas vezes, em lágrimas. Vem sempre acompanhado e, mais cedo ou mais tarde, acaba sempre por mostrar com quem é que vem.<br />
   É, apesar de não o temer, um adversário a não desprezar. E é mesmo um adversário. É uma guerra que se trava constantemente, em que o opositor se adapta em contínuo e em tempo real, a todas as estratégias, informações, técnicas, características que possamos ter ou vir a adquirir. É uma luta, primeiro, em reconhecê-lo, segundo, em poder deitá-lo abaixo. A primeira exige esperteza, a segunda exige ainda mais esperteza e mais engenho até. Ter em conta que é um adversário imutável é cometer a maior das asneiras. Assumir que desapareceu de vez, é a nossa derrota mais copiosa e profunda. No jogo de espelhos com que ele nos brinda, perder o juízo entre distinguir se é ele ou se é, de facto, a realidade, perdendo-nos a nós pelo caminho, é um risco sempre real e quase certo até.<br />
   Há, no entanto, algo do qual ele não pode, nunca poderá imitar: o Bem, a Luz e o Amor Universal, o Amor de Deus. Isso é tudo aquilo que ele não é, nunca foi, nem nunca será. E, no entanto, acaba por ser uma sua ferramenta. <i>Voz populi, vox dei</i>, já diziam os antigos e com isto a sabedoria popular adquiriu uma aura de infalibilidade que nem o Papa, com os seus dogmas, conseguiu ter. O Tempo veio a cobri-la de razão e, neste âmbito, recorro agora a um dito popular de realismo quase ubíquo: "O que não mata, engorda", e na mais profunda tradição popular de dizer as coisas por meias palavras, também esta apresenta um significado diferente do que aparenta - de facto, não me estou a ver tomar cianeto para ganhar mais uns quilos. Assim, depois de ultrapassada, inequivocamente, a primeira etapa - o reconhecimento - do desfecho da segunda só se pode obter um destes dois resultados: ou a nossa queda, ou um triunfo terminal. De qualquer das formas, associado a este combate, está sempre, quer na vitória quer na derrota, uma lição. De substância, conteúdo e magnitude diametralmente opostos, claro está, mas sempre uma lição. Mais, é uma oportunidade única.<br />
   Como eu tinha dito, não o temo. Antes, quero reconhecê-lo cada vez mais e melhor, que é como quem diz, mais rápido e sem dúvidas. Só assim poderei aprender mais rapidamente. Só assim poderei ser (mais, e mais vezes) feliz (mais) rapidamente. E, <i>bonus</i>, tornar os outros à minha volta ainda mais felizes. Porque é que isso é tão importante para mim? Uma pergunta destas só merece uma resposta de criança: porque sim. Há coisas que nascem connosco e que têm que ser demonstradas, têm que brilhar. E quando isso acontece, essas coisas começam a gritar dentro de nós, pedindo para sair por aí, correndo e anunciando aos 7 ventos o que tem de ser anunciado, a fazer o que tem de ser feito. Suprimir não é uma opção. Há coisas contra as quais é inútil lutar. E assim que se lhes dá uma pontinha de corda, elas ganham balanço, ganham vida e tudo começa a fazer sentido, tudo se conjuga para que aconteçam. E é nas alturas em que os próximos passos - pequenos ou grandes - têm de ser dados que ele aparece. Ameaçador, terminal, terrível, redutor. O som é terrível mas a pergunta é clara: <u><i>tens a certeza que queres fazer isso? tens a certeza que é esse o caminho correcto?</i></u>. Porque é este peso da sua ilusória irreversibilidade que nos pesa no coração, na consciência. Daí o som terrível. O peso da consequência. O peso da responsabilidade. O peso de escolher e de não vermos volta a dar assim que decidirmos. Porque o Tempo passa, não é? Sim, nos relógios, nas nossas células, nos nosso gestos, na finitude irritante e peganhenta de tudo o que acontece. E uma coisa tão irritante tinha de ter um nome: Tempo. Tem - po. Tem - po. Tem - po. Início e fim. Início e fim. E no meio, não haverá nada? Claro que sim! Existe aquilo que conta e que se encadeia, quase imperceptivelmente com aquilo que o precedeu e que o precederá. Haverá precedente e procedente? Na nossa mente, a criadora e dedutora, há. Na realidade, duvido. Se a Matemática, rosto divino, criou a noção de infinitesimal, ponto único, contínuo infinitesimalmente com o Antes e Depois num espaço Complexo, porque não se haverá de chamar a esse ponto, Agora? É uma realidade. O ponto antes e depois são dedutíveis logicamente mas existirão? Eu só conheço e existo neste ponto em que estou, neste Agora. E ele (já se tinham esquecido d'ele?) é fruto da lógica. Ele é tão fino e ilusório, antes, a importância d'ele é tão fina e ilusória quanto a lógica que o criou é válida e objectiva. Daí que ele a consome. Ele existe. Mas não sou eu. É uma prova por vezes, é uma lição, noutras e quase sempre. De qualquer forma, é uma oportunidade. É um ponto. Só existe naquele momento concreto e existirá noutros pontos quando ou enquanto julgarmos que existe, quando ou enquanto a lógica e, por vezes, a máquina-cérebro continuar a insistir que é contínuo, comum a vários pontos interligados entre si ou não. Comum, só a escolha que faço. Esta, consciente (o mais possível). Livre.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-14779193109242259022009-10-01T19:44:00.008+01:002009-10-01T19:51:55.607+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://3.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SsT4i96B53I/AAAAAAAAAR8/KccPlaN025g/s1600-h/DSC_0324-2.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 266px;" src="http://3.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SsT4i96B53I/AAAAAAAAAR8/KccPlaN025g/s400/DSC_0324-2.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5387704333859153778" /></a><div style="text-align: right;"><span><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">As minhas desculpas pela desfocagem da foto,<br />mas na altura foi o melhor que consegui ver na escuridão (quase) total... </span></span></div><br /><br /> Há muito tempo que já não ponho aqui uma música e acho que está na altura. Esta tem andado na minha cabeça, apesar de não ser nova para mim. Ainda hoje, quando menos queria ter alguma coisa na cabeça, começou a tocar naquela 'jukebox interna' e bem alto. Vendo a letra e ouvindo a musica perceberão porquê...<br /><br /><div style="text-align: center;width: 300px; "><object width="300" height="110"><param name="movie" value="http://media.imeem.com/m/RdjWCfTAPp/aus=false/"><param name="wmode" value="transparent"><embed src="http://media.imeem.com/m/RdjWCfTAPp/aus=false/" type="application/x-shockwave-flash" width="300" height="110" wmode="transparent"></embed></object></div><br /><br /><blockquote>(<i>Anne Ponsarde + Jules Cezar Scalinger</i>)<br />Friend of the Stars,<br />What does so unmistakably control your heart?<br />It's more than a name and it's not just a game…<br />What do you know?...<br />What do you see that we do not, Friend of the Stars?…<br /><br />(<i>Catherine de Medici</i>)<br />Friend of the Stars,<br />What does so undeniably absorb your life?<br />You travel alone within a world of your own…<br />What do you know?...<br />What do you see that I do not?...<br />Oh, Friend of the Stars!...<br /><br />(<i>Nostradamus</i>)<br />Friend of the Stars…<br />I'm gonna wear that name with pride and dignity!...<br />What lies ahead is often best left unsaid…<br />Though the future is known,<br />our destiny still lies in the hands of God…<br />(<i><b>Nostradamus!</b></i><b></b>)<br />I'm just a Friend of the Stars!...<br /><br />(<i>Nostradamus and <b>choir</b></i><b></b>)<br />I've learned there's more to life than simply meets the eye…<br />(<i><b>Friend of the Stars! What's your goal,<br />what's your motivation?</b></i><b></b>)<br />That only few can tell the hidden truth from blatant lies…<br />(<i><b>Tell us, why does your soul need an explanation?)<br />Knowledge has a price!!</b></i><b></b><br />… Or from a blessing in disguise…<br /><i><b>Friend of the Stars</b></i><b></b> (3x)<br /><br />(Critic)<br />Friend of the Stars,<br />What does so irreversibly possess your mind?<br />You're demanding respect but selling fiction as fact…<br />What do you know?...<br />What do you see that we do not?<br /><i><b>Nostradamus!</b></i><b></b> (3x)<br /><br />(<i>Nostradamus and <b>choir</b></i><b></b>)<br />I've learned there's more to life than simply meets the eye…<br />(<i><b>Friend of the Stars! What's your goal,<br />what's your motivation?</b></i><b></b>)<br />That only few can tell the hidden truth from blatant lies…<br />(<i><b>Tell us, why does your soul need an explanation?)<br />Knowledge has a price!!</b></i><b></b><br />… Or from a blessing in disguise…<br /><i><b>Friend of the Stars</b></i><b></b> (6x)<br /><br /><br />(<i>Monk</i>)<br />Friend of the Stars,<br />I wouldn't be so self-assured if I were you…<br />All will be clear to those who are here...<br />The past may have flown but the future is known…<br />… just in case you forget…<br />Hmmmm… Dear friend of the stars…<br /></blockquote>Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-52475040703745843072009-09-28T04:37:00.001+01:002009-09-28T04:46:11.028+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SsAvUDZOgHI/AAAAAAAAAR0/esbZg1pwmS4/s1600-h/DSC_0129-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 237px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SsAvUDZOgHI/AAAAAAAAAR0/esbZg1pwmS4/s400/DSC_0129-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5386357175890116722" /></a><br /><blockquote style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">There is no greater importance in all the world like knowing (that) you are right and that the wave of the world is wrong... yet, the wave crashes upon you.</span><br /><br /><i>Norman Mailer (1923 - 2007)</i><br /><br /><br /><span style="color:#000000;">I can remember the first time I had to go to sleep. Mom said, "Steven, time to go to sleep." I said, "But I don't know how." She said, "It's real easy. Just go down to the end of tired and hang a left." So I went down to the end of tired, and just out of curiosity I hung a right. My mother was there, and she said "I thought I told you to go to sleep."</span><br /><br /><i>Steven Wright (n. 1955)</i><br /><br /><br /><span style="color:#000000;">I have found the paradox that if I love until it hurts, <br />then there is no hurt, but only more love.</span><br /><br /><i>Mother Teresa (1910 - 1997)</i><br /><br /><br /><span style="color:#000000;">I can accept anthing, except what seems <br />to be the easiest for most people: <br />the half-way, the almost, the just-about, the in-between.</span><br /><br /><i>Ayn Rand (1905 - 1982)</i><br /></blockquote><br />   Sentou-se com a cabeça entre as mãos, no escuro. O sol projectava-se à sua frente num quadrado de luz proveniente do intenso feixe de luz que passava sobre a sua cabeça. Assim tivesse ele uma ideia brilhante, para poder sair da embrulhada em que se tinha metido. Em breve o Sol pôr-se-ia e o cubículo em que estava ficaria entregue à escuridão. Fechou os olhos à luz, pensativo. Tudo o que tinha pensado recorrer, falhara, sem remédio: os amigos, a família, a empresa. Ao saberem da confusão em que se metera, viraram-lhe as costas sem apelo nem agravo. "É bem feito, ninguém mandou falar em nome deles...", pensou. Agora tudo o que restava...<br /><br /><br />   Não, não, não!... não vou por aqui... Hoje não há conto. Comecei a escrever isto mas creio que a historia final seria semelhante ao que já escrevi de outras vezes. E para escrever o que já se escreveu, ou parecido, é a mesma coisa que um prato requentado: por muito que tenhamos gostado, não nos saberá da mesma forma que acabado de fazer. Por isso, não vai haver conto.<br />   Porque será que é preciso ter um sentido de missão, ter um objectivo na vida? É algo que sentimos como sendo tão necessário que não o tendo, sentimo-nos completamente perdidos. Mas qual é a verdadeira utilidade de um sentido de vida? Não será uma ilusão, um subterfúgio mental para nos deixar concentrados em algo?<br />   Confesso que há uns tempos que não senti qualquer objectivo na minha vida que não fosse a pura subsistência do meu ser terreno. Sim, levantava-me de manhã e pensava que tudo o que "tinha" que fazer era uma seca, que era despropositado, sem sentido, aborrecido, um custo. É certo que não andava nas melhores condições MAS seria isso uma consequência do problema ou a sua origem? Tenho pensado nisto e ainda não cheguei a nenhuma conclusão - um bocado como o dilema do ovo e da galinha. O que é uma verdadeira missão de vida, um verdadeiro propósito? Para mim, é algo que, terminado (ou terminada a vida) deixou ou deixará largo fruto para gerações vindouras. De preferência fruto positivo. Algo que para mim seja de longa duração, algo vitalício. Épico, quase. Com trabalhos quase tão grandes como os de Hércules, com inimigos e alguma resistência, e muita paciência também. Com sangue, suor e lágrimas que sintamos que valham a pena sangrar, suar e chorar. Isto, quanto a mim, é uma verdadeira missão. É preciso, por isso, criar condições para que essa 'missão' se cumpra, pequenas sub-missões paralelas do dia a dia, aparentemente sem importância, mas que ajudam (e são por vezes necessárias) a que a missão de vida progrida. Mas há um outro problema de natureza questionável: que fazer quando estas sub-missões se tornam absolutamente banais, ou quando se perde o sentido da missão, ou quando nunca se soube?<br />   Não sou psicólogo nem pretendo ser. Sei o que sinto e nada mais. Sei acima de tudo o quanto é difícil viver sem um objectivo claro, sobretudo depois de ter passado uma boa parte da vida a ter objectivos diários que, não cumpridos, podiam trazer largos amargos de boca. Estava demasiado em jogo na altura. Lembro-me de me sentir preso na rotina, no peso absurdo de rituais e obrigações que não me levavam a lado nenhum, mas apenas a um sentimento de problema evitado e de dever cumprido. Para algumas pessoas, sei que isto bastaria, mas não para mim, precisamente por me sentir incluído num ciclo fútil - uma sensação exactamente oposta à de sentido de missão. Não era a segurança de uma rotina de dia-a-dia que eu buscava, não eram os pequenos objectivos do dia-a-dia que me satisfaziam para, embalado nas marés do dia-a-dia, me sentir cumprido à hora de ir para a cama e fechar os olhos, sentindo-me grato pelo oxigénio que consumi. Sentia-me asfixiado. Mas, paradoxo irritante, quando deixei essa mesma rotina, essas 'obrigaçõezinhas', esse pequeno mundo socialificado, senti-me perdido. As pequenas obrigaçõezinhas entranharam-se em mim como nódoas na roupa, ou ácaros por entre as fibras e simbioticamente alteraram a minha percepção da vida. Ou então como uma droga, ficando viciado nelas, entrando em 'ressaca' quando deixei de as ter. Não é por isso que, no fundo, toda a gente arranja um emprego e não um trabalho? Tudo se resume a segurança a esforço mínimo: o dinheiro, a rotina 'sequinha', sem solavancos, sem muito... trabalho. O trabalho é complicado. Dá... trabalho, faz... suar, cansa. Temos que improvisar, temos que dar o melhor de nós, ter sempre me mente o objectivo maior. O emprego é mais... "sim, sim, um objectivo mas ainda está tão longe... se é que é visível...". Ou, "sim, eu sei que o objectivo é fazer com que a empresa tenha lucro, que tenha sucesso, essas coisas todas... mas isso é tão vago... Desde que eu faça o que tenho a fazer (estalido com a língua)... deixa-me cá estar no meu cantinho...". Coisas assim.<br />   Nada disto era para mim. E quem conhece a minha história (com 'H' - como eu -, ao contrário das outras que são escritas com um 'E') sabe que assim foi. E que quase voltou a ser assim. Mas o facto de não se ter um objectivo preciso a longo prazo também não abona muito em favor da paz de espírito. E não estou a falar só de emprego. É uma sensação quase angustiante a de acordar e ter a impressão que algo ficou por fazer, a de um trabalho inacabado. São 3,12 e consigo sentir perfeitamente esse sentimento a assomar-se em mim cada vez que me imagino a acordar de manhã. É quase uma acto reflexo. A vida de cada um é uma obra incompleta. É preciso ter essa consciência, ou antes, reconquistá-la. Quando somos crianças, o que é que fica completo? Tentem lá recordar-se... Pois, nada! Tudo é interrompido, tudo é alterado a casa segundo porque surge uma ideia melhor, mil vezes melhor, genial, brilhante, estonteante!! Ficava-se frustrado quando vinha um dos pais e dizia que estava na hora de ir embora mas sabíamos que outro dia vinha para acabá-lo. Isto se houvesse o dia a seguir, como raramente havia. Porque é que só para as coisas más é que há 'dias seguintes'?... Já sei: 'mas também há dias seguintes de coisas boas!'. Sim, há. Eu sei que há. Já os tive, em 'crescido' (isso de ser adulto é muito complicado, não quero!). E também sei o quanto é fácil ficar viciado neles. Quando no-los tiram, é terrível. As birras, em vez de durarem a viagem de carro até casa, duram dias, semanas, meses, anos...<br /><br /><i>Está a dar na tv um filme em que um gajo emborca um frasco de champô purificante chamado 'La Vie'. Creio que não foi por acaso. Uma pessoa sente falta da vida que tinha antigamente e tenta enfiar 'La Vie' de borco, de forma a sentir-se purificado e, logo a seguir, partir em busca do outro Mundo. É preciso ter cuidado com os excessos de coisas que se emborcam, e com os excessos...</i><br /><br />   ... e quando vamos a ver já são tão insuportáveis que já fazemos birras às birras. É de estar farto. Entra-se em 'flatline' e a certa altura perde-se a noção do porquê de estarmos a embirrar com tudo. Embirra-se e pronto. Porque não sabemos fazer outra coisa. Il faut mettre un Stop!, un très gros Stop! en nos Vies pour qu'on sâche la vraie raison d'être devenus comme ça. Car on sait définitivement qu'on n'est pas comme ça, il y a toujours cette petite voix dans nos coeurs qui nous crie: Arrête! Tu n'es pas comme ça!! Mas como, se não sabemos onde estamos, se nos perdemos de nós mesmos? Ah, ça alors, est à toi de le savoir. On t'a déjà dit ce qu'il a changer. Le reste est a toi de le faire. Cherche! E dizem-me isso com um sorriso.<br /><br />   Objectivos? Quem precisa de objectivos? O que uma pessoa precisa é de não se deixar levar nas correntes impetuosas do dia a dia, dos objectivos traçados por outros que nos arrastam para longe de nós. Não precisamos de ficar à deriva. Temos que nos afastar para as margens do rio, para a costa, parar de vez em quando. If you stop, you'll die! Sim, então que morra! Que morra essa pessoa que vocês querem que seja, sim vocês que criam essa corrente que querem que trague, que devore toda a gente que de lá se aproxime, no maior cúmulo de egoísmo alguma vez visto, para que não fiquem sozinhos! Nós temos que estar sozinhos, foi por isso que viemos a este mundo num só corpo, para que fosse fácil perceber onde estávamos a cada momento porque isso... isso, é o que conta. Se soubermos onde estamos, se tivermos essa certeza inabalável, sentindo-nos unos connosco (alguém sabe o que é isso? Então relembrem-me que eu já não sei o que isso é...) e com o ponto da Vida em que estamos, quaisquer objectivos que tenhamos serão claros. Ninguém saberá onde ir se não souber onde está. O objectivo final de todos é a Vida e essa, para onde quer que se vá, estará lá sempre. É a Viagem e o Destino.<br /><br />Arre! Custou, mas foi!! (estalido de língua)Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-60872300247037876712009-09-19T06:22:00.004+01:002009-09-20T16:46:19.501+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SrW77Ton-TI/AAAAAAAAARs/V5Nig8A-i6U/s1600-h/DSC_0229-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 343px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SrW77Ton-TI/AAAAAAAAARs/V5Nig8A-i6U/s400/DSC_0229-1.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5383415557148637490" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">Part of being sane, is being a little bit crazy.</span> <br /><br /><i>Janet Long (n. 1944)</i> <br /><br /><span style="color:#000000;">Men are born with two eyes, but only one tongue, in order that they should see twice as much as they say.</span><br /><br /><i>Charles Caleb Colton (1780 - 1832)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">A man's silence is wonderful to listen to.</span><br /><br /><i>Thomas Hardy (1840 - 1928)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">There can be no happiness if the things we believe in are different from the things we do.</span><br /><br /><i>Dame Freya Madeline Stark (1893 - 1993)</div></i><br /></blockquote><br />   O silêncio rodeava-o. Do alto daquela duna, nada e tudo era igual. A areia que se perdia de vista, a cor uniforme, o calor que queimava a pele desprotegida, a regularidade sem sentido das dunas que se levantavam sobre o que seria uma planicie alisada pelo vento. Seria verdade que as dunas eram os seres mais inconstantes e volumosos da terra? Ele olhou para os pés e percorreu com os olhos a crista da duna que lhe servia de promontório. Seria aquilo seguro? Isso agora não importava. Estava ali, tinha uma missão a cumprir, sem dúvida. Qualquer que fosse o pensamento que lhe atravessasse a mente nesse momento, seria mais terrível do que um grão daquela areia numa engrenagem qualquer. Tamanho era o poder da natureza.<br />   Nunca tinha sentido um calor assim. Nunca tinha sentido calor. O país de onde provinha localizava-se numa latitude bastante próxima dos polos, pelo que o calor máximo que tinha sentido na sua vida tinham sido uns ‘sufocantes’ 28 ºC. Riu-se ao lembrar-se disso e de como era ridículo esse calor comparado com o que sentia agora. Jurou a si próprio que nunca iria voltar a queixar-se do calor que sentiria na sua terra-natal. Tinha passado cerca de 3 horas depois do sol ter atingído o zénite mas o vento continuava a escaldar-lhe a pele, e a fustigar os olhos. Ajeitou melhor o turbante improvisado que tinha feito, observando os nativos nómadas daquele deserto caminhando sob um sol que não lhe era minimamente familiar, e recomeçou a caminhar. Só ele e o som da areia sob os seus pés. Ruído compassado, quase hipnótico. Sentia o calor a quebrar-lhe o raciocínio... mas raciocínio de quê? O que é que era suposto pensar? Naquele sítio, o que interessavam todas as coisas do seu dia a dia, da passagem indolente dos dias que são sempre a mesma coisa, que trazem sempre os mesmos problemas, do pensamento unívoco gerado pela passagem das mesmas vivências, do mesmo consciente colectivo da mesma sociedade, os mesmos valores de sobrevivência?... Ali, o deserto era Deus, tão grande como ele, tão directo e claro como ele. Deus estava naquele som seco dos pés na areia, regular, ritmado. Quando pausava, Deus estava no vento que ocasionalmente soprava por entre as dunas e a rara vegetação rasteira, no reflexo amarelo da luz do Sol na areia. Parecia-lhe um Deus inclemente e brutal.<br />   Por vezes, esquecera-se porque estava ali. Porque tinha escolhido ir para ali. Porque sentia que ali era o seu lugar. Tinha querido ir para longe de tudo, para longe do ruído que a sua vida diária lhe criava, para longe dos problemas, para longe da dor que sentia ao não poder ser ele próprio, longe dos muros que as outras pessoas levantavam. Ali, vivia rodeado da maior sinceridade, sem muros, sem dor na alma, sem problemas. Tinha trazido mantimentos suficientes para a travessia a pé de uma parte significativa do deserto, durante 2 semanas. Sabia racionar, as suas necessidades não era muito elevadas e o ocasional oásis que encontrava no caminho servia para restaurar as suas provisões de água; mais, sabia racionar a sua energia, parando e protegendo-se quando o calor se tornava demasiado insuportável, caminhando quando a temperatura se mostrava suportável, parando para descansar e dormir assim que anoitecia. Essa foi uma das coisas que aprendeu rapidamente: no deserto não havia candeeiros de rua e era impensável usar uma lanterna toda a noite. Dormia tranquilamente, melhor do que em anos, mesmo sabendo que o deserto continha perigos ocultos. Não sabia porquê, simplesmente deitava-se e dormia.<br />   O silêncio estava lá, de novo. Precisava de alguém. Precisava de estímulos, de vida inteligente, de uma boa conversa, de energia humana. Mas queria tudo isso sem as coisas estúpidas que vinham com isso, sem as quezílias, os mal-entendidos da linguagem, da net, das sms's, da frustração do dia a dia, dos egoísmos. Queria só o melhor do ser humano... mas seria isso possível? Aquele silêncio... era terrível... mas tinha de continuar a andar, a ouvir aquela secura ritmada, já sem sentido, à beira da loucura. Tinha lido uma vez que o deserto fazia homens e agora sentia na pele o que aquilo queria dizer: mais do que nunca, tinha de manter o juízo no lugar e assumir a decisão que tinha tomado, levá-la até ao fim.<br />   - Que lugar é este? - perguntou, habituando-se à escuridão.<br />   - Bir-Hakeim... - respondeu o aldeão.<br />   A sua travessia tinha chegado ao fim. Antecipara aquele momento das mais diversas maneiras enquanto mergulhara sem hesitação nas areias eternas do deserto. Pensara em mergulhar numa banheira de água, invadir um bordel, ficar horas a fio a falar com o primeiro ser humano que encontrasse. Nada disso. Ficara em silêncio, olhando nos olhos simples daquele velho, procurando-lhe algo sem saber.<br />   - Quer um copo de água, senhor?<br />   Assentiu com um gesto. O idoso proferiu umas palavras em árabe e, momentos depois, apareceu uma rapariga com um pequeno jarro com água. Simples, sem artifícios, com olhos de timidez mesclada da ferocidade do deserto. Nada. Bebeu a água, sorvendo-a em pequenos tragos tentando encontrar a sua essência e procurou mais uns minutos algo que não poderia explicar nos olhos do idoso.<br />   - Que aprendeu no deserto?<br />   Silêncio.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-67646792455979332742009-09-17T21:22:00.001+01:002009-09-17T21:29:50.650+01:00<a href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SrKak2BMkUI/AAAAAAAAARk/Xd6YqmCxQxE/s1600-h/DSC00590-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 283px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SrKak2BMkUI/AAAAAAAAARk/Xd6YqmCxQxE/s400/DSC00590-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5382534462427664706" /></a><br /><blockquote> <p align="center"><font color="#000000">In battling evil, excess is good; for he who is moderate <br /></font><font color="#000000">in announcing the truth is presenting half-truth. <br />He conceals the other half out of fear of the people's wrath.</font> </p> <p align="center"><i>Kahlil Gibran (1883 - 1931)</i></p> <p align="center"><font color="#000000">Never regret. If it's good, it's wonderful. If it's bad, it's experience.</font></p> <p align="center"><em>Victoria Holt - pseudonym of Eleanor Hibbert – (1906 – 1993)</em></p> <p align="center"><font color="#000000">You better live your best, and act your best, <br /></font><font color="#000000">and think your best today, <br />for today is the sure preparation for tomorrow <br />and all the other tomorrows that follow.</font></p> <p align="center"><em>Harriet Martineau (1802 - 1876)</em></p> <p align="center"><font color="#000000">When I do good, I feel good. When I do bad, I feel bad. <br />And that is my religion.</font></p> <p align="center"><em>Abraham Lincoln (1809 – 1865)</em></p> <p align="center"><font color="#000000">You're never as good as everyone tells you when you win, <br /></font><font color="#000000">and you're never as bad as they say when you lose.</font></p> <p align="center"><em>Lou Holtz - (n. 1937)</em></p> <p align="center"><font color="#000000">If you find serenity and happiness, <br />some people may be jealous. Be happy anyway.</font></p> <p align="center"><em>Agnesë Gonxhe Bojaxhiu / Mother Theresa - (1910-1997)</em></p> </blockquote> <p>   Em êxtase celebrou o sol. Esperava todo o ano por aqueles dias solarengos, quentes, em que a maresia lhe inundava o olfacto, e se permitia a longos banhos de mar, como o que acabar de tomar. Um ano inteiro de chuva era uma tortura, enfiada dentro de um escritório com um ar condiciado artificial, com pessoas a tossirem cheios de alergias e constipações pelas diferenças de temperatura, já para não falar do mau humor que tinha de aturar só porque se achavam no divino direito de ter que obrigar as outras pessoas a aturarem as suas birras e frustrações, e o chefe a gritar com eles e... ‘Basta!!’, pensou ela, ‘Aqui não é lugar para me lembrar destas coisas.’ Pegou no romance que estava a ler e abriu na página em que tinha deixado antes de ter ido ao banho. Antes de se concentrar na leitura, deixou-se levar pela sensação do sol a estalar na sua pele e do oceano que trouxe consigo: era optimo sentir a ligeirissima brisa a passar-lhe pela pele, a levar a humidade salgada para longe de si, a ser aquecida pelos raios de sol, numa alternância de calor e de frescura que a deixavam no céu. Se não era lá, era perto...</p> <p>   Pôs-se a imaginar as gotinhas a evaporar, a largarem as mãos das outras gotinhas e a levantar voo, a serem levadas a outras paragens que ela, talvez, nunca chegaria a ver. Não fazia mal: iria viajar com elas em espírito. Recordou-se do pequeno poema que tinha havia muitos anos, na escola primária: ‘Uma gotinha caiu numa horta; outra caira num jardim e saciou uma rosa aí semeada; outra caiu numa piscina onde os meninos brincavam; outra, sozinha, caiu no mar, ficando triste, porque não poderia vir a fazer nenhum bem na companhia das suas irmãs...”. Riu-se com esta ideia. Tinham sido estas coisas que a tinham ajudado a manter a sanidade mental nos momentos mais complicados ao longo do ano. Também aí a praia tinha sido sua companheira fiel, mas sentia-se de mãos atadas por não poder gozá-la da maneira que queria: em comunhão perfeita de sentidos; na estação fria só podia ficar a passear pelo areal, observando o horizonte, o oceano e a praia. De certa forma estava distante do que realmente lhe dava prazer fazer. Uma vez, durante uma festa, perdera a cabeça, com os amigos e despiu-se completamente, indo mergulhar no mar durante longos minutos. Os colegas ficaram preocupados: era Inverno e o mar, revolto como estava, era muito perigoso. Mais para mais de noite. Quando ela chegou perto dos amigos, pouco restava da euforia inicial – ficaram a olhar para ela como se tivesse acabado de atropelar a mascote da escola. “<em>És completamente louca</em>...”, e voltaram a olhar para o jogo de cartas que tinham em mãos, sem dizerem mais. Ficara amargurada durante o resto da noite e sentara-se, em resposta, junto à beira da água, onde as ondas lamberam os seus pés, consolando-a. Não percebiam eles que o mar a chamara, que tinha que ir, simplesmente... ir. Era nestes momentos, sentindo-se incompreendida, que desejava viver na Grécia Antiga, para procurar por uma ordem de mulheres consagradas a Neptuno e dedicar a sua vida ao grande Mar. Tuda fazia sentido junto ao mar, tudo. Sempre que tinha problemas, vinha desabafar com ele; sempre que tinha alegrias, celebrava junto dele; sempre que queria mostrar alguma coisa especial, alguma pessoa, era ao mar que o fazia; sempre que estava enraivecida, descarregava no mar. Ele estava ali. Sempre estaria ali. Era o melhor ouvinte e o melhor conselheiro, nunca desapareceria, nunca a decepcionaria. Os seus ex-namorados chegavam a ter e a fazer cenas de ciúmes... E ela brilhava, Estrela do céu maior que vinha beijar o mar largo; eles só podiam ficar a assistir ao milagre que era o encontro daqueles dois, escrito no mesmo céu de onde tinha caído.</p> <p>   Lembrando-se de tudo isto, agarrou num punhado de areia e deixou-a escorrer por entre o mindinho enrolado no punho, formando outro pequeno monte directamente por debaixo. Estava embalada pelas memórias e pela sensação da areia fina a escorrer pela mão, sensação única. Não era água, eram cristais minusculos e sempre que pensava nisso sentia-se maravilhada com o poder da Natureza, de como, sem máquinas, sem gastar nada, sem poluir nada, conseguiu criar uma areia tão perfeitamente fina. Mais uma vez o mar. Só a Água poderia ter sido a artífice de objecto tão maravilhoso e tão perfeito. Pegou noutro punhado e fez novamente a mesma coisa, e outra vez, e outra vez... Decidiu parar porque já uma vez assim adormecera e o mar apanhara-a, talvez chamado pelos seus sonhos movidos a água e sal... <br />   Pegou no livro e retomou a leitura. O sol aquecia-a e ela sentia-se envolta num imaterial cobertor de calor, quente na proporção certa: nem muito abafado, nem fresco demais. Novamente deu graças por ali estar e concentrou-se na leitura. Parava de vez em quando para olhar para o azul profundo daquelas águas que a rodeavam. A praia não era muito frequentada e o areal era extenso, muito claro pelo que a poluição visual de uma multidão espraiada com os seus chapéus de sol não a preocupava. Era ali o seu refúgio de verão, perto das cabanas de pescadores abandonadas, de eras há muito passadas, de lágrimas de esposas há muito derramadas... também ela era filha dessas mulheres e por isso, talvez, respeitava o poder assombroso do Oceano. Temia-o também, mas, acima de tudo, respeitava-o, sabia quando podia sentar-se ao pé dele, caminhar, falar e banhar-se nele. E amava-o, claro. “Quem quiser ficar comigo tem de perceber que antes dele próprio, antes de tudo e de todos, há o Mar!”, dizia frequentemente aos amigos. E os olhos brilhavam e toda gente sabia que ela estava a falar a sério e ninguém a contradizia. O tempo viria a confirmar o que ela dizia. Uma vez, numa relação e num tempo em que estava bastante apaixonada, o namorado de então tentou leva-la no Verão para a serra, para o campo. Durante a viagem, pediu para deixá-la na cidade mais próxima para assim poder apanhar o autocarro que estivesse a sair, para poder voltar para a beira do mar. Sentia-se sufocar se se afastasse muito dele. O namoro terminou no instante em que ela saiu do carro dele. <br />   Levantou os olhos novamente e poisou o livro. Ao longe, uma pequena traineira aproximava-se vinda da faina do dia, acompanhada pelo habitual bando de gaivotas oportunistas por um pedaço de peixe lançado fora ou algum lote mais desprotegido que pudessem larapiar. Era uma música quase mistica: o ritmos inconstantes das ondas do mar, o ruido baixo do motor da traineira e o canto das gaivotas, numa sinfonia tão dissonante como encantadora. Ela sorriu e, durante uns segundos, fechou os olhos deixando-se levar pela música ambiente. Depois levantou-se, alcançou a sua carteira e foi comprar sardinhas.</p> <p>   Ao voltar, guardou o saco e sentou-se novamente. Ficou a olhar o horizonte, enrubescido. O Sol preparava-se para partir para paragens mais distantes, o ciclo iria ficar completo. Ao som das ondas, decidiu mergulhar naquelas cores, na sensação da areia, já fresca, nos pés, e da brisa mais forte que vinha do mar, carregada de maresia. Puxou do casaco que trouxera e pô-la pelas costas. Fechou os olhos e inspirou profundamente: queria mergulhar uma última vez naquela festa de sentidos, naquele instante único e guardá-lo dentro de si, simbolo máximo de uma felicidade extasiante, de uma eternidade contida num sopro de vento, no rebentar de uma onda, num raio de luz por entre a bruma do horizonte. Largou o sopro lentamente como quem larga a mão do amante, abriu os olhos e sorriu novamente. O sol estava prestes a mergulhar e ela a partir, com uma mochila cheia de memórias e sensações ao ombro. Afastou-se, lentamente, mas não sem antes se beijarem, ela e o  Mar, com os lábios azuis de ambos – ele, da sua cor, ela, do seu olhar -, num último movimento de dança sempre eterna...</p>Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-18173852247261898022009-09-16T16:02:00.014+01:002009-09-16T18:56:02.186+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SrD-BP5FeKI/AAAAAAAAARc/Z_6_632A714/s1600-h/DSC02594-1.jpg"><img style="TEXT-ALIGN: center; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 300px; DISPLAY: block; HEIGHT: 400px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5382080852107032738" border="0" alt="" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SrD-BP5FeKI/AAAAAAAAARc/Z_6_632A714/s400/DSC02594-1.jpg" /></a><br /><blockquote style="TEXT-ALIGN: center"><span style="color:#000000;">Nothing in the world is permanent,<br />and we're foolish when we ask anything to last,<br />but surely we're still more foolish<br />not to take delight in it while we have it.<br />If change is of the essence of existence<br />one would have thought it only sensible to make it<br />the premise of our philosophy.</span><br /><br /><i>W. Somerset Maugham (1874 - 1965)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">One needs to be slow to form convictions, but once formed<br />they must be defended against the heaviest odds.</span><br /><br /><i>Mahatma Gandhi (1869 - 1948)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">A mind, like a home, is furnished by its owner,<br />so if one's life is cold and bare he can blame none but himself.</span><br /><br /><i>Louis L'Amour (1908 - 1988)</i><br /></blockquote><br /><br />Quis sentar-me. Ali, perfeitamente colocado, enquadrado com a situação que deveria ocorrer, nem antes nem depois. Perfeito. Desastroso. Um comboio vindo do Destino que caía sobre os ombros. Sentia-me um Atlas, com mil mundos a carregar sobre as costas, eternamente. Titânico. Mais um... Vi-te deslizar como bruma sobre lago, ténue, tangente, quase etérea, à medida que te afastavas, chegando perto. Quis tocar-te, mas a força que exercias sobre mim era tão subtil como um transatlantico a dobrar a barra. Tremenda. Outros dedos me lançaste, os das palavras, que tocam onde mais ninguém consegue tocar. Céu de mim. Lanço-te as mãos, reflectes, lanço-te ideias, desvias, lanço-te a vida, estacas. As luzes ligadas. É tudo mais que Dali. É sangue espesso, é vida que cai às mãos cheias, em vazio. Dois universos em desafio divino para um empate épico na ausência do meio de Bem.<br />A cada passo que davas, o meu mundo tremia. Muralhas de sensações, contrafortes de emoção, tudo ruía cada vez que um passo teu te aproximava de mim.<br /><br />"Então?... Como vamos fazer?..."<br /><br />Nada. O vazio do meu cérebro dizia que estava tudo tão bem que não valia a pena mudar. Para quê? Mudar o que não existe? Absurdo! Não há geração espontânea, toda a matéria provém de algo, logo, irá ficar tudo na mesma. Porque não há nada. Morreu. Desapareceu. Deixou de existir, foi absorvido para outra dimensão intangível como esse teu íntimo incompreensivelmente blindado a todo o sentimento. Falas em relação, mas que é isso de relação? Uma ligação entre duas pessoas? Todos nós estamos ligados, de uma maneira ou de outra. O sangue é o mesmo, a carne, o número de genes, de ossos, de músculos, de sentidos, de merda, de tudo. As caras são diferentes, e depois?! Os pensamentos são diferentes, e então?! É isso que te faz única, aceito... mas não é isso que te faz diferente de mim, que te faz melhor ou pior. Estás a ver o que me fazes? Tudo isto é ruído, é a queda de uma montanha antes alta, agora debaixo da terra. Há que aproveitar enquanto o vento sopra de feição.<br />Tentas aquele gesto que sabes desconcertante. É. Mas dentro da ilusão oca em que vivemos, o que há a desconcertar? Sei, foi aquilo que eu te dei um dia e que me devolveste sem eu saber, sem eu querer. Foi num passe de magia, sem tempo nem massa, nem gesto nem Amor, que tudo se decidiu. Num lançamento de dados oblíquo, o resultado saiu-me mal. Levei o copo à boca e quis tragar todo o mundo. Ninguém pode ver isto, ninguém comprou bilhete para assistir a esta tragédia em... quantos actos? Quantos gestos sanguíneos? Quantos gumes tens para mim?... Sabê-lo-ia. Com tempo, delicada e paulatinamente. Cirurgicamente, revelações vibraram entre as costelas, estilhaçando sonhos. Mas que sonhos? Nunca o foram, unicamente fantasmas. Como se gera um fantasma? Com a intangível esperança de nunca se largar o objecto desejado, sem perdão, clemência, apelo, desagrado. Continuas a tentar o velho truque mas este macaco esqueceu-se. São nadas que cantas como sereia para mim, tentando cativar-me rumo a cabos de tormentas mas, minha querida, as pontas do velho mundo ficaram para trás!... Esqueces-te sempre das luzes que ficaram pelo caminho, dos faróis seguidos e esquecidos, impensados, correndo sempre para apanhar uma Luz que te escapa continuamente mas que receias profundamente. Porque te afogas de contra-vontade? Há muito que o meu corpo descansa em paz à sombra das marés, naquele sítio onde os tubarões não se atrevem a ir com medo... foi lá que me foste visitar da última vez, lembras-te? Era um lugar sereno, imutável em tempo e forma, de maravilhas e encantos feito, com sombras dançando com luzes matizadas... como assim não te lembras? Era a tua casa! Vieste de lá! Ninguém esquece o lugar em que a terra o cuspiu para o sonho...<br />Sempre foi isso que me encantou, sabes?... O teu desprendimento real, a invulgaridade das coisas que apanhavas à beira-caminho, o como apenas poisavas o teu carácter sobre as coisas e a seguir levantavas voo para aquelas paragens que só nos mapas de Matusalém apareciam. Como vias as pessoas daí de cima? Só vias azul? O mar era extenso não é?... Espera, não vás já para lá, fica mais um bocado, bebe mais um copo que o dia é curto e a vida é longa demais para se viver à sombra do orgulho menor do nada interno. Compreendo... mas que digo, compreendo tanto como aquela barata que vai ali a passar. Se queres ir, vai. Tens a rota traçada, o rumo apontado e a vela enfunada para outros universos a observar, mas não muito, claro - ao mastigá-los, podes sentir qualquer coisa, e isso é coisa que não se deseja - sentimentos (valha-nos Deus nosso Senhor!). Benze-te e que Deus te guarde de tais maquinações e congeminações mundanas, saberes o que o coração do Homem guarda dentro dele... Também és Humana? Desculpa, há tanto tempo que durmo e sonho que passeio por paisagens de mito que me esqueci do que é isso. Dá-me tempo para pensar na tua última pergunta, as coisas às vezes não vêm imediatamente, não sou uma máquina de Turing como tu, com a resposta dada antes da pessoa saber sequer o que vai perguntar. Já lá estavas à espera na curva, sacana...<br />Limpas a arma do crime com a tua boca. Gostavas de te queimar, ou cortar, ou sufocar, sei lá... já jazo no chão, indiferente ao que possas fazer... estranho como a corrente de sangue corre na direcção dos teus pés, deve ser do hábito. É só um resíduo, não te preocupes, isso depois sai bem com lágrimas, daquelas que não te custam a espremer desses olhos de morte morrida matada... sabes lá tu o que é chorar... Para chorar é preciso estar-se vivo, rapariga, é preciso ser-se humano, é preciso saber-se Amar, com A grande caso não tenhas reparado!! Tens de ter cuidado, olha o sangue, não vá ele contaminar-te de qualquer coisa que não queiras sentir a empeçonhar-te essa pele imaculadamente degenerada em tela figurativa onde pintei os meus prazeres. Foram coisas bonitas. Agora são medos, coisas impensadas pelo Maligno, arrenega! Não te esqueças de os limpar com água benta Neoblanc, que sempre te lava mais branco, mas não muito, não muito porque senão ainda te habituas mal e não há mais para limpar o sangue do chão... e não te esqueças de colocar o mesmo amaciador que puseste quando te conheci naquela terra à margem do Sol. Gosto de me rir disto, da tua cara especada a olhar para os meus restos no chão a serem lambidos por um cão tinhoso com ainda mais feridas que eu.<br />Conheci-te as costas, bem demais, tão perfeitas como as promessas que me fazias, quentes como as mil e uma noites em que fui Sheherazade cantando para ti uma fábula sempre mutável como o capricho delicioso da Vontade e do Sonho. Trazes um fio agarrado, com o qual espalhas o meu mundo aos quatro ventos para nunca mais se poder juntar coerentemente. Não faz mal; haverá um pouco de mim em cada lua que visitei de mão dada contigo, um pouco de ti também, se calhar, mas isso são beijos de borboleta na areia dos sonhos, ao vento não contam...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-66577624110817794062009-09-14T19:32:00.006+01:002009-09-16T18:20:40.678+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/Sq6MEh0fwbI/AAAAAAAAARU/A9Dyj5Z1FVQ/s1600-h/DSC_0357-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 223px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/Sq6MEh0fwbI/AAAAAAAAARU/A9Dyj5Z1FVQ/s400/DSC_0357-1.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5381392614180241842" /></a><br /><blockquote style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">Men are not prisoners of fate, but only prisoners of their own minds.</span><br /><br />Franklin D. Roosevelt (1882 - 1945)<br /><br /><span style="color:#000000;">Maybe the gift of any great person is the power to converse with our own hearts.</span><br /><br />Randall Wallace (n. 1949)<br /><br /><span style="color:#000000;">My freedom will be so much the greater and more meaningful<br />the more narrowly I limit my field of action<br />and the more I surround myself with obstacles.<br />Whatever diminishes constraint diminishes strength.<br />The more constraints one imposes,<br />the more one frees one's self of the chains that shackle the spirit.</span><br /><br />Igor Stravinsky (1882 - 1971)<br /></blockquote><br /><br />Tentar escrever algo, com o tempo que tenho hoje, sobre a Liberdade é pura loucura. Começo, novamente, com uma pergunta (porque é das perguntas que nascem duas coisas essenciais à vida humana - as descobertas e os avanços): Quantas pessoas hoje em dia sabem o que é a Liberdade? Genuinamente? Não faço esta pergunta com alusão ao 25 de Abril, aliás, a pergunta é completamente apolítica. Pergunto no sentido mais puro que a palavra tem, no sentido puramente pessoal, sem conotações de terceira ordem. Na correria do dia a dia, nas ânsias que o Ego tem, quantas pessoas sabem o que é ser livre? São livres, sentem-se - ao menos - livres? Introspectemos: acordamos-nos de manhã e somos confrontados com dois pensamentos, imediatamente: tenho de me preparar - o que envolve um plano de actividades meramente pessoal e inevitável -, e tenho que ir fazer pela vida - trabalhar, estudar, ir pedir esmola, mais do que se lembrarem. Logo aqui temos um pequeno constrangimento à nossa vida: não podemos fazer o que queríamos, que era andar no 'bem-bom' todos os dias a fazer só o que se queria. Isto só por si já é ilustrativo da falta de liberdade. Mas nem vou por aí porque fazer pela vida todos temos, desde o início da Vida. A questão, a grande questão é, de que maneira fazemos pela vida? Somos livres de fazer pela vida da maneira que mais nos permita sermos nós próprios? Sermos nós próprios... eis três pequenas palavrinhas que são tão bonitas mas que são tão difíceis de pôr em prática, sobretudo depois de anos e anos de dissimulação e engodo. Comportamentos que, no início da sua posta em prática, nos eram repulsivos e que tínhamos que os fazer como ferramenta de subsistência num determinado meio, passam, sorrateiramente, a fazer parte do nosso carácter. Isto faz-me lembrar a história do coxo que pedia esmola, há muitos anos, até que um dia lhe perguntaram porque é que ele coxeava, onde é que ele se tinha aleijado ou se tinha nascido assim, para ter aquele problema. O pobre homem - e para mim era da pior pobreza possível, a de espírito - disse que não, que nunca se tinha aleijado mas que, de tanto fingir que coxeava, já não sabia andar de outra forma. Outras histórias há a ilustrar o mesmo princípio mas esta pareceu-me a melhor. Volto a perguntar, como é que uma pessoa pode saber a liberdade, se se encontra espartilhado por uma quantidade infinda de limitações - muitas das quais auto-infligidas - que o levam a agir de outra forma de outra maneira que não o que É? É isso a Liberdade? Fazer o que se quer mas com essas barragens de comportamento? O coxo também podia fazer o que quisesse, ir onde lhe apetecesse; tinha era de ir devagar porque já não sabia ir de outra forma; se quisesse andar de bicicleta, não podia porque a perna que não tinha absolutamente nada - era perfeita - estava incapacitada pelos longos anos de fingimento por parte da brilhante mente do Ser ao qual pertencia. A mente desse homem NÃO ERA livre. As mentes que assim vivem NÃO SÃO livres. E isto parece óbvio.<br />A Liberdade tem 3 vertentes: a vertente física, mental e espiritual - como tudo, aliás, o que nos diz respeito. Como é um processo, normalmente, consciente, o peso das vertentes físicas e mental são maiores do que a espiritual. Não é por acaso que se diz 'livre como o espírito'. O Espírito é a mais livre de todas porque é a mais subjectiva e inconsciente das vertentes. Aliás, a própria noção de Liberdade que o Ser tem advém daí, pois nada nem ninguém consegue travar o Espírito. Um Espírito acorrentado não existe, o Ser ao qual pertence não existe, ou, se existiu, está morto. Uma pessoa até pode ser limitada fisicamente mas, com frescura de mente e espírito livre pode ser imparável. As limitações físicas são as menos limitativas do Espírito. As piores limitações advêm, infelizmente, da Mente. Sendo tão insubstancial como o Espírito, a Mente muitas vezes finge ser o Espírito, de modo a que o Ser, conscientemente já não saiba o que é a sua Essência e o que é o fruto da sua imaginação. A Mente é uma ferramenta poderosa, tão poderosa que nos pode roubar a liberdade, se assim o permitirmos. Tão poderosa que nos pode estropiar. Tão poderosa que nos pode matar. Mas é SÓ uma ferramenta e o ser Humano tem a tendência a esquecer-se disso, muitas vezes caindo em contemplação estática, embevecido, da capacidade de uma ferramenta. Imaginem que o vosso carro ditava que não podiam pensar em determinados assuntos. 'Era só o que faltava!', diriam vocês, e com toda a razão. Então, se assim é, porque é que não têm essa consciência em relação à vossa Mente? O vosso Coração, o vosso Espírito, a vossa Essência, são o quê, estão lá para quê? Para enfeitar?<br /><br />O assunto sobre o qual divaguei não é despiciendo. Lanço-vos um repto: olhem à vossa volta! Não vêm o mundo a mudar? Sim, ele está a mudar e se vocês acham que está a mudar para pior, façam-se um favor, escutem o vosso coração, deixem o vosso espírito fazer o que ele faz de melhor: voar; silenciem a mente e deixem que, por uma vez, o vosso Coração assente sobre aquilo que os vossos sentidos físicos vos trazem e que seja ele a ditar à Mente o resultado da análise. Tentem ver realmente, de um ponto de vista o mais imparcial possível, <u>todas</u> as coisas que se andam a passar pelo mundo. Nos noticiários já se sabe o que mostram, saiam e tomem consciência do que é que o vosso Irmão Humano anda a fazer, o que é que ele tem visto, ouvido, vivido. Peçam-lhe para ele vos contar as coisas boas que ele tem sentido, que lhe têm contado, que ele tem escutado, a frequência com que isso tem acontecido. E depois pensem nisso (hora da Mente), somem 1 + 1 e vejam se o Mundo está a mudar para uma coisa assim tão má. Não está, acreditem que não está. Mas está nas mãos de todos serem Livres puramente livres, agirem na vossa esfera - pessoal e mutuamente - de forma a que isso que, por enquanto, está num domínio mais ou menos invisível, inconsciente, se torne mais e mais presente, consciente, palpável. Está na altura de desespartilhar o ser Humano, de lhe remover os constrangimentos, a dor e o drama. Está na hora de tomar o nosso ser a 100% nas nossas mãos e de desenvolver todo - ou pelo menos, o máximo possível - do seu potencial. E é extraordinário esse potencial. Lembram-se de Timor? Lembram-se do Euro? Lembram-se do 25 de Abril? Lembram-se de Obama? Lembram-se de Luther King? Lembram-se de todas as massas movimentadas pelos Grandes Espíritos Humanos? Lembram-se de todas as vezes em que a vontade, o querer Humano convergiu para um único, elevado, positivo resultado, em sintonia com o Espírito Humano na sua forma maior? Sempre que o fazemos, sempre que o fizermos, faremos algo antes impensável, algo estrondoso, algo mágico. Sim, é magia. É Amor.<br /><br />Sim, a Liberdade faz Magia, o Espírito faz magia...<br /><br />Espero que a pergunta que eu fiz no início tenha, agora, uma resposta, pelo menos, de mais um...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-16923521365446588052009-09-13T06:13:00.005+01:002009-09-14T12:25:27.870+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqyF7yCfK_I/AAAAAAAAARM/VNuKDpsxa-I/s1600-h/DSC_0081-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 266px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqyF7yCfK_I/AAAAAAAAARM/VNuKDpsxa-I/s400/DSC_0081-1.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5380822916891880434" /></a><br /><blockquote><br /><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">We are here on Earth to do good to others.<br />What the others are here for, I don't know.</span><br /><br /><i>W. H. Auden (1907 - 1973)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">Everyone thinks of changing the world,<br />but no one thinks of changing himself.</span><br /><br /><i>Leo Tolstoy (1828 - 1910)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">To accomplish great things,<br />we must not only act, but also dream;<br />not only plan, but also believe.</span><br /><br /><i>Anatole France (1844 - 1924)</i></div><br /></blockquote><br />Back in the early 80's (a glorious decade!) Freddie Mercury and Brian May wrote a song called <i>'<a href="http://www.youtube.com/watch?v=8ziFgHslcs4">Is This The World We Created?</a>'</i>. The simple lyrics, the poignant (and always up-to-date) thematic and soothing 12-string guitar music made it a success, specially on festivals such as the memorable Bob Geldof's 'Live Aid'. Summing it up, it's a song about the state of the world, with a focus on poverty, deseases, indifference and injustice. It was a good effort as a 'heads up' call and, back then, I believe it had the effect they hoped for - innitiatives such as those were fairly new and got widely accepted. I can't remember a time where so many songs about Africa were made, with all who called themselves 'artist' doing some 'African' work. Time proved Us, once again, that it was a trend and, as such, it was fleeting. By the end of the decade, no one even remembered where that little skinny-hungry-with-a-big-'waterbelly'-boy's country was... At least it left Us good tunes! (at least for me, who really enjoy most of the 80's music.) 20 years later, everything's the same! The recent technologies, which, supposedly, should've helped Us getting closer to each other, only got Us more and more inside Our small little cocoons. I don't know if you've already saw the "wall-E" movie, from Disney. I did and, despite it's obvious excellent quality, it made me noxious. Not only because of the way the Earth was like but because of the way the surviving humans were aboard the "Noah's Ark" - for them, other humans only existed on their personal cart's screens, their world was restricted to a screen in front of them. They didn't even look sideways to see there was other people! Everything was done for them. If they needed food, they inputed on their cart's they wanted to eat. If they wanted to talk to other people, they'd talk through video-call. It was a freak-show - and dangerously close to what We are doing nowadays. Obviously, doing that for generations in a row, the Human being became physically as distorted as its soul was. Don't even doubt for a second that that kind of mental laziness would drive Us either to extinction, or the loss of Our essence as Humans.<br /><br />A question that has always crossed my mind was (and is), 'Why don't People actively seek to be better?'... doesn't it cross their minds, even from time to time, to do a little better everyday?... (It's not just a boy scout thing, you know?...) Why leave all the action for other people - whom we think will do better than we normally would?... It's amazing the epic amount of energy that we normally waste, energy that could be put to far better uses! I'm not saying that one should immediately get out of the house and start giving food or shelter or trying to heal the poor soul next to us (not that it wouldn't be a good idea - it is! - but it would be too much, for a start, and - most probably - dangerous...); I'm asking why not to be good, to do our best, to think the 'extra mile' in the small things that make our daily life. Start by yourself, then your own micro-environment and you'll manage to suggest others, through your deeds, that it's so simple and so much better. Why to do it? Simply because it's good, and that's a lot, it's really important for us to feel good! You'll feel good (guaranteed!), everyone around you will feel good - at least feel better -, and you can't even imagine the impact of your good actions, how far can they go, how deep into someone's heart they can go.<br />Imagine, for instance, that you think about doing some exercise. 'Well', you think, 'it's been quite a while since I've done it. Probably I'll feel sick afterwards... Maybe I shouldn't go...'. But then you see someone, who began doing it some time ago, and now seems that his whole life looks like a lotto jackpot - one breathes health, sweats health, looks absolutely positive, seems there's no problems at all in his life. You decide to get up and go ask that person, if his life is as cool and stress-free as it looks, if everything goes as smoothly as it seems. Surprisingly, one says to you 'Yes!', with a one-million-euro smile and a shine in his eyes that seemed to go as deep as his soul. On that smile, you can feel that everything is really going smoothly with him. Then you ask why, and that person says to you <i>'I really don't know! But, you know?, one day I decided to do something good for me, to make me feel deeply good, relaxed, feeling cool with life - and I decided to do some exercise. I can't say, at first, it was easy. It wasn't and I even thought about quiting, but something within me made me go on. After a while, the 'pain' was gone and it was getting better every time. Soon, I felt flowing with good vibrations and it wasn't just when I was doing exercise, it kept on going through the day. At the same time, everything seemed clearer for me, simple, and problems sometimes also seemed to solve for themselves. It's almost like magic isn't it?</i>', widely smiling.<i>'Then I felt like giving that good feeling to other people around me - I started to help people, to make them feel as good as I was feeling. I can't say that I was 100% successful but most of the people I got in touch with got the message and are now thing the same thing for themselves.'</i> After this conversation, I bet that you'd do the same thing - be deeply good to yourself.<br />Skeptics?... Oh, there'll always be skeptics, as long as the Earth turns with two Humans on it (even one, I recon). It's not your problem, obviously - everyone is free to think the way they want and act accordingly - as long as they "restrain" themselves to the 'annoying' level, naturally. If someone's criticizing you for doing what you feel as right and, no matter what it costs, you stick to your plan, then it's OK... As Martin Luther King Jr. once said: <blockquote style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">In the end, we will remember not the words of our enemies, <br />but the silence of our friends.</span></blockquote> Remember it, all times!... But if you start believing in others and not on yourself, then you'll have a problem - you're leaving hold of yourself, to become a projection of others in your body. And, believe me, <u>'Body' (anyone's Body) doesn't like to be ruled by others!</u>... So, be attuned with your body, thinking by yourself, properly. BUT, <u>don't forget those around you and beyond</u>...<br /><br />We are not alone in the Universe, on Earth. And We are all connected in more than one way... most of them, We probably don't even know... but nothing can keep Us from trying to see them, can't it? And I bet the most certain way to do it, is with Good, Kindness - Love...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-72801439926708726752009-09-11T02:57:00.006+01:002009-09-11T12:24:45.504+01:00<a href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqmuWoKSByI/AAAAAAAAAQ0/I_Cl2pLKGcQ/s1600-h/DSC00195-1.JPG"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 236px; height: 400px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqmuWoKSByI/AAAAAAAAAQ0/I_Cl2pLKGcQ/s400/DSC00195-1.JPG" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5380022933631665954" /></a><br /><blockquote><br /><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">Freedom is nothing else but a chance to be better.</span><br /><br /><i>Albert Camus (1913 - 1960)</i><br /><br /><br /><span style="color:#000000;">I firmly believe that any man's finest hour, <br />the greatest fulfillment of all that he holds dear, <br />is that moment when he has worked his heart out in a good cause <br />and lies exhausted on the field of battle - victorious.</span><br /><br /><i>Vince Lombardi (1913 - 1970)</i></div><br /></blockquote><br />Os portões fecharam-se atrás dele. "Estranho como os sons despoletam diferentes efeitos em nós consoante a situação em que estejamos...". Para ele, o rimbombar dos pesados portões de ferro, era o som de uma nova vida. Bem, isso é um absurdo: não há vidas novas nem vidas velhas; quanto muito, tempos novos e tempos velhos. Este era, então, um tempo novo. Que fosse. Sabia-lhe bem. Primeira paragem: um café.<br />- Olhe, por favor, podia dar-me outro, este café está queimado...<br />- Peço desculpa, eu vou já trocar. - respondeu o empregado.<br />O novo café nunca lhe soube tão bem. Bem, talvez o primeiro café que tinha bebido na vida, mas café a sério, não aquela mistura de cereais que ele misturava no leite quando era miúdo. Foi a primeira vez que se sentiu um homenzinho. Mas mais do que isso, foi quando fumou o primeiro cigarro, com os amigos, escondidos atrás da serração abandonada - infelizmente, não foi uma passagem à idade adulta propriamente agradável... Uma mulher entrou no café para comprar um maço de tabaco e os seus olhos cobiçaram-na. Medindo-a dos pés à cabeça, desejou-a imediatamente. Controlou-se. Não queria armar confusão, agora que estava livre de confusões. Só queria tranquilidade, que o deixassem em paz, na sua vidinha, fosse ela qual fosse.<br /><br />Não sabia se estava preparado. Percebeu que entrar neste novo tempo iria ser mais complicado quando, ao entrar no autocarro, reparou numa das velhotas a olhar para ele, com um ar ligeiramente suspicioso. Sem saber porquê, ficou incomodado, quase como se lhe tivessem chamado uma qualquer injúria grave. "Para o que é que estás a olhar, velha?", foi algo que lhe passou pela cabeça mas conseguiu arranjar a frieza suficiente para se manter calado. Se fosse lá dentro aquilo não passaria impune, premeditado ou não. Um arraial de porrada, para começar, depois logo se via se a coisa dava luta ou não. Sentou-se e deixou que a viagem lhe tomasse conta dos sentidos.<br />Passados uns minutos apercebeu-se que a viagem lhe havia tomado demasiado conta dos sentidos. Acordou e tentou perceber onde estava mas não conseguiu reconhecer; nunca tinha visto aquelas ruas em lado nenhum, nada daquilo se assemelhava a qualquer coisa que tivesse visto alguma vez na sua vida.<br />- Desculpe... Onde é que estamos?<br />- Estamos a chegar à paragem, em E. - disse o senhor, um pouco distante.<br />- Em E.?... Já estamos em E.?...<br />- Sim! - exclamou com um tom de evidência clara - Não foi era para aqui que queria vir?...<br />- Ah... era... - e deixou os olhos mergulharem na cidade que passava por si. As casas, os carros, as pessoas, nada daquilo lhe parecia real, nada daquilo lhe era familiar. Não era aquilo que ele era, de todo. Ele era a mercearia do sr. Carmindo, a garagem do sr. António, a velha praça, o café Central e o café do Elias, o Pavilhão do Recreativo de E., a fábrica de Estofos, os baldios que rodeavam a cidade, os rebanhos que por aí pastavam, até a velha paragem... onde estava aquilo tudo? que lhe fizeram? que aconteceu?<br />Apeou-se do autocarro. Ficou minutos a admirar a paragem de autocarros. "Bela obra!" - pensou - "pelo menos é melhor que a antiga barraca que aqui havia". Puxou de um cigarro mas foi imediatamente avisado por uma pessoa que não se podia fumar ali.<br />Arrastou-se para a rua e ficou espantado com a quantidade de trânsito que havia a passar na rua. "Mas as pessoas multiplicaram-se como ratos ou quê?!... Ou então ganharam todos o totoloto! Olhem-me só para esta confusão de carros!" De facto, nem o ar da rua era o mesmo, muito mais pesado, carregado. Julgou mesmo sentir-se com nauseas, de tanto fumo inspirado. Mas lá foi caminhando, guiando-se mais pelo nome das ruas do que pelo que se lembrava delas. O centro da cidade não estava muito mudado, aí conseguiu reconhecer bem o que já estava antes de ter sido detido e depois. Mas rapidamente avançou por ruas desconhecidas para chegar à casa dos seus pais. Em breve teve de fazer algo impensável: perguntar por direcções. Na sua própria terra.<br /><br />- O que é que vais fazer agora, filho?<br />Ele deu mais um trago no café.<br />- Não sei. Mas alguma coisa tenho de fazer. - olhou para ela - Acabaram-se as papas doces. - disse, pelo meio de um sorriso.<br />- Pois acabaram... - disse a mãe, assentindo - Nem deviam ter começado sequer!... - levantou-se - Queres mais café?<br />- Não, obrigado... - mais um trago.<br />- Ena!... Até agradeces agora!... Foi preciso ires de cana para aprenderes a ter maneiras!... Até parece que eu e o teu pai, que Deus o tenha, nunca tas ensinaram em casa. - e começou a lavar a loiça.<br />Ele sorriu. "Se tu soubesses...", pensou ele.<br />- Mas não tens nada em vista? não tens a mínma ideia do que queres fazer? - voltou a perguntar, por entre o barulho dos copos e dos pratos.<br />- Oh!... sei lá... lá na pildra ainda tirei um cursozeco profissional mas não sei se vai dar p'ra fazer aquilo. Não nos chegavam lá muitas notícias mas o facto de que o pessoal aqui fora andava um bocado enrascado de trabalho e dinheiro conseguiu passar pelos guardas. Não é animador... ainda p'ra mais um ex-condenado... - disse, meio deprimido.<br />- Pois, mas se nao fizeres nada por ti e não fores à procura, ele não te vai cair no colo. E depois o que é que vais fazer? Voltar a as...<br />- Isso já passou! - gritou ele, num repente, assutando a mãe, acalmando-se de seguida - ... isso já passou... - olhou para o que tinha diante de si, com o olhar vazio e semicerrado, e deu mais um trago, acabando com o resto do café que tinha na caneca.<br />- Pois... já passou... - disse ela, concentrando-se na caneca. Ele levantou-se e chegou-se ao pé dela, poisando-lhe as mãos nos ombros.<br />- Desculpa... não te queria assustar... - disse a meia voz.<br />- ... não faz mal. Tendo em conta o que já fizeste aqui por casa, acho que não é por isto que vais p'ro Inferno. - e suspirou.<br />Saiu da cozinha e foi para a sala. Em tons sombrios, pouco ou nada tinha mudado, excepto mais uma ou duas fotos dele, do pai (que entretanto tinha falecido com um ataque cardíaco) e da família da irmã. Pegou nesta última moldura e ficou a admirá-la. "Está mais velha... mais gasta... mas parece mais feliz...", pensou ele, vendo aquelas caras quase estranhas. Quem eram eles agora? Que eram eles agora?... Pegou na moldura com o rosto do pai. Eram estes olhos que o tinham acompanhado durante aqueles anos de encarceramento. Acusadores.<br /><br /><i> - És a minha vergonha, ordinário!! Sai-me já de casa!!<br />- Quem és tu para me mandares para fora de casa?? Não podes, sou teu filho, a casa é tão tua como minha! - disse, meio gozão.<br />- Quem sou eu?? Se esta casa existe, foi às minhas custas e da tua mãe! E enquanto vivermos aqui, a minha palavra e a dela é Lei, percebeste?? Além disso, que eu saiba, ainda não estou morto... isto ainda não é teu e ainda vou pensar se o será...<br />- Pai, pai, tem calma... não é preciso chegar a estes extremos! Vocês estão alterados, os dois, vejam se se acalmam! - rogou a irmã, pegando no braço do pai.<br />- Calma?? Este bandalho anda-me na má vida, na malandragem, sem emprego, sem ganhar a vida e eu ainda tenho que albergar um canalha, um parasita destes??<br />- Isso... continua a chamar-me isso, continua a chamar-me mais nomes e a foder-me o juízo... - chegou-se ao pé dele - Olha que eu começava a ter mais cuidado ao andar na rua, velhote...<br />- Velhote??... seu pulha de merda!... - disse, rangendo os dentes, avançando para ele. Acabou por lhe dar um soco na boca, fazendo-o cair com estalhardaço no chão. Foi o suficiente para as mulheres começarem aos gritos e polarizar a atenção nele, ajudando-o a levantar-se.<br />- É assim que queres... é assim que vais ter... - limpou o sangue do lábio, soltou-se das mãos da mãe e da irmã e saiu porta fora, sob o olhar impotente da família.</i><br /><br />O seu quarto estava na mesma, como o tinha deixado naquela noite em que abandonou o seu lar... os lençois, a colcha, as fotos e os livros, tudo estava impecavelmente arrumado como quando chegava a casa, por essa altura. Olhou cada objecto com uma nostalgia absurda, sem sentido, como se assim pudesse voltar ao ponto em que tudo começou a desencarrilar na sua vida. Tinha desejado tantas vezes que isso tivesse acontecido...<br />- As últimas palavras dele foram para ti...<br />- Desculpa?...<br />Ela acenou com a cabeça para a foto do pai, que ele ainda trazia na mão.<br />- Ah... que foi que ele disse?<br />- Que te perdoava, que esteve à espera de ti, do teu regresso, que sempre esteve, desde aquela noite...<br />Ele sorriu com beatitude - Bem, acho que cheguei um pouco tarde demais para isso...<br />- Não, filho. Nunca é tarde demais seja para o que for enquanto se está vivo...<br />Ele entregou-lhe a moldura para as mãos e desceram juntos para a sala.<br />À noite, estavam todos finalmente reunidos. A irmã trouxe-lhe os sobrinhos para ele os conhecer a primeira vez, assim como o marido. Havia saudade, alegria e esperança no ar.<br />- Saem ao nosso pai... - disse-lhe ele, depois do jantar, na varanda.<br />- Sim... e cada vez mais. O mais velho, então, tem o mesmo feitio que ele: teimoso, respondão, impulsivo, só faz o que quer... mas é muito ternurento, como o nosso pai era... O mais novo é como tu.<br />- Como eu? o quê? um futuro presidiário? - riu-se.<br />- Não... - disse-lhe ela, olhando em frente para a noite escura - Curioso, traquina, segue sempre o seu rumo, diferente de toda a gente, destemido e muito engraçado. Acho que fazem uma dupla perfeita: o que falta a um, tem o outro... - pausou e olhou para ele - tal como tu e o pai...<br />Ele desviou o olhar - Não sabes o que estás a dizer.<br />- Sei sim. Sei que era em ti que ele mais se apoiava, que era de ti que ele esperava as melhores coisas, o melhor futuro...<br />- ... porque eu era o rapaz.<br />- ... porque tu eras a continuação dele, do nome da família, porque ele se revia em ti de um modo quase cego, porque ele acreditava em ti, no teu potencial... Ai de quem o contradissesse! Uma vez, quando era miúda, p'raí com uns treze ou catorze anos, a mãe mandou-me ir chamá-lo ao café Central. Quando eu lá cheguei, ele estava a falar de ti, a dizer como eras inteligente e trabalhador, de como aqui na terra não havia ninguém como tu e que serias um óptimo assistente dele e excelente futuro canalizador... eu fiquei cheia de inveja por ouvir dizer aquilo de ti - riu-se - mas pouco tempo mais tarde vi que ele tinha razão. Tu eras tudo aquilo que ele disse que eras. E nunca perdeu essa fé até ao fim. Achava que logo logo irias sair da prisão, mais cedo até, por bom comportamento, e que retomarias o lugar que deixaste vago...<br />Silêncio.<br />- Porque é que não viste ao funeral dele?<br />Encolheu os ombros. - Sei lá... com a despedida que tivemos naquele dia, com a vergonha de aparecer sendo um recluso, com a fama que tinha aqui na terra, achei que era melhor ficar na gaiola do que ir piorar ainda mais o vosso dia. Alem disso, mas não tão importante, aquele murro que ele me tinha dado ainda me fazia doer o orgulho.<br />- Deus do céu, já tinha sido há oito anos!... Quem é que se lembra de um murro de oito anos?<br />- Eu lembro-me! Eu!! Eu lembro-me porque foi dado com base numa discusão completamente ridícula, com base num rumor que um tipo qualquer tinha inventado sobre mim, só porque eu andava com o pessoal que andava... mas era mentira... sempre que eles se preparavam, p'ra fazer alguma, eu afastava-me e ia p'ro café ou vinha p'ra casa... - pausou, recomeçando a meia voz - Foi depois dessa noite que comecei mesmo a andar na má vida, dando no que deu...<br />O silencio regressou à varanda, entrecortado pelos gritos das crianças dentro de casa. Continuaram os dois a tomar o ar da noite fria e ela passou o braço por cima do ombro, reconfortando-o com um beijo e acariciando-lhe o rosto.<br /><br />Os dias passaram e ele começou à procura de emprego. Esperava que ninguém se lembrasse mais do que ele tinha feito na companhia do grupo dele, doze anos antes. Afinal, a terra tinha crescido tanto, seria difícil éncontrar alguém com poder de decisão numa empresa, que se lembrasse disso. Sobretudo depois do que ele tinha visto na televisão nos ultimos dias, que mais parecia um diário de horrores. Passado umas semanas, encontrou uma oportunidade numa empresa de metalo-mecânica e compareceu na entrevista. Estava nervoso, era compreensível, queria fazer boa figura e esperava... não, rezava!, que ninguém lhe perguntasse o que tinha feito nos últimos anos.<br />- Com que então o senhor está a candidatar-se ao lugar de torneiro mecânico, não é assim?<br />- É sim, senhor.<br />- Muito bem, então quais são as suas qualificações?<br />- Tirei um curso profissional na Escola Profissional de V.N.A. - apresentou-lhe o diploma.<br />- Hmm, hmmm... - disse analisando o documento - muito bem... e chegou a exercer nalguma empresa anteriormente?...<br />- Não senhor, não tive oportunidade. - respondeu, com alguma reserva.<br />- Quer dizer que não tem prática...<br />Engoliu em seco - Não, senhor.<br />- Hmmm... estou a ver... e que experiência profissional tem, para além desta formação?<br />- Trabalhei como canalizador e servente de pedreiro durante sete anos.<br />- Canalizador?... Interessante... É que eu estava a reparar melhor no seu nome e lembrei-me do meu antigo canalizador, que já morreu, que era daqui da terra, o sr. Terêncio, um óptimo profissional...<br />Pensou se havia de dizer a verdade ou não mas afinal o pai morrera a chamar por si. Seria injusto para com a memória dele. <br />- Sim, é o meu pai. Eu ajudava-o no trabalho dele antes de ter saido de casa...<br />- O quê?... Você é que é o filho do Terêncio? Que coincidência!... Por esta é que não estava à espera... ouvi o seu pai falar tanto de si, que nem imagina!... Mas... se bem me recordo, não foi você que esteve envolvido no assalto à ourivesaria Brilhante? Disseram-me, na altura, que o filho do Terêncio também tinha estado metido nisso...<br />Ele transpirou por todos os poros. Tinha descoberto o seu calcanhar de Aquiles. Parou para reflectir e respondeu:<br />- É um passado que já lá vai, senhor. Paguei a minha dívida para com a sociedade e agora estou a tentar recomeçar muito antes do ponto em que me desviei da vida de homem honrado. Saí antecipadamente por bom comportamento e creio que o facto de ter tirado o curso enquanto fui recluso demonstra a minha boa vontade em recomeçar uma vida séria.<br />O director olhou para ele com ar desconfiado - Estou a ver... bem, eu ainda tenho de fazer mais umas entrevistas e depois vou reflectir. Quando chegar a uma decisão, será informado, quer seja admitido, quer não. Ficamos então assim?<br />- Sim, senhor.<br />- Óptimo! Então um resto de bom dia...<br />- Bom dia, senhor...<br /><br />- Oh Jaime! Passa-me aí a peça por fresar, sff! - pediu ele.<br />- Toma! Já tens essa pronta para levar ao 'Côxo'?<br />- Já 'tá pronta há mais de meia hora, se não andasses a tentar meter-te com a gaja da contabilidade!<br />- O que é que queres?... Com uma 'tranca' daquelas, dava-lhe uma q'ela até havia de deixar de saber contar... Santa mãezinha!...<br />- Guarda mas é a 'maquina de calcular' dentro das calças e vai-me passando as peças...<br />- É pá, vai com calma, que isto 'tão quase a ser 18h... amanhã 'tamém' é dia!...<br />- O cliente queria isto p'ra ontem, percebes? E o patrão anda em cima de mim como cão num osso. Por isso, vê lá se te despachas!<br />- Está bem, está bem... também, és pior que ele, ..dass!... nazi do caraças...<br />O ambiente na empresa era bom e ele era muito competente e esforçado. Sabia que não podia desiludir quem lhe tinha dado aquela oportunidade.... e a memória do seu pai. Afinal de contas, foi também um pouco graças a ele que o patrão lhe tinha dado o voto de confiança:<br /><i>- Jovem, o teu pai era um grande homem. Mas isso não significa que tu o sejas. Ele provou o seu valor até ao fim, e tudo o que tu fizeste até agora, ou há uns anos, foi adiar a tua vida. Disseste-me que quando começaste a trabalhar, era com ele que andavas, não foi?<br />- Foi sim...<br />- Eu sei que o nosso primeiro emprego nos marca muito e sei também que ele te tinha em larga estima. Dizia que eras muito inteligente e aplicado. Para ele foi como um choque teres feito o que fizeste, ele nunca percebeu, ficou desolado... Se és tão inteligente como ele dizia que eras, creio que tens o que é preciso para trabalhar connosco. Mas, devido ao teu passado recente, devo dizer-te que vou estar de olho em ti. Vais ficar à experiência durante um ano. Eu sei que é mais tempo do que o normal mas é de propósito. Se, durante um ano, houver o mais pequeno problema, se faltares, se te atrasares nas encomendas, vais mais depressa para a rua do que eu a dizê-lo. Aceitas este acordo? -</i> dissera, então, num tom sério.<br /><i>- Claro! É a minha oportunidade, a única que tenho!<br />- Óptimo! Começa-se às 9h e despega-se às 18h. O almoço é às 13h, durante uma hora. O teu ordenado, depois falas com a Elisa, da contabilidade... -</i> acompanhara-o à porta <i>- mas não te demores lá muito. - disse com um esgar malandro. </i><br /><br />- Então, como correu o teu dia? - perguntou a mãe.<br />- O costume... se tudo correr bem, já não te fico a chatear aqui em casa muito mais tempo... devo estar prestes a conseguir o suficiente para mudar-me para um cantinho meu. - disse, pousando o saco com a marmita que levava todos os dias para o almoço.<br />- A sério? Optimo, filho! Mas agora que nos estavamos a dar tão bem, é que tu sais de casa?<br />- Mãe, por favor, já tenho 35 anos!... Acho que... - e fez um gesto indicando que o que era demais era demais.<br />- Eu percebo-te - e sorriu - o jantar está pronto daqui a uns minutos - sais hoje?<br />- Em principio não... Ehhh - bateu com a mão na testa - esqueci-me de uma coisa na fábrica. Tenho de lá ir rapidamente senão o coitado amanhã fica sem aquela papelada e faz-lhe falta... já venho, não demoro...<br />- Vai lá então, eu deixo isto coberto para não arrefecer...<br />Saiu a correr e foi num ápice que chegou à empresa. Pediu ao porteiro para o deixar entrar, para ir aos vestiários buscar uns papeis. O porteiro ao inicio franziu o olho e, como o patrão ainda estava a trabalhar, ligou para ele. Não atendeu.<br />- Estranho... vou tentar outra vez... - disse o porteiro, surpreendido.<br />De novo, o sinal de chamada sem resposta...<br />- Passa-se alguma coisa, de certeza... já toda a gente saiu, só cá está ele, até dá p'ra ver a luz daqui.<br />- Quer que eu lá vá ver? - perguntou ele ao porteiro.<br />- É melhor que eu não posso sair daqui, estou à espera do meu colega para me vir render. Se ele não me vê aqui, dá logo o alarme à central.<br />- Então vou lá ao patrão e depois digo qualquer coisa.<br />Avançou com o carro, então, em direção ao gabinete do patrão. Ao chegar lá, bateu à porta, sem resposta. Bateu novamente e foi surpreendido por uma voz ao fundo do corredor.<br />- Terêncio! Qu'é que está aqui a fazer a esta hora? Queria alguma coisa?<br />- Desculpe, sr. Dr. É que o porteiro ligou para si a perguntar se eu podia ir aos balneários buscar uma papelada que deixei no meu cacifo e, como não atendeu, podia ser que estivesse alguma coisa errada e vim cá ver...<br />- Fui só à casa de banho - com a minha idade é normal uma pessoa demorar um bocado mais... e a ir mais vezes... Mas pronto... Vá lá então ao seu cacifo mas depois, já que está aqui e eu nao tive oportunidade durante o dia, passe por aqui que eu quero dizer-lhe umas coisas.<br />- Com certeza, sr. Dr. Com licença.<br />Dirigiu-se ao seu cacifo, pegou nos papeis que queria e regressou ao gabinete do patrão. Bateu à porta e entrou.<br />- Com licença, sr. Dr.<br />- Entra entra... Senta-te. - arrumou uns papeis - Então é o seguinte, como sabes, já estás cá há quase um ano, pelo que estás quase a acabar o período de experiência que te propus e aceitaste. Tenho a dizer-te que não me desiludiste, bem pelo contrário: és aplicado, diligente, pontual e o pessoal tem-te em boa conta. Ora, sei que ainda estás a viver com a tua mãe, não é assim?<br />- É sim, sr. Dr.. Mas estou quase a conseguir ter um pé de meia para me mudar. Mesmo assim, nunca antes de quatro meses.<br />- Pois, era isso que queria falar contigo. Decidi dar-te um prémio, ou um incentivo, como queiras. Vou-te aumentar em... - pausou por segundos, fechando os olhos.<br />- Sr. Dr., está-se a sentir bem?<br />- Sim, sim... - fez um gesto a acalmar - ... como estava a dizer, vou-te aum... - parou de novo - oh raios, isto não anda bem... vou-te aumentar em... - calou-se e perdeu os sentidos, caindo para o lado.<br />- Doutor?! Doutor?!<br />Levantou-se e foi verificar se o patrão tinha pulsação. Fraca mas tinha. Ligou para o porteiro.<br />- Estou?... Quem fala?... Daqui fala Terêncio! O patrão acabou de desmaiar.<br /><i>- Mas então, chama-se uma ambulância!</i><br />- É demasiado tarde p'ra isso, vão demorar como o caraças a cá chegar. Venha mas é cá e ajude-me a trazê-lo p'ro meu carro, que eu levo-o ao hospital. Despache-se!<br />Passado meio minuto, o segurança apareceu e ajudou a transportar o patrão para dentro do carro, que se encontrava à porta do edificio dos escritórios. O carro deslizou em direcção ao hospital.<br /><br />- Pois foi assim que aconteceu, juro-te... e se tens dúvidas pergunta ao segurança que está lá hoje!<br />- Eh pá, essa história é muito rebuscada... estás na tanga, é o que é! Queres é sacar a gaja da contabilidade! - disse-lhe Jaime, gozão.<br />- Olha, acredita no que quiseres... Se tens duvidas vai aos escritorios daqui a pouco e perguntas. Ou vais à portaria, que é o mesmo.<br />- E vou! E depois vou gozar contigo e chamar-te mentiroso até não me poderes ver nem pintado de ouro.<br />Ele fez um gesto como que dizendo "como queiras"... Passado uns minutos, foi chamado à Administração.<br />- Que é que eles querem agora?... Jaime, toma conta desta rebarbadora e vai preparando o torno, para quando eu chegar.<br />Passado uns minutos, voltou com um ar de quem não está bem neste mundo.<br />- Então pá? O que é que se passou?<br />- Nada, nada... o torno já 'tá pronto? Tem a peça montada com a fresa a jeito? estás à espera de que??<br />Mais tarde, chegado a casa, contou à mãe o que se tinha passado na noite anterior porque é que tinha sido chamado à recepção.<br />- Bem... se ele não confiar em ti depois disto, não sei!... Mas dizes tu que a mulher dele te ligou, foi?<br />- Ah, sim! Ligou hoje para à secretária, a pedir p'ra falar comigo: queria convidar-nos - a mim e a ti e à mana, se ela quiser - para um jantar lá em casa deles, de agradecimento, assim que ele tiver alta.<br />A mãe ficou contente e naquela felicidade os seus olhos brilhavam. Já não se lembrava quando tinha sido a ultima vez que a tinha visto assim. Talvez em miúdo, na escola, quando trazia uma boa nota ou um prémio mas isso já tinha sido há tanto tempo... Sentiu-se feliz pelo orgulho que a mãe tinha por si naquele momento, lembrando-se de onde tinha vindo, por onde tinha passado, por que é que tinha passado e onde estava agora. As coisas estavam a correr bem.<br /><br />O dia do jantar chegou. Foi uma noite de festa, uma noite de celebração, comemorada intimamente pelas duas famílias. A casa era enorme e a família Terêncio estava deslumbrada com tudo; os miúdos corriam de um lado para o outro, fazendo longas incursões pelo jardim, correndo pela relva fora, caindo, correndo de novo, indo vendo os cães do patrão... O jantar foi repleto de risos e de histórias, e eis que se chegou, sem se saber bem como, à altura das sobremesas e do brinde.<br />- Caríssimos, estamos aqui reunidos para celebrar a vida. Como todos sabemos, aquilo que me aconteceu poderia ter um desfecho dramático, com consequências bem maiores do que o desapareciemnto de um ser Humano, facto já de si, profundamente lamentável. No entanto, foi graças ao coração e à frieza de um Homem que eu devo a minha vida. Este homem está aqui presente, a meu lado, esta noite, no que acaba por ser um desfecho muito feliz para todos. Em vez de uma reunião de lamento e lágrimas, é uma reunião de celebração. E mais feliz é ainda por este motivo: o Terêncio não sabia disto, obviamente, mas a minha mulher é a filha e irmã mais nova, do anterior e actual dono, respectivamente, da ourivesaria Brilhante.<br />Ao dizer isto, toda a família Terêncio ficou espantada e bastante embaraçada.<br />- Não te preocupes, Terêncio. Tal como disseste, em primeiro lugar, a tua dívida já foi paga com anos da tua vida e isolamento. Só por si, sei que isso é difícil para um homem. Mas o teu gesto de ontem, revelou que este homem que foi julgado, acusado e considerado culpado, não é de todo um criminoso de caracter distorcido, mas sim uma pessoa que, por força das circunstâncias de então, cometeu um erro e que, num momento dificil soube transcender os seus limites e encontrar a força para salvar a vida de outro ser Humano, que, quis o Destino, nos seus mistérios, fosse parente daqueles que um dia prejudicou.<br />A mulher do patrão acenou com a cabeça e pediu para ser ela a concluir.<br />- Terêncio, caríssimos, lembro-me, na altura, que foi bastante difícil à minha família ultrapassar o assalto que o grupo em que te incluias fez à ourivesaria do meu pai. No entanto, dessa vez, só se perderam bens materiais. Desta vez, perder-se-ia uma vida humana, a vida do meu querido marido. Nada pode pagar essa vida. Nem todo o recheio de todas as ourivesarias. Quero deixar aqui, de viva voz, que te perdoo, de coração e que agradeço a Deus por te ter encaminhado para a empresa do meu marido. Obrigado, Terêncio.<br />- O teu pai era um homem honrado, e também tu o és. - acrescentou o patrão - Muito obrigado!<br /><br />Ele entrou na sala e desapertou a gravata. Olhou em seu redor e encontrou alegria nas fotografias, entretanto trocadas por outras mais recentes... excepto uma. Caminhou na sua direcção e pegou na moldura, acariciando o rosto da imagem aí presente. Pensou em todos os momentos bons que viveu com ele, e pensou nos que poderia ter vivido se não tivesse sido tão impulsivo e rebelde. Mas, então, um homem poderia, neste momento, estar morto. Achou tudo aquilo perfeitamente irónico mas de uma extraordinária beleza. Perguntou-se também se seria capaz de salvar a vida do patrão se não tivesse passado pela cadeia. Mas nada disso interessava... aquele era o seu momento, em privado, com o seu pai. Mais do que agradecimentos, mais do que jantares e brindes, o que ele mais queria era que o pai tivesse sabido que tinha salvo uma vida e que sentisse que estava orgulhoso dele. Sentia falta do seu perdão audível, do seu orgulho visível.<br />- Podes ter a certeza que ele está orgulhoso de ti... eu sei disso...<br />- Há quanto tempo aí estás? - disse ele a rir.<br />- Há tempo suficiente para te ouvir os pensamentos e te ter visto chorar... - pegou-lhe na moldura, arrumou-a e sorriu-lhe - Anda, vem - beijou-o na testa - vem dormir na tua cama, da tua casa, da tua família que se orgulha e te ama, toda.<br />Terêncio secou as lágrimas e foi deitar-se. Ao puxar os lençois, uma moldura de uma foto dele com o pai estava na sua cama. E foi aí que entendeu.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-62635743359519626332009-09-09T21:03:00.001+01:002009-09-09T23:03:54.725+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqgJzRaNj-I/AAAAAAAAAQs/YCX77sIp9Mc/s1600-h/DSC_0169-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 196px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqgJzRaNj-I/AAAAAAAAAQs/YCX77sIp9Mc/s400/DSC_0169-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5379560531345379298" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">There are many things of which a wise man might wish to be ignorant.</span><br /><i>Ralph Waldo Emerson (1803 - 1882)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">Ignorance of certain subjects is a great part of wisdom.</span><br /><i>Hugo De Groot (1583 - 1645)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">Innocence dwells with Wisdom, but never with Ignorance.</span><br /><i>William Blake (1757 - 1827)</i><br /><br /><span style="color:#000000;">It's innocence when it charms us, ignorance when it doesn't.</span><br /><i>Mignon McLaughlin, (1913 - 1983)</i></div></blockquote><br />For the first time ever in the long history of this site, I'll be writing in fair Albion's idiom.<br /><br />My posted tales have begun to get a life of their own. It's a strange feeling to me because, from the moment I decided to take a chance and write these short stories, they were not meant to be so long. I, therefore, hereby apologise for extensive length of them. But what happens is rather interesting: I begin to write on a given subject and some lines later, the story begins to demand more. Asking for more and more. She wants to grow, she wants to go into details, to show every emotion, every tear, smile, frown, shrug, everything. There's not one character's step that seems expendable. So, stories that shouldn't be more than three paragraphs long, become a novel to me. The will to break them in parts is very very strong and, for once, I gave in to it (<a href="http://utopista.blogspot.com/2009/07/advice-is-dangerous-gift-even-from-wise.html">here I</a>, <a href="http://utopista.blogspot.com/2009/08/thats-what-hell-is-its-forgetting-who.html">here II</a> and <a href="http://utopista.blogspot.com/2009/08/can-it-be-true-that-human-life-means.html">here III</a>). As I wrote it, I began to feel sorry for the poor reader who had to wait for the next part, and myself feeling frustrated because the pleasure of writing gave place to a obnoxious feeling of tiresome duty. A clear symptom of this is the rate which I wrote it - besides, I was on holiday, which made it worse.<br />Yesterday I was really tempted to do the same again, but only a two part story. Fábia's tale wasn't so intricate as the Architect's tale and I belive that if I'd broken the tale at the point where she attempts suicide and then develop the recovery further more in another part (how the friendship with Marcia developed and got deeper, how she found her calling, how she recovered from the problems, how the kids reacted to the suicide attempt news, and other topics that might show up afterwards). One of the comments (and personal talk), from <a href="http://www.laranjapreto.blogspot.com/">Mag</a>, sugested that there should be a follow-up story, just to know, for instance, what happened to Lourenço and everything related to him. I agree and disagree for two reasons: if you read the story on the worldly point of view, and since such emphasis was put on the Lourenço's affair and the divorce, it is fair that one should know what happened to him, specially because he acted as one of "God's hands" by saving her life, preventing the suicide. But that is not the issue, the reason why I wrote the tale. As any other tale I post here, there are several lessons included, underlying principles which I represent by the inicial quotes. However, I believe that someday I might return to these characters and use them, once more (that's what they're here for), to illustrate other life lessons. I think it would enrich them psychologically and it would be good as a 'première' for me, too.<br /><br />Changing the subject...<br /><br />Who hasn't never felt that one should know far less than one knows? That we should be more ignorant? I have no problems in saying that I have. Some things, some lessons I learned in life, some data I learned in school, are (or have, for some time, been) just too plain heavy to be carried in someone's mind or soul. Sometimes is the content of the lesson; others, is the way that lesson was learned, the price paid for it. There are lessons and there are "lessons"! It's not easy to learn things which will come into mind after one has suffered terribly - normally one focus too much on the pain and its causes, and too litle on the 'wider picture'. Some lessons are really awful, and I'm not talking about the ones that lead to the loss of a beloved one. Imagine rape cases, murder, disablement situations, lives competely torn apart... what can one say of this? What can one learn of all this?... But these are extreme cases, with a very own and very hard lesson associated. On the other cases, our Human nature, our Ego continuously puts himself in the front of the possibility of understanding the 'wider picture', dressed as Resentment and lack of Pacience. These are our limiting steps, which proves and is, also, to say (figuratively, of course), we are our best friends and our worst enemies.<br />I believe, ultimately, that what we desire, when those hard lesson come to us, that we should have stayed as innocent as before the lesson. Ignorance can easily be confused with innocence, the diference being that the Ignorant already has some blame of its actions, due to its lack of information - i.e., the ignorant could have done something, but he opted not to - but he is morally responsible and connected to the action which he could have prevented, and, therefore, should have done something. Opposedly, the innocent can sometimes have the knowledge, the information, but one choses to see the best part of it and use such knowledge in a positive way, i.e. he is morally 'clean'; some other times, one doesn't know the consequences of its actions but, logically or instinctively, using its Wisdom or deducing from other similar experiences, he choses tho follow the best path. The Innocent is normally far away from the problem but he, somehow, knows something can happen. Ultimately, and bottomline, no guilt of its actions can be inputed to him (therefore it use in Law) - and that's why the ignorance of the law isn't an excuse for the non-compliance. Morality is what makes the difference (and a nice way to put it is the above sentence by McLaughlin).<br />I, therefore, rephrase my question and answer: I wished for some times, to have stayed innocent relatively to some lessons I've learned - and I'm also grateful, however painful it was, that I grew out of ignorance, even if I wished, back then, that I'd still be there... but had I had the moral to keep it like that?... Had I searched for the purest Goodness, Kindness?... Ultimately, ignorance is proven wrong. It's always a temporary situation because the Light always shines, one day...Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-85268146270786314672009-09-09T05:31:00.001+01:002009-09-09T05:33:55.201+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqcvbB_EZOI/AAAAAAAAAQk/2StUSzRkJac/s1600-h/DSC_0264-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 216px; height: 400px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqcvbB_EZOI/AAAAAAAAAQk/2StUSzRkJac/s400/DSC_0264-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5379320421353284834" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">Your pain is the breaking of the shell<br />that encloses your understanding.</span></div><i></i><div style="text-align: center;"><i>Kahlil Gibran (1883 - 1931), "The Prophet"</i><br /><br /><span style="color:#000000;">To him who is in fear everything rustles.</span><br /><i>Sophocles (496 BC - 406 BC), "Acrisius"</i><br /><br /><span style="color:#000000;">The gods help them that help themselves.</span><br /><i>Aesop (620 BC - 560 BC), "Hercules and the Wagoner"</i><br /><br /><span style="color:#000000;">No price is too high to pay for the privilege of owning yourself.</span><br /><i>Friedrich Nietzsche (1844 - 1900)</i></div></blockquote><br />O cheiro das outras pessoas no autocarro irritava-a. A rotina das coisas irritava-a. Pensando nestas coisas, acabou por não perceber o que é que a irritava mais, se o cheiro, se o facto de ter que cheirar as mesmas pessoas (ou quase) todos os dias. Os solovancos que o autocarro da irritavam-na. As conversas em voz alta irritavam-na. Os encontrões irritavam-na. As constipações que as pessoas traziam e 'partilhavam' com toda a gente, ou mais pessoalmente, de uma forma mais ou menos higiénica irritavam-na. A lista de coisas irritantes continuava.<br />Chegou a casa e ainda passou pelo supermercado para ir comprar algumas coisas. Enquanto esperava na fila para pagar, olhou para um expositor com uma série de livros de auto-ajuda. Os títulos eram sugestivos e parecia haver um para cada problema que as pessoas tivessem: depressões, desgostos, angústia de viver, stress, toda uma panóplia de sugestões, ajuda fácil, ali à mão de desfolhar. Flávia abanou a cabeça, desdenhosa e voltou a sua atenção para outro expositor, desta frita, de imprensa cor-de-rosa. Chegou mesmo a desfolhar uma mas pousou-a e avançou na fila.<br />Chegada a casa, cansada, foi saudada pelos seus três filhos. O marido ainda ia demorar mais uma boa hora pelo que começou por passar revista aos trabalhos de casa que as crianças traziam para fazer. Algumas recomendações algo impacientes depois, sentou-se a descansar um pouco antes de começar a fazer o jantar. Enquanto saboreava este merecido descanso, o marido chegou. Saudou-a com um beijo e foi pousar o saco de desporto e a pasta que trazia. Sentou-se um pouco com ela e depois seguiram os dois para a cozinha, preparar o jantar em conjunto. Desta rotina ela não se cansava. Amava profundamente o marido e tinha-se tornado o seu ritual habitual, durante a semana, preparar as refeições em conjunto, aproveitando para falar do dia de trabalho, das vitórias, derrotas, frustrações e regojizos e de algo de diferente ou extraórdinário que tivesse acontecido fora do trabalho. A conversa daquele dia não fugia a esta regra.<br />- E depois o Carlos pegou no molhos de relatórios... - riu-se com um riso surdo, e tomou fôlego - ... e atirou-os à cara da Fátima! Havias de ver a cara daquela megera! Nem queria acreditar!!... - riu-se mais um pouco com o mesmo riso surdo - Ainda foi atrás dele para lhe pedir explicações e a ameaçá-lo com um processo disciplinar mas o gajo tomou a dianteira e disse logo que não era preciso, que se despedia, que não estava mais para aturar uma cabra como ela. Bem, havias de ver, o pessoal nem sabia para que lado se havia de virar para se rir sem dar nas vistas... Foi péssimo. A estúpida nem sabia onde se havia de meter! Estava vermelha de raiva e de despeito! HAHAHAHAH!!! - disse Lourenço, rindo a bom rir.<br />- Só teve aquilo que merecia! Essa ordinária já há muito ano que anda a abusar da sorte, pelo que me dizes. A aproveitar-se do trabalho dos outros, a dá-lo como seu, a oprimir-vos com ataques de fúria, sem saber de onde vêm, a atacar-vos e a fazer-vos ficarem mal vistos nas reuniões de departamento, entre outras atitudes absolutamente estúpidas... Também não admira, geralmente pessoas burras, presunçosas e incompetentes como ela...<br />- ... e putas... - interrompeu-a.<br />- ...sim! e putas!, como de certeza que ela é, é que têm esse tipo de atitudes! Os teus chefes não sabem de nada dela?<br />- Os meus chefes foram todos "corridos" por ela. Ela fez-se a cada um deles quando estava a acabar de tirar o curso, ainda ela era uma simples secretária a trabalhar na contabilidade. Ela tem-nos a todos na mão. Ela pode ser incompetente mas não é totalmente burra. O máximo que lhe fazem é chamá-la à atenção em privado...<br />Flávia abanou a cabeça, sentindo-se revoltada.<br />- De facto, este mundo está cada vez mais ao contrário. Quem mais deve, é quem menos teme. Os ladrões andam à solta na rua e quem manda anda atrás da gente honesta. São os crimes, é a crise, a corrupção, são as doenças, os acidentes de carro, é o clube que não ganha, é o pobre cada vez mais pobre e o rico cada vez mais rico e poderoso. Qualquer dia nem vale a pena sair de casa... ou se sair, sai pela janela! P'ra quê ir trabalhar?? Uma pessoa mata-se cada vez mais a trabalhar e se até é competente metem-no no olho da rua, a ele e mais uns quantos, só para pôr lá um amigo ou uma gaja como a tua chefe a 'comer' por eles todos e mais ainda até. E querem que o país ande p'ra frente.<br />- Isto... é muito complicado...<br />A refeição ficou pronta pouco depois, a família jantou, deitaram-se, Flavia e Lourenço fizeram amor e adormeceram.<br /><br />A manhã seguinte não trouxe surpresas nem gestos fora da rotina que os embalava naquela vida morna. Após levar os miúdos ao colégio e ao infantário, dirigiu-se ao emprego. Chegou ao seu posto de trabalho e passado um pouco começou a haver uma agitação na sala. Levantou-se do seu cubículo e foi saber do que é que se tratava.<br />- Que é que se passa, Almiro?<br />- Flávia, já viste o teu <i>e-mail</i>?<br />- Sim, vi-o há pouco qdo cheguei! - disse, assertiva.<br />- Não, não é de 'há pouco' que estou a falar. É de agora! Já o viste?<br />- Não, não estou sempre a ver o e-mail. Mas porquê? - disse, começando a ficar assustada.<br />- Então vai lá ver, que é melhor estares sentada.<br />Flávia voltou ao seu posto de escrita e abriu o <i>e-mail</i>. Tinha acabado de receber pela rede interna uma missiva enviada pelo Departamento de Recursos Humanos, com o conhecimento da Administração, que a empresa tinha aberto o processo de falência, com data de entrada em vigor a partir do dia seguinte - pondo isto em miúdos, a empresa ia fechar - ela estava no olho da rua.<br />Levantou-se e dirigiu-se aos Recursos Humanos. Lá, uma multidão em fúria esperava confirmação da mensagem que lhes tinha sido enviada e, a ser verdade, por mais dados relativos ao despedimento. Passado uns minutos, uma das secretárias aproximou-se do ajuntamento e confirmou o que se temia: a fábrica ia fechar, uma representação do sindicato tinha sido chamada para negociar e pedia-se agora que se reunisse uma comissão de trabalhadores para se juntar às negociações do processo de despedimento colectivo.<br />Tudo aquilo era surreal demais, pensou. Não havia motivos para tal, a empresa sempre teve pedidos, sempre teve encomendas de trabalho, era impossivel ter aberto falência. Pensava enquanto caminhava de volta ao seu cubículo, onde trabalhou durante quase dez anos, afincadamente, dando tudo quanto podia pelo trabalho em mãos que tivesse nesse momento. Não, não podia ser, não era possível, tinha de ser uma invenção. Sim, era isso, era uma maneira de verem quais eram os colaboradores mais subversivos de maneira a aliviar o número de empregados, para cortar despesas com o pessoal. Só podia ser isso. Pegou no que sstava a fazer anteriormente e no trabalho pendente e continuou a trabalharnormalmente, mas desejando a cada segundo que tudo aquilo fosse o que pensava ser e não o que lhe tinham dito que era.<br /><br />À ida para casa a rotina cumpria-se, como de costume. Mas agora tudo era vazio. O cheiro das pessoas, os solavancos, os encontrões, as tosses e os espirros, as filas, nada disso a irritava mais. Era uma sensação estranha, um misto de vazio com alegria e com decepção. Aliás, não sabia muito bem o que sentir, qual o sentimento adequado para aquela situação tão inverosímil. Chegando a casa com os mais pequenos, arranjou maneira de os entreter ("Logo hoje não têm trabalhos de casa para fazer!...", pensou) e foi para a cozinha começar a fazer o jantar. Lourenço chegou pouco depois, como costume, e beijou-a.<br />- Amor, viste hoje as notícias? - perguntou-lhe Flávia, numa voz calma de tensão.<br />- Não!... - disse com alguma surpresa na voz - O que é que se passou?<br />- Não sei muito bem... lá na empresa hoje... disseram-nos que a empresa tinha entrado em falência e que estavam em negociação para o acordo colectivo de rescisão.<br />- O quê??? - sussurrou ele - Mas... como assim?... Falência?... Estás a dizer-me que vão despedir toda a gente?... Como é que isso é possível? Tu nunca notaste nada?? O que é que eles alegaram?? Diz-me!<br />- Não sei de pormenores... - disse, de olhar perdido no espaço - De manhã recebemos a noticia por <i>e-mail</i>. A Sónia dos R.H. veio à porta e confirmou que estavam a negociar com o sindicato e que queriam uma comissão nas negociações. Eu continuei a trabalhar e à hora de almoço disseram-nos que as negociações estavam bem encaminhadas. A meio da tarde anunciaram que tinham chegado a acordo: três salários por ano de trabalho efectivo. No meu caso, trabalhei oito anos, recebo vinte e quatro salários de compensação. Não disseram quando o iam pagar, mas prevejo que será depois do processo de falência se encaminhar para o fim, já depois de terem vendido material da empresa.<br />Lourenço mostrou-se estupefacto com tudo aquilo e andava de um lado para o outro da cozinha.<br />- Não posso acreditar... mas como?... OK, nem tudo é mau, vais ser relativamente bem indemnizada mas não sabes quando vais receber... E depois, da maneira como dizem que as coisas estão, quase de certeza que não vais conseguir emprego tão cedo... o que é que vamos fazer, Flávia?...<br />- Não sei, Lourenço, não sei de nada... não me faças perguntas agora, por favor... - disse, a meia voz, com ar fatigado - eu ainda mal acredito, estou em estado de choque.<br />Até à refeição, durante a refeição e até se irem deitar ficaram num silêncio só cortado pelas conversas que tiveram com os miúdos. Não lhes contaram, com receio que eles se enervassem. Era melhor assim, concordaram. Enquanto estavam na cama, tentaram delinear estratégias futuras como gerir o facto de passar a haver só um salário em casa, e, posto isso, adormeceram. Não foi um sono tranquilo para Flávia - acordou imensas vezes durante a noite, em angústia, com um medo que a gelava por dentro, sem saber o que fazer, como iria ser o futuro, sentindo-se já inútil. Para mais, começava a sentir um sentimento que tinha falhado, que era uma falhada, que aquilo tinha acontecido por culpa sua.<br /><br />Amanheceu novamente. Quando Lourenço se levantou, já ela estava a pé há quase uma hora, sentada em frente à janela.<br />- Que vais fazer hoje, querida?<br />- Vou até à empresa saber desenvolvimentos. Espero lá estar à hora da entrada... quer dizer, à <i>antiga</i> hora de entrada... - disse, desviando o olhar para a rua. Lourenço afastou-se, indo preparar-se para mais um dia de trabalho. Flávia continuava a olhar para a rua. Olbservava as pessoas que passavam, de carro, a pé, a caminho do seu emprego ou com outro destino, mas, definitivamente, com um propósito. Observava as crianças de mão dada aos pais e pensava se os seus pareceriam assim tão tranquilos e alegres, quando tomassem conhecimento da situação, como os que observava agora a passarem na sua rua. Pensava também se eles sabiam que os seus pais poderiam estar desempregados ou não. Pensava se aquelas pessoas, de ar tão obstinado a andarem na rua, estavam mesmo empregadas num sítio qualquer. E quantas teriam, estariam ou iriam passar pelo tormento, pelo terror que ela estava a passar naquele momento.<br />Depois de dado o pequeno almoço aos miúdos, Flávia levou-os até à escola. Seguiu depois para a empresa, como sempre e, ao chegar, deparou-se com uma manifestação enorme à porta, que estava fechada a cadeado, com bandeiras negras e faixas. A polícia também lá estava. Com medo que tudo aquilo pudesse degenerar em algo violento, chegou-se ao pé de alguns colegas e perguntou o que se passava.<br />- Foi o sindicato que quis este aparato todo. Decidiram isto depois de terem chegado a acordo, mais ao fim da tarde. Lembraram-se depois de perguntar como iriam obter o dinheiro para pagar aos empregados e eles disseram que iam vender as máquinas. Eles não gostaram de ouvir isso, acharam que a fábrica tinha dinheiro em caixa suficiente para assegurar as compensações sem ter que se vender património e decidiram bloquear a entrada da fábrica para não levar as máquinas. Acreditam que, mesmo assim, a empresa é viável num futuro próximo. - disse Renato, que pertencia à Manutenção.<br />- Pff... típico de sindicalistas... - disse ela com desdém - Já agora vou aqui ficar para ver no que é que isto dá, mas se vir o pessoal a agitar-se demais, saio daqui a correr.<br />Ficou lá até à hora do almoço, pelo que decidiu ir ter com Lourenço, para lhe contar os últimos desenvolvimentos. Além disso, há tanto tempo que não almoçavam juntos durante a semana, que iria ser bom variar.<br />Chegou ao emprego do marido e esperou à saída por ele. Alguns minutos mais tarde ele saiu, ficando muito surpreendido por ver Flávia.<br />- Querida... por aqui?<br />- Sim! - sorriu - Fui à empresa e como nao tinha nada a fazer por lá, decidi vir ter contigo para um almoço, só nós os dois!<br />- Oh, querida... devias ter dito antes! Vou almoçar com um cliente agora, não vai dar para almoçarmos juntos...<br />- Bolas... Pronto, se é de negócios, não há nada a fazer... Posso ficar a fazer-te companhia até ele chegar?<br />- Flávia, eu queria ir andando ter com ele, se não te importas... - beijou-a - Eu depois compenso-te! Bom almoço! Até logo! - e afastou-se.<br />- Até logo... Bom almoço!<br />Ela caminhou em direcção ao carro e entrou. Procurou o baton do cieiro e ajeitou o espelho retrovisor para o efeito. Assim que acabou de retocar, e repôs o espelho, viu algo que juraria impossível, uma alucinação: Lourenço estava à porta do emprego, de novo, e acompanhado. Uma mulher. Pensou que seria o cliente que ele lhe tinha falado mas, ao beijarem-se, todas as esperanças esfumaram-se. Durante largos segundos ficou a olhar a cena, sem ter noção do que fazer mas, sem saber a que misteriosa força o conseguiu, decidiu então confrontá-lo. Saiu do carro, muito direita, de expressão firme e carregada. Estava a ser movida a orgulho e fúria, uma fúria com a força dos doze anos de casados que tinham.<br />- Parabens, Lourenço. Muitos parabens. Não sei que hei-de pensar, sabes?... - cruzou os braços e falou com uma calma temperada a ódio - Se és tu que és um cara de pau canalha e sem carácter, ou se sou eu que sou tão estúpida que pensei ser a mulher da tua vida.<br />- Paixão?... Quem é esta?... - disse a outra mulher, com uma fala afectada por uma óbvia vida de mimos e luxos.<br />- Quem é esta?? Lourenço... eu nao acredito... ela nem sabe que tu és casado comigo?...<br />- Calma Flávia... vamos todos ter calma, porque tudo se explica... isto não é o que parece...<br />- ... bem, ao menos não és só cara de pau comigo!... Pelos vistos é mesmo uma falha de carácter... se tu o tivesses, é claro, meu grandessíssimo cabrão filho da puta!<br />- Lourenço... eu não acredito... tu és casado?... Então... então... e aquilo que falámos, de vires comigo para a tua casa nas Caraíbas e vivermos juntos até ao fim dos nossos dias?... estavas a mentir-me? - disse a 'fashionista', estupefacta.<br />- Não, coelhinha... na-a-ão era mentira... eu-eu-eu ia mesmo partir contigo para ficarmos juntos... só precisava de tratar dumas coisas...<br />- Pois, umas coisas, tais como o teu casamento e os teus três filhos em casa, não é?... - disse Flávia a começar a exasperar-se - Lourenço... por favor... por uma vez na vida, sê um homenzinho e diz a verdade a todos, a começar por ti próprio...<br />- Flávia... não... Coelhinha, espera, eu explico... Flávia, eu vou explicar... é que isto..<br />- CALA-TE Lourenço! - gritou ela, num repente de raiva - Ouvi-te durante doze anos... estive sempre lá para ti... tive três filhos por ti, passei pelas piores dores do mundo três vezes, por ti, por nós... - com uma calma súbita - Agora, CHEGA!<br />Com um pontapé bem aplicado e forte nas partes baixas, ele deixou-se cair no chão, gemendo de dor. Ela lançou-lhe um último olhar de desdém e concluiu:<br />- Obrigado, Lourenço... por nada. - e virou costas.<br /><br />Lourenço tentou à noite, novamente, arranjar uma explicação e tentar que Flávia ouvisse, mas, obviamente, em vão. Flávia mostrara-se irredutível e, no papel de esposa traída, achava que quem tinha de sair de casa, até o assunto ser resolvido em tribunal, era ele.<br />O processo de divórcio começou, então. Após algumas sessões com o juiz do processo e diversas tentativas de reconciliação, chegou-se a uma última sessão para a deliberação final.<br />- ... e goradas que foram todas as tentativas de reconciliação, não tenho outra alternativa senão deferir o pedido de divórcio feito por Flávia Costa de Azevedo a este tribunal. Visto haverem posses e, mais importante, descendentes de idade menor, houve que deliberar sobre a justa divisão de bens e o processo de tutela dos menores. Assim, e atendendo a que uma das partes em conflito se encontra temporariamente em situação de desemprego, decidimos que a casa passará a ser propriedade de Flávia Costa, assim como toda a mobília que a guarnece. Os restantes bens adquiridos por cada parte serão distribuidos consoante quem os adquiriu ou outro qualquer critério, desde que de mútuo acordo. Em relação aos menores, é meu firme crer, apoiado por pareceres de técnicos competentes na área psico-pedagógica, que os menores devem estar, na esmagadora maioria dos casos, à guarda da mãe. Este facto torna-se ainda mais relevante atendendo à atitude leviana e displicente pela parte do pai em relação à instituição família. É, assim, deliberação deste tribunal entregar a custódia parental dos menores ao cuidado do pai. Esta situação é, no entanto, e sublinhe-se, temporária. Assim que a mãe tiver encontrado um novo emprego, os menores deverão ser entregues de imediato à mãe. Estas deliberações entrarão em vigor de imediato.<br />No final da audiência, Lourenço tentou aproximar-se de Flávia mas sem sucesso.<br />- Depois ligo-te. - disse friamente e sem o olhar de frente.<br /><br />Os tempos seguintes foram terríveis para Flávia, como se adivinhava. Sem emprego, sem os filhos por perto senão por dois fins-de-semana por mês, com uma boa parte dos amigos a afastarem-se, sentiu a sua vida escapar-se-lhe pelos dedos. A sua própria mãe atribuia-lhe uma parte das culpas.<br />- Ninguém tem toda a culpa. Se ele fez o que fe foi porque alguma coisa falhou da tua parte, para que ele fosse procurar fora de casa.<br />De todas as pessoas, nunca esperara que a própria mãe lhe dissesse aquilo. O último dos apoios fugia-lhe. Frases como aquela encontraram ressonancia dentro de si, em algumas das dúvidas que ela própria tinha desde que tudo aquilo começara. Essa era, obviamente, uma delas, julgando de seguida a sua competência como mãe, como trabalhadora e, inevitavelmente, como pessoa, como ser humano. Não deorou muito tempo até que começasse a achar que não valia a pena levantar-se de manhã e, quase imediatamente, que não valia a pena viver... Vivia num limbo de realidade, em que já nao sabia o que era real, e o que era surreal, o que era sonho, o que era imaterial, o que era possível e o que era impossível... Já não procurava emprego, já não se alimentava bem, não cuidava de si e muito menos da casa. Passava dias inteiros a chorar e, quando se cansava, ficava a olhar para o tecto, indefinidamente. Não havia horas, não havia noite nem dia, não havia fome, não havia sede. Só havia dor. Uma dor tremenda. Uma dor que não cessava, que tornava todos os segundos iguais, uma dor que se tinha agarrado ao seu coração, ao seu corpo, à sua alma como alcatrão, como resina para a qual não havia solvente, que alastrava e se empregnava em cada cova, cada fissura, cada milímetro quadrado de ser, cobrindo toda a luz, causando a maior dor possível e que enquanto houvesse dor, assim continuaria até que, no final, não sobrasse nada, absolutamente nada.<br />Chegou o dia em que nem com os filhos conseguiu estar. Sentia-se demasiado fraca, demasiado 'menos'. Assim que fechou a porta, com a imagem do desânimo das crianças gravada na alma, sentiu que só havia uma coisa a fazer: por fim á sua miserável vida.<br /><br />Deixou tudo preparado, todas as instruções cuidadosamente escritas numa carta colocada em cima da sua cama. Despida, procurou no forno o seu fim... Bateram à porta. Flávia estava já inconsciente. Bateram de novo. Minutos mais tarde, a porta foi arrombada e Flávia retirada do forno.<br />No dia a seguir, acordou numa cama branca, no hospital. Ao início, toda aquela brancura fê-la pensar que estaria no céu, mas, à medida que os seus olhos se foram habituando, percebeu que estava viva... ainda... e com uma grande dor de cabeça. E náuseas, muitas muitas náuseas... Dias mais tarde teve uma visita. Lourenço.<br />- Como estás?<br />Nao respondeu.<br />- Bem me parecia. Bem, pensei em te vir dizer o que é que se passou e que, agradecendo o facto de estar viva, voltasses a ter o mínimo de consideração para voltares a falar comigo.<br />Flávia era o silêncio.<br />- Ok, já vi que perco aqui o meu tempo. Antes de me ir embora devo dizer-te que fui eu quem ligou para os bombeiros e te salvou. Adeus.<br />Viu-o afastar-se mas manteve-se em silêncio. Absurdo. Completo e louco absurdo, disconexo da realidade. Mais uma das incoerências de Lourenço, com certeza, mais uma vâ tentativa de a reconquistar.<br />- Que belo pedaço de homem... como é que o deixou escapar?<br />- Escapar?... <i>humpf</i>...<br />- Não foi?... E como é que alguem se mata com um homem assim, Deus do céu?!<br />- Pode ficar com ele todo só para si, se quiser... e se conseguir, enfermeira Marcia. - disse, de olhos fitos na janela do quarto.<br />- Se conseguir?... Não desvalorize os meus talentos, menina. Olhe que já não sou nova, mas tenho experiência e conheço os homens muito bem. E as mulheres também. E se há algo que consigo ver aqui, são dois casmurros que não querem dar o braço a torcer: ele está arrependido e você ainda está agarrado a ele com unhas e dentes. E não há tentativa de suicídio que o contradiga. - disse a enfermeira, enquanto retirava os medicamentos.<br />Novamente o silêncio.<br />- Olhe, menina Flávia, esses silêncios podem resultar muito bem com os seus filhos ou com o seu marido, mas não se esqueça disto: como você, já eu criei quatro. Todas com muito pior génio do que o seu. Não me afecta minimamente que esteja em silêncio. Melhor é para mim, que oiço menos barulho ou asneiras. Bem bastam os do bloco C... - disse com desdém - Tome. Está na hora dos comprimidos. Até amanhã.<br />Saiu, com os olhos de Flávia postos na enfermeira...<br /><br />À medida que os dias foram passando, Flávia foi começando a abrir-se com Marcia e lentamente foi-lhe contando como tudo aconteceu. Marcia revelou-se uma excelente ouvinte, com um coração imenso. A sensação que Flávia tinha quando falava com a enfermeira era que esta tinha todo o tempo do mundo para ouvi-la. De facto, começar a abrir-se foi mais fácil e rápido do que imaginara. Preguntara uma vez a Marcia porque é que ela era assim: ela respondeu que, desde que o marido morrera num acidente de trabalho, percebera que a vida era preciosa e que cada momento que passamos com as pessoas é único. Desde aí que tentava que as pessoas sentissem isso quando falava ou passava tempo com elas. Mas era difícil, as pessoas estavam demasiado centradas nelas próprias para perceberem isso. <br />Um dia, durante uma conversa, Marcia perguntou-lhe:<br />- Flávia, que sonhavas tu da tua vida?<br />Flávia olhou para a janela de novo, como era costume semrpe que um assunto lhe era particularmente difícil.<br />- Não sei. Acho que nunca pensei nisso. Para mim a vida era arranjar um emprego qualquer, casar, ter a minha família e vê-los crescer até sairem de casa, altura em que eu e o meu marido envelheceríamos juntos... e com estilo! - esboçou um sorriso.<br />- Já é alguma coisa! Mas será que isso chega?<br />- Chega? Para quê?<br />- Para saber para onde vais, filha. Pensa nisto: quando dizias que ias para casa, tu ias para casa ou ias para a tua rua, ou bairro?<br />Sorriram ambas.<br />- É obvio que ia para a minha casa. Eu sabia que ela estava lá. Não podia dormir na rua, seria estúpido.<br />- Precisamente! Também assim são as coisas na vida: ou tu sabes o endereço final, aquilo que queres fazer e para onde ir, ou então ficarás pelo caminho e tudo te saberá a pouco ou sem sentido mesmo, tal como não fazia sentido dormires na rua.<br />Flávia abanou a cabeça, compreendendo.<br />- Não te peço a resposta agora. Vai pensando, devagar, vai porfiando a retirar todo o pó que estes anos de inercia, de conformismo, lentamente depositaram sobre ti, sobre o teu querer...<br /><br />- Sabes... agora que todas estas coisas estão mais ao longe, consegui perceber duas coisas: que não estamos sós e que muitas coisas há que acabam por ser melhores para nós. - disse Flávia, acabando de beber o sumo.<br />- Hmm... - disse Marcia, abanando a cabeça como que dizendo "pode ser que tenhas razão...", com boca cheia de sumo - Mas será que perceberias isso se não tivesses passado pelo que passaste?<br />- Mas também quanto é que é preciso para que uma pessoa perceba isso? Por exemplo, eu não ia percebendo... ia partir daqui, desta vida, sem chegar a perceber... quão grave que isso poderia ser?<br />- O que é que queres dizer?<br />- Quero dizer... como é que hei-de explicar?... estas coisas não tiveram só o efeito que agora vemos: a minha empresa de cosmética, os meus filhos de volta a casa, eu com mais tempo para eles, eu com mais tempo para mim, eu a apreciar cada segundo da vida, essas coisas... - piscou o olho a Marcia a rir-se - Mas tudo isso, olhando para a história toda, insinua que existe um algo muito maior, uma mão por detrás de tudo o que aconteceu que me levou de um estado letárgico a um estado atento, a olhar mais para mim e para os outros, pelo seu maior bem, por eles próprios, por Mim. Sei que a maioria das pessoas só fala de Deus em termos da igreja ou de uma perspectiva religiosa, mas para mim tudo o que aconteceu, foi Deus a mostrar-se e a sorrir para mim. Lentamente comecei a ver nas coisas que aconteciam, o Sentido Maior, que não é mais do que sermos felizes nesta vida, fazendo os outros felizes. No fundo, praticar o Bem...<br />- No fundo, sermos o rosto de Deus na Terra...<br />Riram-se as duas. Era um riso bom, um riso gostoso de rir, um riso que ecoava nas suas almas e que ganhava vida ao fazê-lo. As suas vidas mudaram enquanto o fizeram, inumeras vezes, umas entre as lágrimas que cairam de tempos a tempos, outras após as vitórias em que lhes apetecia gritar a todo o mundo o que tinham conseguido. Agora, naquele fim de tarde com o sol a pôr-se, frente ao mar, tudo fazia sentido. Recordaram historias boas e más, comuns e de cada uma, e brindaram, rindo-se novamente, a tudo quanto a vida lhes trouxe e que, um dia, a seu tempo, lhes iria trazer.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-90285230038470276022009-09-07T23:27:00.002+01:002009-09-07T23:30:27.554+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqWImC1xsXI/AAAAAAAAAQc/pw-5Q_YPVvs/s1600-h/DSC_0051-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 266px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqWImC1xsXI/AAAAAAAAAQc/pw-5Q_YPVvs/s400/DSC_0051-1.jpg" border="0" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5378855517142757746" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">We must be willing to let go of the life we have planned,<br />so as to have the life that is waiting for us.</span></div><br /><div style="text-align: center;"><i>E. M. Forster (1879 - 1970)</i></div></blockquote><br /><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: italic; ">ou...</span></div><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">We're like actors, turned loose in this world to wander<br />in search of a phantom, endlessly searching<br />for a half formed shadow of our lost reality.<br />When others demand that we become the people they want us to be, they force us to destroy the person we really are.<br />It's a subtle kind of murder.<br />The most loving parents and relatives commit this murder<br />with smiles on their faces.</span></div><br /><div style="text-align: center;"><i>Jim Morrison (1943 - 1971)</i></div></blockquote><br /><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-style: italic; ">ou ainda...</span></div><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">If you hear a voice within you say "you cannot paint,"<br />then by all means paint, and that voice will be silenced.</span></div><br /><div style="text-align: center;"><i>Vincent Van Gogh (1853 - 1890)</i></div></blockquote><br />Estava sentado à janela. Na paisagem que contemplava, os campos iam alternando com as aldeias e as vilas, os rios com as estradas e pontes, os rebanhos com as pessoas. Tinham-lhe dito que a viagem iria ser longa, um pouco aborrecida até, mas ele não se importava. Tudo o que importava era o seu destino, o que iria fazer, por isso, mais valia aproveitar a viagem. E de aborrecida não estava a ter nada. Tudo era novo, tudo era grande, tudo brilhava com uma luz de novidade que dava um encanto especial a tudo quanto os seus olhos poisavam. Até os animais que via de passagem eram mais bonitos que os da sua terra ou, pelo menos, assim lhe parecia: as vacas mais gordas e com os úberes mais inchados, os cavalos mais luzidios, as ovelhas com mais lã e maiores, os porcos mais limpos e bem cuidados, os galos e galinhas com a crista mais encarnada e com a penugem mais vistosa, os gansos mais alvos. " 'A galinha da vizinha é sempre melhor que a minha', é preciso não esquecer isso...", e com este dito sossegou a sua vontade de ter vivido por ali, por aquelas terras onde passava agora, e não na sua terra natal.<br />A sua terra. Era bem simples. Um punhado de casas no alto de um monte, uma capela com um pequeno largo, um cafézito (por iniciativa do sr. Alcântara, ex-emigrante inconformado com o facto do café mais próximo estar a 10 km. <i>"O café mais caro que eu bebo é aqui 'no' Portugal!"</i>) e uma escola, já abandonada há largos anos. De facto, nem Daniel lá tinha andado, tendo que fazer os tais 10 km que o sr. Alcântara se queixava até à sede da freguesia. Depois foi ainda pior, ao ter que se deslocar até à sede de conselho, a 40 km daí, por estradas que nem lembravam ao diabo... ou antes, lembrar lembraram, o problema foi "ele" ter inspirado os engenheiros que as projectaram, com certeza. Naquelas manhãs cristalinas de inverno, indo na caixa da velha carrinha do pai - ou pior, de motorizada - ou enjoava ou perdia um membro com o gelo. Foi duro. As palavras de raiva do pai - "Agora a andar p'ra trás e p'ra frente com o menino, p'ra ele andar a limpar o cu aos bancos da escola... devia era andar a limpar o cabo da enxada co'as mãos, qu'isso é que é trabalho!" - Mesmo assim, no meio de tanta dureza, nos melhores dias, conseguia apreciar a beleza dos campos em redor, cobertor de grossa camade de geada ou da ocasional neve. Parecia que vivia noutro lugar, o que sempre ajudava a atenuar aquele perene sentimento claustrofóbico de nunca poder sair dali. Uma prisão de grades invisíveis. Sonhava um dia sair dali, para sempre, correr mundo, ver outras terras, o que estaria para além do mar que tanto lhe falavam e que nunca tinha visto uma gota dele sequer. Os pais, já de certa idade, também não - o maior curso de água que tinham visto, era o rio da vila. Daquela terra nunca mais quereria saber, excepção feita dos pais, claro, que não tinham culpa de nunca terem podido sair dali, daquela vida de lama pelos joelhos, estrume, pó, fome (quantas vezes...) e ignorância.<br /><br /><i>- Pai, quero ir para a cidade grande...<br />- Tu queres é um par de estalos nessa cara, nã' tarda! Já viste o serviço que 'tás a fazer?<br />Distraindo-se com os seus sonhos de ir mais além, de sair dali, tinha deixado cair o balde das batatas e uma das cabras que por perto pastoreava, atirou-se logo ao tubérculo.<br />- Sai daí, xô!! Vai... ala!!<br />A cabra levou a batata na boca e desapareceu. Daniel suspirou.<br />- Que é que foi rapaz?... Vá lá a ver que há 'munta' batata p'ra apanhar!<br />- Já vai, já vai, 'mê' pai...<br />Mergulhou nos seus sonhos de novo, com um olho na realidade e outro na fantasia. Minutos mais tarde, foi o pai que o abordou.<br />- Que história é essa de quereres ir p'ra a cidade? - perguntou enquanto andava debruçado a apanhar batatas.<br />- Oh... coisas da 'inha cabeça... - encheu mais um balde de batatas.<br />- ...tua cabeça não, Daniel Zé. Eu conheço-te 'munto' bem. Quando começas a congeminar, nã' descansas 'enquante' nã' conseguires.<br />Daniel sorriu. O pai conhecia-o bem.<br />- Mas ind'é cedo... 'Inda não acabei de estudar, p'ra ter um pouco mais de segurança p'ra quando p'ra lá for trabalhar.<br />- Esses estudos, esses estudos... e quando é qu'isso acaba?... Já andas a estudar há sei lá quantos anos e ainda 'nã' te vi com ideias de formar família... 'nã' te chega o exemplo de casa? Eu e a tua mãe já nos casámos tarde e até que te tivessemos foi o cabo dos trabalhos... E depois p'ra que é que serve tant'estudo??... no 'mê' tempo 'nã' s'ia à escola e uma pessoa aprendia a trabalhar na 'mêma'... e asinha!<br />- Oh 'mê' pai, não é nada disso... vocemessê 'nã entende... não ando a estudar pra isto...<br />- 'Atão' é p'ra 'queia', rapaz?<br />- Eu... nada... esqueça...<br />- Ahhhhh... isso nã' me 'chêra' bem... Daniel, filho, a tua terra é aqui... foi aqui que nasceste, foste aqui criado... é aqui que tens as tuas coisas, a terra, a criação... sempre foi aqui c'a nossa familia se deu, desde que nos lembramos... ist'é uma riqueza maior c'áquilo que pensas!<br />- Eu sei, 'mê' pai... mas à medida que eu fui avançando na escola, fui sabendo de mais coisas, c'a vida 'nã' é só isto c'a gente aqui tem! Há mais terra p'lo mundo, uma vida melhor... 'ê' comecei a sonhar co'a cidade grande, em correr o mundo, em ter essa vida melhor...<br />- A escola, a escola... essa coisa só dá é despesa e só traz infelicidade... andam só a pôr coisas na 'miolêra' da cachopada, a fazê-los pensarem que são melhores c'ós outros. Depois saem de lá e fodem-se quando dão c'os cornos no duro...<br />- Oh... olhe que vocemessê 'tá enganado... nã' é bem assim...<br />- Ah nã' é? 'Atão' 'nã' leves a manta que 'nã' é preciso... ohhh rapazinho, tens muito que aprender... Leva mas é o balde p'ro tractor e mexe 'mazé' essas unhas que 'háqui' muito que fazer...</i><br /><br />Anos mais tarde, Daniel acabou o secundário. Apoiado por alguns professores, decidiu seguir para Engenharia Agrícola. Não foi uma situação fácil...<br /><br /><i>- Mê' pai... eu tenho andado a falar com os 'mê's professores e eles acham que eu tenho capacidade para ir para a Universidade... - disse ele num serão, perto do final do ano.<br />- Ires p'ra onde?... - inclinou-se no cadeirão.<br />- P'ra Universidade... estudar pr'a ser Engenheiro... - disse, receoso.<br />- Engenheiro?... Tu? - disse a meia voz, incrédulo - Quem é que te meteu essa coisa na cabeça?... Alguma vez tens cabeça p'ra seres engenheiro?<br />- Os meus professores dizem-mo... e eu até tenho notas razoáveis...<br />- E quem te disse que podes ir? - disse, começando a levantar o tom gradualmente. Daniel remexeu-se no cadeirão, desconfortável - Quem te disse que tens condição p'ra seres sustentado lá? Que podes sequer sair de casa assim, como queres?? Diz-me Daniel, DIZ-ME!!...<br />- Eu... sei lá. Os meus professores dizem que tudo se arranja...<br />- "Tudo se arranja"?... - riu-se com escárnio - Coitadinho, oh coitadinho, eheheheh... - e, mudando de tom rapidamente - eles querem é ver-te cair, estatelares-te no chão para depois gozarem contigo...<br />- Ah sim?? E o que é que eles têm a ganhar com isso?... Dinheiro é que 'nã' é de certeza!<br />- Errr.. hmmm... - virou a cabeça para o lado e voltou a olhar para ele - Mas o que tu conheces das pessoas para saber o que é que elas têm a ganhar ou não?... Há pessoas p'ra tudo, Daniel, P'RA TUDO!<br />- Olhe, 'mê' pai: nunca na vida lhe faltei ao respeito e sempre lhe fiz o que quis; ajudei-o sempre que pude, até ao limite. Mas a vida é minha, só minha. Por isso, so lhe pergunto isto, uma vez: tenho o vosso apoio?<br />- A vida é tua? TUA? Enquanto aqui viveres, tu aqui fazes o que eu mandar, ouviste bem rapazinho? E se eu disser que 'nã' vais, não vais mesmo, e nem t'atrevas a desobedecer porque ainda sou homem p'ra te dar umas bordoadas nessa cara, ouviste bem??<br />O pai estava possesso. Daniel nunca o tinha visto assim. Nessas alturas sabia que o único remédio era não dizer mais nada. Saiu, com ímpeto, para o calor da noite.<br />Dias mais tarde, voltou a fazer a mesma pergunta aos pais. A mãe, como sempre, achava que não tinha voto na matéria, só torcia o avental com a tensão do momento. O pai declinou qualquer apoio. Não o olhou na cara. Disse que estava por sua conta e risco, se era assim que ele queria, que se desembrulhasse. E que, insistindo nessa ideia, não voltasse aquela casa enquanto ele fosse vivo.</i><br /><br />Daniel foi. Partiu, com lagrimas nos olhos e um punhal no coração, sem olhar para trás. Ao saber que tinha sido colocado na Universidade da capital, tratou, com a ajuda dos professores e de alguns funcionarios da câmara da vila, de arranjar quarto na residência universitária.<br /><br />Saiu do comboio e pousou as malas. Ficou extático a olhar para a enorme estrutura metálica que compunha a estação. Nunca na sua vida tinha visto algo assim tão... colossalmente grande... "Quer dizer, já tinha visto nos livros mas... ao vivo... é completamente diferente...".<br />Tirou um papel do bolso e dirigiu-se à praça de taxis. Daí pediu para que o levasse à residência universitária. Era um edifício moderno e havia outros colegas a chegar nesse instante.<br />- Olá! És novo por aqui, não és?<br />- Sim... - disse, desconfiado.<br />- PESSOAL!!! TÁ AQUI UM CALOIRO!!!<br />Daniel já sabia que isto ia acontecer. Os professores tinham-no avisado e ele já sabia que era só uma brincadeira que eles faziam ao pessoal novo na faculdade. Decidiu falar pouco e só quando lhe mandavam. Após a brincadeira, encaminharam-no para o quarto, tendo em conta as informações que lhe tinham dado antes e instalou-se.<br />Os primeiros tempos foram dificeis, obviamente. Sem o apoio dos pais, candidatou-se a uma bolsa de estudo e teve que encontrar trabalho para pagar o resto das propinas. O seu tempo era dividido entre o trabalho e o estudo, que incluia aulas e trabalho de casa: muitas vezes só dormia 3 ou 4 horas por noite. Mesmo assim, o seu desempenho não foi mau.<br /><br />Os anos foram passando. Daniel sentia falta da sua terra natal. Como não podia? Era a SUA terra! Ela estava-lhe no sangue! Por vezes, na rua, no Verão, sentia o aroma da terra quente, o cheiro da flores da sua terra. Parecia-lhe ouvir, de tempos a tempos, as vozes das pessoas da sua terra trazidas pelo vento. Sempre que lhe perguntavam de onde era, dizia sempre o nome da aldeia de onde era, com todo o orgulho, e nessas horas quase que podia sentir as palmadas nas costas dos seus conterrâneos, inchados de orgulho. Nas férias, conseguia, a título excepcional, manter o seu quarto na residência, sendo que as refeições ficavam por sua conta.<br />Custou-lhe acabar o curso. Sobretudo na Queima das Fitas, em que via os pais de toda a gente a celebrar com os filhos. Ele estava só. Doía, mas essa dor só lhe deu mais força para continuar.<br /><br />Estava sentado à janela. Na paisagem que contemplava, os campos iam alternando com as aldeias e as vilas, os rios com as estradas e pontes, os rebanhos com as pessoas. Tinham-lhe dito que a viagem iria ser longa, um pouco aborrecida até, mas ele não se importava. Tudo o que importava era o seu destino, o que iria fazer, por isso, mais valia aproveitar a viagem. E de aborrecida não estava a ter nada. Tudo era pequeno, pequeníssimo, como alfinetes: os campos, pequenos remendos; as pessoas, nem se viam; as estradas como pequenos riscos brilhantes no meio do chão; as cidades como um chão coberto de mosaico ao qual confluiam, e no qual rabiscavam, os riscos brilhantes. "Como somos pequenos, tão pequenos... se é assim que Deus nosso Senhor nos vê...", pensou, completamente espantado. Riu-se. Já não pensava daquela maneira havia algum tempo, sobretudo estando já na cidade e trabalhando há alguns anos numa empresa importante. Mas, afinal, o menino que ele fora, o pequeno aldeão da terra gelada de Inverno e ardente no Verão, o caloiro desnorteado e jovem Engenheiro-Chefe, ainda trazia a terra a circular-lhe nas veias. Por momentos o coração gemeu de saudade. Pensou "E se eu tivesse cedido e tivesse ficado em casa, continuado a mando dele?... que seria de mim?... Seria mais feliz?... Estaria satisfeito com a minha vida?...Não sei, e creio bem que nunca o saberei...". Riu-se novamente, olhando para a janela. Mesmo sendo tão pequeno como os que não conseguia ver lá em baixo, ele era diferente. Ele era Seu.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-4056351751698037572009-09-05T05:53:00.004+01:002009-09-05T06:07:03.259+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqHufrViiKI/AAAAAAAAAQM/T9Z1uxvozX4/s1600-h/DSC00571-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 300px; height: 400px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqHufrViiKI/AAAAAAAAAQM/T9Z1uxvozX4/s400/DSC00571-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5377841658033506466" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">This is the true joy in life,<br />the being used for a purpose recognized by yourself as a mighty one;<br />the being thoroughly worn out before you are thrown<br />on the scrap heap;<br />the being a force of Nature instead of a feverish selfish<br />little clod of ailments and grievances<br />complaining that the world will not devote itself<br />to making you happy.</span></div><div style="text-align: center;"><br />George Bernard Shaw (1856 - 1950),<br /><i>Man and Superman, Epistle Dedicatory</i></div></blockquote><div style="text-align: center;"><i>...e...</i></div><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">Just to be is a blessing. Just to live is holy.</span></div><div style="text-align: center;"><br />Rabbi Abraham Heschel</div></blockquote><br />Olhou para as mãos rugosas. Olhou também para as mãos lisas da neta que, por sua vez, o olhava atentamente - era uma espécie de adoração silenciosa, um estudo delicado mas firme de outro alguém que sabia ser só seu. O contraste das texturas era belo, doce, poderoso: em cada ruga das suas mãos, o Tempo fazia-se sentir como força inexorável, aliado forte de dias passados que, alquimista de corpos, transformara a suavidade original em relevo acidentado. Nos calos que as mãos exibiam, mil cantares se encerravam, risos e lágrimas partilhados durante a labuta pelo "pão nosso de cada dia", gestos repetidos com ardor, ânimo e persignação. Agora, nesses montes da carne, poisavam os seus olhos, cantando a alegria da jornada que findava a um sol que se punha plácido, na contemplação longínqua dos ribeiros de suor transpirado com prazer, nuns dias, com resignação, noutros. Do alto dessas colinas avistava as lisas e frescas planícies das mãos da neta, potencial de Tudo, terreno a ser semeado, casa a erguer, simbolo do Devir, sonhos a cumprir. A beleza de todo esse "pode ser que...", o encantador mistério encerrado na pele imaculada, por trabalhar, era para ele como jangada em águas calmas de um espelho de água de margens indefinidas, transportando-o em inércia a todos os lugares onde gostaria de ter ido, visitando gestos que gostaria de ter feito. Era tempo certo de o fazer.<br />Sorriu, com beatitude. Era uma doce sensação que gostaria que perdurasse em si para poder saboreá-la com a calma que o momento merecia. Não foram muitos os momentos em que tal sensação lhe adveio: os raros elogios do pai, austero; a conclusão de um trabalho particularmente árduo e exigente; o primeiro olhar trocado com a sua mulher; o primeiro beijo, a primeira noite de amor; o primeiro sorriso dos filhos e dos netos; todas as vezes que viu o mar, que mergulhou nele; a descoberta de uma música que o tocava; as paisagens de perder o fôlego; as novas sensações que inundavam os sentidos...<br /><br />- Avô, tens as mãos bonitas! - pausou, inclinando ligeiramente a cabeça, sorrindo - Quando for grande quero ter umas mãos como as tuas.<br />- Hás-de ter, querida! Mas tens de dar tempo ao Tempo... - e riu-se, num riso rouco, calmo.<br />A neta não respondeu. Não sabia o que responder. Continuava em adoração, o olhar viajando entre a cara do avô e as mãos. Fixou-se nos grandes olhos azuis que o avô tinha. Sabiam-lhe bem, eram bonitos, faziam-na sentir-se bem, confortável, em casa. Família.<br />- Tens a certeza que vou ter assim as mãos?... Que é que fizeste para tê-las assim?<br />Nova riso rouco. Às vezes, parecia que ela só lhe fazia estas perguntas para o ouvir rir.<br />- É muito simples: não tive medo de viver. Tudo o que quis fazer, e tudo o que tinha que fazer, fiz. Imagina a vida como um grande baile com incontáveis convidados, todos muito bem vestidos nos seus trajos de gala. Durante o baile, sempre alguém me pedia para dançar, ou queria dançar com alguém, dançava. Uns têm dois 'pés esquerdos', outros sabem dançar como anjos, mas o que importa é a dança em si, o movimento, o saborear a música, o sentir-mo-nos a rodopiar com outra pessoa que não tinha obrigação nenhuma de dançar connosco, a partilha de uma experiência, a acção. - pausou, de olhos postos nela - Sabes o que é o Tempo, querida?<br />A neta parou pensativa. Era uma pergunta que era mais complicada do que o que parecia.<br />- Não sei. O Tempo é o mexer dos ponteiros, não é, avô?<br />Uma estrondosa gargalhada ecoou na divisão iluminada pelo sol da tarde.<br />- Como tu és sábia, minha querida!... É quase isso. O Tempo é o que a Vida é. É o decorrer da Vida. É o que tu fazes na vida. São todos os instantes que acontecem, é tudo o que acontece. - olhou para a neta, para ver se ela o estava a entender - Os relógios só enganam. O teu verdadeiro relógio é o teu coração. - disse, picando-a ternamente com a ponta do indicador no peito.<br />Ela sorriu com a ideia do coração ter uns ponteiros e, de vez em quando, um cuco a saltar lá de dentro. De vez em quando, quando se assustava ou estava muito triste, sentia uma dor no coração. Será que era o cuco a picar-lhe o coração?<br />- Avô, gosto muito de ti! Quero ficar sempre contigo... - disse, com um sorriso na cara e uma seriedade de eras no que dizia, solene, sólida, ponderada. O momento era de uma doce violência que o apanhou desprevinido: era intenso, um daqueles momentos em que o Tempo se condensa, expandindo-se para lá da percepção dos sentidos, para lá da Razão. Os olhos do ancião marearam-se de lágrimas.<br />- Estás triste, avô? - disse, assustada.<br />- Não, querida, não... - respondeu, tranquilizante - Estou muito feliz. Também quero ficar contigo para sempre. E vou ficar contigo para sempre. - disse, inclinando a sua cabeça na direcção dela, encostando por fim a sua testa á testa dela - É uma promessa que tenciono cumprir! - e beijou-a na testa, sorrindo.<br />A neta saltou do colo do avô e correu para o jardim, aos saltinhos. Ele observou-a, na perfeição do momento. O conforto, o alpendre em que se encontrava, o jardim completamente florido, o perfume que se libertava das flores, intenso de calor e sensações, a neta que brincava por entre elas, no seu mundo perfeito. Um dia, o Tempo cobraria o preço desta e de outras bençãos, levando-o para outro mundo, desconhecido, por vezes assustador mesmo. Mas agora não era tempo disso: ele estava ali e isso, como poucas vezes na sua vida, fazia todo o sentido. Alongou o seu olhar até à linha do horizonte, vislumbrando o mar ao longe e deixou-se mergulhar noutros pensamentos de Verão<br /><br />A neta voltou ao colo do avô com um bicho que tinha encontrado no jardim. Era uma pequena lagartixa, apanhada desprevinida durante um banho de sol. O avô riu-se quando lha mostrou.<br />- Avô, o que é que as sardaniscas comem?<br />- Bicharada mais pequena que ela. Aranhiços, mosquitos, coisas assim... - Uma nuvem passou pelo rosto da neta.<br />- Que pena... se elas comessem o mesmo que nós, ficava com ela e dava-lhe de comer. Depois podia brincar muito com ela! Não era bom, avô?<br />- Era muito engraçado, querida, mas sabes... eu acho que é melhor as sardaniscas ficarem no jardim e nas pedras onde apanham sol. É que elas não gostam de viver em casas, como as pessoas, os cães, os gatos ou alguns passarinhos. Aborrecem-se muito. Depois ias querer brincar com ela e ela não ia querer. Não gostavas que isso acontecesse, pois não, linda?<br />Ela abanou a cabeça, olhando para o bicho que estava fechado dentro das suas mãos, só com a cabeça de fora, imóvel.<br />- Vou pô-la no muro outra vez. Assim ela fica contente! - sorriu - Se a voltar a encontrar, depois brinco com ela.<br />O avô riu-se e a criança foi a andar para o jardim, olhando para o bicharoco. Quando regressou, o idoso pegou de novo nas mãos da neta. Estavam agora ligeiramente sujas de terra e ele sacudiu-as com carinho, beijando-as no final. Eram tão pequenas comparadas com as suas. Parecia-lhe difícil acreditar que, um dia, também as suas foram assim. Era quase mágica essa modificação, mas assim era o Tempo: mágico, impassível no seu ritmo e seus humores, silencioso; um artista plácido. Embalado nestes pensamentos, continuou a embalar-se e à neta na cadeira de baloiço, saboreando o sol que se abeirava da linha do horizonte e a brisa cálida com sabor a sal, terra quente e mato que, em brincadeira, fazia breves aparições aos seus sentidos. Naquele momento, sentia os dias cinzentos, de lágrimas, de tristezas, tão úteis como o cimento entre os tijolos nas paredes de uma casa: não eram bonitos mas eram necessários para que a casa crescesse, sólida e inabalável a tempestades futuras, confortavel e acolhedora a dias de sol.<br />Olhou para a neta, que já dormia, mergulhada em sonhos de fábula que só ela sabia. As mãos, entreabertas e indefesas, pediam carinho sincero e amor livre, às mãos cheias, e ele beijou-a ternamente na testa. Aconchegou-a mais para si e, neste ninho improvisado, viajou pelos vales, montes e covas das suas mãos, olhos de regatos, olhando de novo para o Futuro, saudoso.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-10719611891189556902009-09-03T22:13:00.004+01:002009-09-04T04:56:05.854+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqAxLiiV9pI/AAAAAAAAAQE/biLv4tW86dE/s1600-h/DSC_0222-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 266px; height: 400px;" src="http://2.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/SqAxLiiV9pI/AAAAAAAAAQE/biLv4tW86dE/s400/DSC_0222-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5377352029399545490" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">If you hate a person, you hate something in him<br />that is part of yourself.<br />What isn't part of ourselves doesn't disturb us.</span></div><div style="text-align: center;"><br />Hermann Hesse (1877 - 1962)</div></blockquote><br />"Bolas! Grande bruto!", pensou uma senhora que lhe passou ao lado. "É melhor sair daqui depressa, não vá ele virar-se para trás e fazer-me qualquer coisa..."<br />- Anda, Vicêncio... - puxou pela trela do cãozito que acabava de fazer as suas necessidades ali perto. O pobre Pequinês emitiu um pequeno latido e começou a caminhar, após uns breves momentos de arrasto. A senhora de idade, apressou o passo, afastando-se e olhando sempre para trás.<br />Cristovão não ligou. Estava habituado àqueles olhares constantemente, sobretudo naquela pequena vila do interior, mais ainda depois de ter vindo da cidade grande, onde vivera quinze anos longe do local onde nasceu. A sua passagem em público fazia notar-se com todo o estrepidar de correntes que ostentava de vários pontos da sua vestimenta, os numerosos <i>piercing</i>'s que exibia, as tatuagens nos braços e pescoço e a roupa constantemente negra. Era uma indumentária que marcava bem a sua posição: "não se metam comigo, eu não me meto convosco". O seu rosto era também um cartaz desse aviso, bem exposto.<br />À sua passagem, a rua esvaziava-se. As crianças que brincavam na rua, desapareciam e o seu riso e gritos de brincadeira cessava de se ouvir; as conversas na esplanada dos cafés cessava; as pessoas de idade, mais frágeis, tomavam um rumo um pouco semelhante à das crianças, mantendo (como se viu pela senhora do cão) a sua posição até que Cristovão passasse. Eventualmente escutava pedaços de conversas meio cochichadas que sabia serem sobre si: os olhares atirados em simultâneo com esse opinar não deixavam margem para dúvidas (caso as houvesse) - "... aquela figura!...", "... vergonha nenhuma na cara...", "... um morto autêntico...", "... mais ferro que a minha casa inteira...", "... o pai dele o visse...", "... drogado...", "... entrava em casa, não!...". Cristóvão passava ao largo destas opiniões, seguindo sempre o seu caminho, impassível.<br /><br />D. Perpétua era o espelho da pequena comunidade. Impecável e sobriamente vestida, com o seu cabelo de prata quase geometricamente penteado, passava na rua, sendo cumprimentada pela população em geral. Frequentava os melhores círculos sociais, a igreja (da qual era a secretária do sr. Padre), líder da Liga Moral Comunitária e era largamente influente na opinião das pessoas que lhe pediam opinião sobre qualquer assunto, desde a culinária à politica local ou nacional, passando pela jardinagem, apicultura, moda ou etiqueta. Estava, portanto e sem admirar, sempre informada de tudo quanto se passava na vila. Era, no fundo, a verdadeira líder daquela localidade. Pessoa que não a cumprimentasse, ou fugisse do seu olhar, tinha os seus dias contados na estrutura social: sabia dos podres de cada um naquela terra e não hesitava em usar-se desses (ou doutros) "trunfos" (sempre cordialmente, claro está), nos bastidores ou (em casos mais drásticos e raros) frontalmente, para atingir os seus objectivos e (mais que tudo) manter a sua posição na pirâmide social da vila. No seu quadro perfeito e (quase) imaculado da sociedade perfeita que se orgulhava de ser a Criadora e Garante maior, só uma pessoa borrava a pintura: Cristovão.<br />Lembrava-se perfeitamente do dia em que regressou à vila. Ia a passar pelo Talho Central e viu, do outro lado da estrada, uma figura negra, cheia de metal, coberto de tatuagens de figuras inomináveis que descia do autocarro com uma mala igualmente negra. "Se os meus olhos não me enganam," pensou ajustando os pequenos óculos rectangulares, "Mas aquele é o 'pequeno' Cristóvão Gil, se não me engano!... Deus do céu, que figura horrorosa!!... espero que esteja só de passagem...", abanou a cabeça, seguindo caminho. Mas rapidamente desejou saber mais do que se estava a passar, mas sabia que a melhor maneira de saber era esperar que a notícia começasse a circular: rapidamente lhe chegaria aos ouvidos, dominando os canais de comunicação como dominava.<br />Mas nada se soube. Perguntou no Mercado, na Farmácia, no Talho, na Padaria se tinham ouvido algo "daquele jovem tão estranho...". Nada.<br />- Como assim nada?<br />- Nada, D. Perpétua! Ninguém sabe de nada, ao que ele vem, se vai sair de cá... não se sabe de nada. Só que ele está a viver na casa que era dos avós, Deus os tenha no seu Eterno descanso. - disse a Padeira, tão espantada como Perpétua.<br />- É impossível! Alguém tem que saber! Ele tem de se dar com alguém! Não pode viver sozinho, desligado de tudo e todos!<br />- Aí está a estranheza, D. Perpétua: ele <i>vive</i> isolado de tudo e todos. Sai de casa a meio da tarde e não se sabe a que horas chega de madrugada. Com aquele aspecto, de certeza que vai roubar, para arranjar dinheiro para a droga!...<br />- É o mais provável - disse Perpétua, olhando para o chão, pensativa - mas há que ver que só temos suposições.<br />- Pois e como diz o mandamento: "Não levanteis falsos testemunhos.", não é verdade D. Perpétua?...<br />- Pois, pois... - disse, com um ar saturado e gesticulando como que afastando qualquer coisa - mas um caso como o dele é especialmente grave. A segurança da Comunidade e a manutenção da Ordem, Moral e Bons Costumes podem estar em perigo. O Cristóvão <i>é</i> um mau exemplo! Pense nas crianças! Imagine o que é eles crescerem com... aquilo... ao pé deles. Inconscientes como são, os pobres anjinhos, não demorava muito a adoptarem o mesmo estilo de vida, arruinando-as, quiçá, para o resto das suas vidas.<br />- Tem razão D. Perpétua, como sempre!... O Cristóvão tem de sair daqui da terra o mais rapidamente possível.<br />- Humpf... - disse suspirando e pegando no saco com o pão - enfim... Na reunião de Quarta-feira da Liga, falaremos mais em pormenor deste assunto...<br />- Sim, D. Perpétua. Já agora, como está o marido da senhora? Já não o vejo há tanto tempo...<br />- Ai... muito mal, muito mal... - disse, tomando rapidamente um aspecto sofredor - aquele problema não tem maneira de melhorar... já está assim há tantos anos, desde que sofreu o AVC, coitado... a única coisa que posso fazer é proporcionar-lhe o maior conforto possível, dar-lhe o melhor que tenho e todo o meu tempo, a minha vida... mas enfim... - suspirou - só rezo para que Deus o mantenha comigo pelo maior tempo possível... todos temos a nossa cruz, não é verdade D. Silvina?<br />- É sim, D. Perpétua, é sim... - disse, abanando a cabeça - Então olhe, as melhoras para o seu marido! Tenha um bom dia para si e Deus vos guarde!<br />- Deus nos guarde a todos e nos dê o melhor conselho... Adeuzinho, D. Silvina! - e saiu, no seu passo decidido e algo apressado.<br />Ao longo dos dias, a curiosidade de Perpétua passou de uma ligeira comichão dentro de si para uma ferida no seu orgulho. Tinha de agir, e depressa, para que aquela situação se resolvesse rapidamente. Afinal, certamente a sua imagem estava em risco: a prolongar-se aquela situação, seria vista como incompetente e a sua margem de manobra, influência e reputação seriam severamente atingidas. Foi então que decidiu 'aumentar o lume' e começou a emitir opiniões sobre a hipotética vida de Cristóvão. E assim começaram as conversas em surdina e o clima de suspeição subiu de tom. Mas as coisas mantiveram-se na mesma: Cristóvão manteve o seu estilo de vida e a ferida moral dentro Perpétua começava a tornar-se numa chaga que obcessivamente lhe tomava a vida.<br />Decidiu então usar a artilharia pesada: o Padre a exortar os fiéis na homilia a afastarem-se de toda e qualquer influência das "ovelhas trasmalhadas da congregação", algumas insinuações públicas que as pessoas deviam fazer qualquer coisa pelas suas mãos e a influência sobre o chefe do posto da Guarda, seu sobrinho-neto, que eles tinham de o travar e investigar quais eram os seus intuitos.<br />- Sabe-se lá o que é que ele já armou por aí ou roubou!... - dizia, toda vermelha, tal era a sua ira.<br />- Não se preocupe, minha Tia. - disse o Tenente Vítor, com bonomia - Os meus homens vão tratar disso... vá descansada...<br />- Mas é mesmo para tratares disso! Não sejas como o teu avô, que Deus o tenha em descanso, que era um preguiçoso e incompetente de primeira apanha. A única coisa de jeito que fez foi casar-se com a minha irmã Maria do Carmo (nunca soube o que é que aquela rapariga viu nele!), que sempre lhe pôs alguma coisa no juízo e o tornou nalguma coisa útil à terra.<br />Nos dias que se seguiram, Cristovão foi várias vezes interpelado pela Guarda, sem que tivessem obtido informação relevante.<br /><br />- Está na hora do remédio, Adolfo!... Levanta-te, vá! - disse Perpétua, com desdém.<br />O pobre Adolfo, com um braço paralizado, consequência do AVC sofrido anos antes, tentava-se sentar na cama com muita dificuldade. Olhou para ela e nos seus olhos bailou um pedido de ajuda que lhe era difícil de verbalizar.<br />- Ohh, raios! Não faças esses olhos para mim, inútil de um raio! - disse, falando entredentes, enraivecida, dando-lhe uma palmada no ombro, que fez Adolfo desequilibrar-se e descair para a cama de novo. - Levanta-te já, maldito!... oh, tristeza da minha vida!...<br />Novamente, com esforço, Adolfo, melhor ou pior, conseguiu pôr-se sentado na cama. Perpétua fui até à caixa dos remédios e regressou com uma mão cheia de comprimidos.<br />- Toma! 'Tá aqui o copo de água... agora engasga-te ou vomita que é para me dares mais trabalho ainda!... até era melhor que te engasgasses, para ver se sufocavas e ias desta para melhor... velho empecilho!!<br />Adolfo levou os comprimidos à boca com a mão que ainda funcionava, trémula. Tomou-os com cuidado e bebeu a água com ainda mais cuidado.<br />- ...b'i'aado... - balbuciou o melhor que pôde.<br />- De nada, estropício! Agora vê se ficas aí quieto! Vou para a sala ver TV... qualquer coisa, geme alto...<br />Perpétua afastou-se sob o olhar mortiço e meio choroso do marido. Sentou-se na sala com a velha cadela aos pés, pegou no comando da TV e ligou no programa favorito que seguia com entusiasmo. Não pôde deixar de pensar no marido e como foi hábil em relegá-lo a uma posição meramente ornamental na sua vida.<br />"A minha mãe sempre disse: <i>'Filha, nunca deixes que um homem mande em ti!'</i> e tinha toda a razão. Era o que faltava ter um idiota a dizer-me o que podia ou não podia fazer, ler, pensar ou ir. Eu é que mando em mim, não um artolas armado em chefe." Lembrou-se de seguida do AVC de Adolfo, de como tinha sido providencial para que ele ficasse definitivamente afastado da sua vida. "Bem, ele <i>poderia</i> não vir a ficar incapacitado como está. Felizmente o meu sobrinho Albano é que o assistiu durante o AVC e 'compreendeu' o que é que eu pretendia sobre o estado de saúdo do Adolfo. Se não 'compreendesse' podia ser que a mulher e os colegas ficassem acidentalmente a saber de uns 'comportamentos' e 'hábitos' muito interessantes que ele tinha, e se nao me engano, ainda tem." Riu-se interiormente e, de dentro de uma cesta com revistas que tinha junto ao sofá, retirou do fundo uma pequena garrafa com whisky e deu um pequeno golo, deu um arroto curto, e continuou a ver o seu programa, satisfeita consigo mesma.<br /><br />Madrugada alta, Cristóvão regressava a casa. Já no quarteirão onde vivia, a algumas portas de distância, surgiram cinco ou seis encapuçados que o cercaram.<br />- Que querem? - disse, numa voz calma.<br />- O que é que estás cá a fazer, monte de lixo? - disse um deles, com tom ameaçador.<br />- Nada que vos interesse... - disse no mesmo tom calmo, tentando seguir em frente. Barraram-lhe o caminho com mais força.<br />- Sai da nossa terra, insecto! Isto não é lugar para criminosos! - disse um deles, com voz esganiçada<br />- Drogado! Agarrado duma figa!! - atirou-lhe outro mais enfurecido.<br />Cristóvão sentiu então o impacto de um objecto contundente na cabeça, sentindo uma dor fina e perdendo os sentidos de seguida. O que se passou de seguida foi um arraial de pancada épico que o deixou num estado absolutamente lastimável. Passados um par de horas, recuperou consciência e tentou levantar-se. Foi com dificuldade que conseguiu e que se arrastou até casa, onde conseguiu chamar uma ambulância que o assistisse.<br /><br />Depois de alguns dias internado, regressou a casa, com um braço engessado e várias zonas que tinham sido suturadas. A velha casa dos seus avós, onde tinha sido tão feliz em infância, tinha sido o último refúgio de uma vida que lhe tinha trazido recentemente uma profunda tristeza, um inenarrável sentimento de perda e de dor. Todos dias, ao regressar a casa, em silêncio, após uma tarde no trabalho como dono de uma loja de discos em segunda mão e uma noite a prestar auxílio a quem mais precisava nas ruas da cidade grande, pegava numa das poucas coisas que trouxe da sua vida anterior: um álbum de fotografias. Percorria-o religiosamente, página por página, acariciando de quando em vez o rosto daqueles que tinha perdido numa tragédia da qual não eram culpados.<br /><br /><i>No regresso de uma viagem pelo país, na companhia dos pais e da noiva que amara (e o amara a ele) desde criança, sofrera um violentíssimo acidente de viação, tendo um camião desgovernado ido contra o carro em que seguiam. Os pais morreram de imediato e a noiva ficou em estado crítico, não tendo conseguido resistir após alguns dias em coma. Cristóvão recuperara a consciência e conseguira sobreviver à tragédia com alguns ossos partidos e inúmeras escoriações quando soube do triste destino que os que mais amava sofreram. Durante alguns meses, tentou retomar a sua vida mas tudo à sua volta o relembrava da vida anterior e das pessoas que perdera. Tentando expiar a sua dor e disfarçar as cicatrizes do acidente, dedidira ir-se tatuando de simbolos e cenas dessa vida do passado, levando as fotos da família, da noiva e de situações em que todos estavam presentes aos artistas para que as imortalizassem na sua pele. Quis transportar essa dor também para um plano ainda mais físico e decidira colocar os vários piercings em diversas partes do seu corpo. Mas a dor não partiu, nunca partiu, nunca o deixaria, sabia-o. Extenuado de uma vida de farsa, deixou o anterior emprego, vendeu a casa onde vivia e a maioria do recheio e decidiu mudar-se para a casa dos avós na vila, onde melhores memórias o rodeariam...</i><br /><br />Cristóvão pousou o álbum. Deixou-o escorregar, sem reacção, entre os dedos, para cima da cama. Como sempre, tinha os olhos mareados de lágrimas que teimavam em não escorrer pela face, como se nem os seus olhos tivessem a força para exprimir qualquer emoção mas apenas um vislumbre da tempestade que o assolava interiormente. A dor física, a viagem da cidade até casa, mais que tudo, a saudade, a dor que trazia na sua Alma, a indignação do que lhe tinha acontecido, tinham-no extenuado e ele inclinou-se lentamente na cama, deitando-se de lado. No meio da tormenta interior e da chuva que lhe caia das janelas da Alma, Morfeu consolou-o, embalando-o nos seus braços.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-88960406473083673012009-09-02T20:11:00.001+01:002009-09-02T20:17:14.463+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/Sp7DPd8eQ2I/AAAAAAAAAP8/fSF6ERIDd0Y/s1600-h/DSC_0067-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 266px; height: 400px;" src="http://4.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/Sp7DPd8eQ2I/AAAAAAAAAP8/fSF6ERIDd0Y/s400/DSC_0067-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5376949675630674786" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">As human beings, we are endowed with freedom of choice, <br />and we cannot shuffle off our responsibility <br />upon the shoulders of God or nature.<br />We must shoulder it ourselves. It is up to us.</span></div><br /><div style="text-align: center;">A. J. Toynbee (1889-1975)</div></blockquote><br />Ocupado com algum trabalho, não me foi possível escrever nenhuma ficção ou um ensaio mais demorado hoje. Por isso escolhi uma citação de um famoso historiador inglês que, por si só, diz muita, muita coisa. Achei muito interessante o facto de ser a pessoa que é, com a sua carga de isenção e agnóstica como supostamente um historiador deve ter, a reconhecer duas coisas que sublinharei: o facto de reconhecer perfeitamente que a liberdade de Escolha é um Dom Humano (coisa que, normalmente, é um dado adquirido). A segunda coisa é o reconhecimento da responsabilidade pessoal enquanto seres individuais e humanos. Consequência do Livre Arbítrio, a Responsabilidade é a filha natural, e para muitas pessoas é como se fosse filha bastarda, de tão renegada que é. Estes dois factos estão, portanto, interligados. Toynbee faz a síntese perfeita numa frase, englobando também Deus e a Natureza. Sim, é um facto que Deus está presente em tudo e que a Natureza, Seu heterónimo, é o modo como tudo se articula. Mas não é a justificação última dos nossos actos e nossos gestos. O facto de ser livre é precisamente o garante de uma responsabilidade pessoal, não alheia. Pessoalmente, creio que Deus existe, sim, em tudo, mas tudo o que acontece é consequência de actos nossos, escolhas nossas ao ver, pensar, fazer... No fundo, creio ser tudo uma questão de deixar Deus mostrar a sua cara, ou escondê-la em véus de Egoismo.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8565568.post-40232003996774853612009-09-01T21:03:00.000+01:002009-09-01T21:03:54.981+01:00<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/Sp1-DGi9i3I/AAAAAAAAAP0/YKP4CcJpfLg/s1600-h/DSC_0273-1.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 400px; height: 266px;" src="http://1.bp.blogspot.com/_lYdRHN-cBZs/Sp1-DGi9i3I/AAAAAAAAAP0/YKP4CcJpfLg/s400/DSC_0273-1.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5376592121912200050" /></a><br /><blockquote><div style="text-align: center;"><span style="color:#000000;">He had discovered a great law of human action, without knowing it - namely, that in order to make a man or a boy covet a thing, it is only necessary to make the thing difficult to obtain.</span></div><span style="font-style:italic;"><div style="text-align: center;">Mark Twain (1835 - 1910), "The Adventures of Tom Sawyer", Chapter 2</div></span></blockquote><br />Todos os dias ele passava à frente daquela loja. Era mais forte do que ele. Ficava exactamente 5 minutos em frente da montra, especado a olhar para a bicicleta esmaltada. Entrava num estado quase hipnótico, de adoração profunda por aquele objecto, um amor superior ao que tinha pela maioria das pessoas que conhecia. Nessa altura não se lhe podia dizer nada: quem se atrevesse a tamanho sacrilégio, era capaz de apanhar com um pontapé nas canelas, uma pisadela nos pés ou uma ferroada na mão. Mas com força. Era o 'seu' momento. Nada o podia estragar.<br /><br />Valério não tinha uma bicicleta. Era o único miudo da sua rua que não tinha uma bicicleta, o que o colocava no ponto mais baixo da escala social do seu grupo de amigos e de fora de muitas das brincadeiras. Para eles, as bicicletas não eram só bicicletas, eram os seus cavalos, os seus carros, os seus aviões, as pernas e as asas que os levavam para longe daquela rua, em direcção a um mundo tão real e possível como o jantar que tinham na mesa à sua espera, à noite. Valério não tinha, às vezes, jantar à espera dele. Muitas vezes, em substituição, tinha uma carga de porrada por ter estado a brincar em vez de ter ido trabalhar, que é como quem diz, ir pedir na rua ou ir com o pai apanhar cartão nos caixotes para vender às fábricas para reciclar. Então, quando se dignava a fazer o único emprego que era suposto exercer, recebia em géneros: colheres de pau, lambadas, uma cadeirita ou outra ou até uma mesa quando ia de encontro às mesmas. E jantar que devia ter, era mentira. "<i>Nesta casa só come quem trabalha! Já para a cama, bandido!</i>", gritava-lhe a mãe enquanto o fustigava. Por isso, sempre que lhe advinha uma forte vontade de brincar, Valério não perguntava à sua consciência ao que é que queria brincar; perguntava, isso sim, ao seu estômago se tinha muita ou pouca fome nesse dia. Conforme a resposta, haveria brincadeira ou não.<br /><br />A bicicleta lá estava: nova, reluzente, com os pneus por estrear (ainda com aquelas espículas de fábrica), mesmo da sua côr preferida. Era o seu sonho, nunca abdicaria dele. Um dia, levá-la-ia dali e com ela faria a mais longa viagem da sua vida, para longe da sua rua, para longe daqueles amigos que o ostracizavam, dos pais, dos irmãos que ainda eram piores, dos colegas da escola (que de quando em vez diziam que cheirava mal - mas como, se ele tomava banho todos os dias!), no fundo, para longe da realidade em direcção a um mundo em que não houvesse pancada, em que o jantar existisse sempre a tempo e horas na mesa (de preferência, bifes com batatas fritas e ovo estrelado), em que os colegas não dissessem que cheirava mal e em que os amigos não o deixassem para trás. Aquela bicicleta era a chave, a Liberdade, o Sonho, o seu Tudo. Mas 5 minutos depois, o sonho terminava. O sr. Freitas fechava a montra e a visão que ele tinha acabava. Não o sonho, esse perdurava na sua fértil mente pelo resto da tarde, pela noite dentro. O sr. Freitas não era mau: simplesmente tinha de fechar, e Valério compreendia. A noite estava a chegar e as pessoas tinham o jantar à espera na mesa; se fosse ele também ia a correr. A noite também era a melhor parte do dia para Valério. Era quando tudo ficava em silêncio, quando não havia ninguém que o chateasse (tirando um eventual espernear de um dos 4 irmãos com quem dividia a cama), quando a seguir havia o pequeno-almoço antes de ir para a escola, mas era, acima de tudo, quando podia mergulhar no seu mundo de sonhos e, assim, visitar a sua montada de sonho. Todos os dias, ao acordar, pensava 'Aquela bicicleta vai ser minha!' e depois de esfregar a cara com um pouco de água fria e sabão azul e branco, lá se preparava para ir comer uma pequena côdea de pão meio-seco com marmelada e um copo de leite.<br /><br />Era o fim das aulas daquele ano. Como sempre, a criançada saía a correr das aulas aos gritos, com mil sonhos alimentados a dias de Sol e banhos de Mar. Todos menos Valério. Ele saía de mãos nos bolsos, meio acabrunhado, a olhar para trás, a desejar ardentemente que as férias acabassem no dia a seguir. Valério gostava da escola - mas não dos colegas que diziam que ele cheirava mal -, da professora, de desenhar, do giz na ponta dos dedos, do que lia nos livros. Era bom saber que havia mais terra para além daquela em que vivia, que havia coisas diferentes e novas a ver, caminhos a percorrer, comidas a experimentar, pessoas a conhecer. Na escola, como à noite, Valério sonhava.<br />Saindo dos portões, ia caminhando para casa, passando como sempre pelo sr. Freitas. Hoje tinha mais tempo, tinha saído mais cedo, e o seu coração estremeceu de entusiasmo - podia ficar a ver o que mais desejava durante mais tempo, sentia que ia ficar mais perto dela. Mas a hora chegou e a loja teve de fechar. Como sempre, o sr. Freitas saiu cá fora e começou a puxar o gradeamento, sorrindo para Valério.<br />- Olá Valério!<br />- Olá sr. Freitas. - respondeu, meio envergonhado, desviando por momentos o olhar da bicicleta.<br />- Então? Último dia de aulas, não foi?<br />- Sim. Foi bom. Houve uma festa, os meninos levaram bolos, cantámos, desenhámos... mas já acabou.<br />- E tu? Levaste bolos?... - perguntou Freitas, dando à manivela do gradeamento, conhecedor da situação da criança.<br />- Não... - baixou os olhos por instantes - Levei uma garrafa de sumo. Os bolos são muito caros.<br />- Pois são... E agora, que vais fazer nas férias?<br />- Não sei. Devo andar com o meu pai a apanhar cartão por aí. E depois vou à ribeira tomar banho se ele não tiver nada para me dar a fazer. Os meus irmãos que ainda vão à escola também vão estar de férias.<br />- E tu brincas com eles? - Deu um empurrão final, com algum esforço, ao gradeamento, trancando-o.<br />- Não. Eles já são muito velhos, não me querem nas brincadeiras deles. - disse, olhando para o chão e à volta.<br />- Entao e tiveste boas notas na escola? - disse Freitas, olhando para ele.<br />- Tive. - esboçou um sorriso - A sra. Professora disse que tive boas notas e que me porto muito bem nas aulas, tirando quando dizem que cheiro mal. Aí vou até a quem me disse isso e dou-lhe um estalo. Mas a sra. Professora nunca me bateu por isso, só me afastava e dizia para me sentar logo, e eu ia.<br />- Pois, tens de ter mais calma. As coisas não se resolvem com pancadaria. - Valério olhou para o lado, envergonhado. - Mas ainda bem que tiveste boas notas, Valério!<br />- Sim... - encolheu os ombros.<br />- Olha, tive uma ideia. Vamos fazer um trato: eu tenho uma bicicleta muito parecida com esta no armazém. Era do meu mais novo, só que ele cresceu e já não pode andar nela. O trato é: se quiseres vir aqui dar-me uma mãozinha no armazém, a tirar as coisas que chegam dos caixotes e a trazê-las para a loja e a fazer estes trabalhos assim mais levezinhos, eu vou-te emprestando a bbicicleta dele. Se te portares bem, no final do Verão, dou-ta. Mas tens de cá vir todos os dias, percebes?<br />Os olhos de Valério brilharam como uma estrela ao nascer. Seria possível? Uma bicicleta sua? Só sua? A chave da sua Liberdade ali tão perto, tão à mão? Sorriu largamente e olhou para o sr. Freitas.<br />- Sim!! Eu prometo que venho cá todos os dias!<br />- Óptimo! - disse, passando-lhe a mão pelo cabelo, despenteando-o. - Eu vou falar com os teus pais para eles ficarem a saber. Mas tens que cá estar todos os dias às 9h da manhã! Combinado?<br />- Combinado!!<br /><br />O sr. Freitas acompanhou-o então até casa e falou com os pais. Ao início, não estavam a gostar muito da ideia mas Freitas sabia esgrimir bem os seus argumentos e assim, após largos minutos de conversa, os pais deram a sua permissão - pelo menos o miúdo sempre iria ter alguma recompensa pelo trabalho que faria, e andava entretido em vez de andar na boa vida.<br />Nessa noite Valério mal dormiu. Ao jantar ouviu os mil conselhos dos pais (com algumas ameaças à mistura) e foi-se deitar. Desde o 'sim' que não caminhava: pairava pelo chão. Mal via a hora de pôr as mãos na bicicleta e sair por aí pedalando, rolando, voando pelos caminhos fora. O entusiasmo era tanto que mal dormiu nessa noite. Só queria que a manhã chegasse.<br />E chegou. Como prometido, e depois de mais uma sessão de avisos da mãe, às 9h lá estava ele à porta da loja.<br />- Bom dia Valério! Estás bom? - disse sorrindo. Via bem na cara da criança que todo ele irradiava de antecipação da felicidade.<br />- Bom dia, sr. Freitas. Sim, estou!<br />- Estás pronto para um dia de trabalho? - Abriu a porta da loja.<br />- Estou!<br />- Ainda bem! Olha, já comeste?<br />- Já... comi o costume, um bocadinho de pão e leite.<br />- E não querias mais?<br />- Não, não tenho mais fome!<br />- Tu vê lá!... se tiveres fome diz que vamos ali à frente e eu compro-te um bolito...<br />Valério encolheu os ombros, meio envergonhado.<br />- Não é preciso, obrigado!<br />- Então olha, toma lá esta chave, vais buscar a manivela e vais puxar o gradeamento da montra.<br />Parecia um sonho: ele, a abrir a montra do sr. Freitas. Os colegas nem iam acreditar nele quando lhes contasse. Ao abrir, com alguma dificuldade, o gradeamento, viu de novo o seu sonho, ali, em frente a ele.<br />Ao longo do dia, seguiram-se mais tarefas: trazer alguns brinquedos para a loja, limpar o pó a algumas coisas em armazém, varrer o chão do armazem, contar quanto é que havia de cada produto armazenado. Ao chegar ao fim do dia, o sr. Freitas disse-lhe:<br />- Valério, anda cá. Quero-te mostrar a bicicleta. - disse, dirigindo-se às traseiras do armazém. Descobrindo um velho oleado, lá estava ela. Os olhos de Valério brilharam. Não era muito diferente, de facto, da bicicleta da montra - a côr era diferente e estava mais esbatida, e tinha alguns arranhões no quadro. Os pneus estavam, obviamente, vazios, e os calços dos travões estavam meio gastos, mas serviam para o efeito.<br />- Que tal? Temos de lhe dar um bocado de ar, claro, mas é quase como se estivesse nova. Só tem uns 7 ou 8 anos.<br />- É linda sr. Freitas.<br />- Então olha, o teu trabalho para o resto do dia de hoje é ires dar-lhe ar. Se vires que a câmara de ar está rota, pegas nela e vais ali ao sr. Germano, da oficina, e pedes-lhe para remendar ou, se for preciso, trocar a câmara.<br />Valério acenou com a cabeça e foi à procura da bomba de ar. Assim que encontrou, começou a bombear com algum esforço. Sabia, pelo que tinha visto dos amigos, que não podia dar muito ar senão rebentava. Esperou alguns minutos e ia encostando o ouvido aos pneus para ver se ouvia alguma fuga. Teve sorte, parecia não haver. Imediatamente pegou nela pelo guiador e pôs-se a andar com ela às voltas pelas traseiras da loja. Ao ver isto, o sr. Freitas disse, espantado:<br />- Então rapaz, não te montas nela?<br />- Não, sr. Freitas! Eu não sei andar...<br />- Não sabes andar? Ora essa!! É tão fácil!<br />- Pois, mas eu não sei... - e virou a cara envergonhado.<br />- Temos de tratar disso. - olhou para fora do armazém - Anda p'ra ali p'ra fora. Bem, agora prepara os pedais como se fosses começar a pedalar e põe um dos pés em cima de um deles. Isso... Agora, quando começares a pedalar, sentas-te logo e continuas a pedalar sempre. Olha <u>sempre</u> em frente, nunca te esqueças disto! Se precisares de travar, carrega no travão de trás que é este da direita ou, p'ra não ser tão complicado, nos dois ao mesmo tempo. Eu vou estar sempre aqui a segurar-te atrás. Percebeste?<br />- Sim!<br />- Estás pronto?... - Valério acenou com a cabeça - Então vá. Primeiro os pedais... Isso... E agora, upa!... Vai, continua a pedalar, sem medo, isso... vamos... <br />- Não me largue! - exclamou, começando a olhar para trás.<br />- Não, fica descansado!... olha sempre em frente!... vai... agora vira, dá a volta, isso... trava, vais muito depressa... boa, agora só com o direito... Isso, vai... continua a pedalar... dá a volta outra vez mas não te esqueças de travar antes de curvar... boa, é isso tudo... vá, já chega, agora trava para parares... quando estiveres quase a parar põe um pé no chão... Isso! Vês? Está quase!<br />- Siim!... - disse Valério, ofegante.<br />- Quando fecharmos a loja, vamos para a rua, que sempre tem mais espaço e depois treinamos mais um bocadinho. Agora arruma um bocado a bicicleta, põe-na no descanso e vem-me ajudar.<br />Os minutos custaram a passar até ao fecho mas lá chegou a hora. Depois da loja fechada, Freitas e Valério pegaram na bicicleta e foram para a rua em frente.<br />- Lembras-te do que te disse?<br />- Sim! Preparar os pedais, olhar sempre em frente, travar antes das curvas e sempore com o direito.<br />- Muito bem! Então vamos lá!<br />Freitas pegou no selim e ajudou Valério a começar a pedalar. Passados 15 metros, Freitas soltou-o.<br />- Estou a ir bem, sr. Freitas?<br />- Estás, continua a pedalar e não olhes para trás... isso... vai...<br />Instantes depois, Valério olhou para trás e percebeu que Freitas já não estava a segurá-lo. A suspresa levou-o a desequilibrar-se por momentos mas continuou em frente. Quando achou que estava longe, deu a volta, como Freitas lhe tinha ensinado e dirigiu-se a ele. Assim feito, travou com o direito, quase desequilibrando-se ao parar.<br />- Muito bem Valério! Viste como foi fácil!!<br />- Eu assustei-me sr. Freitas! Devia ter-me dito que me ia largar!<br />- Hahahahah!! Se to dissesse irias ficar sempre à espera. Assim, percebeste que conseguias andar sem mim! Que tal a sensação?<br />Valerio não respondeu. O seu sorriso dizia tudo, aquele sorriso de criança que vale mais que todas as palavras do mundo, que qualquer descrição. Freitas sorriu também.<br />- Então agora vais dar mais uma voltinha, mas só tu, que é p'ra depois irmos embora, ok? Vai lá...<br />Assim foi. Posto isso, foram arrumar a bicicleta e seguiu cada um para o seu lado, despedindo-se com um caloroso 'ate amanhã'. Freitas olhou para trás e viu Valério a correr, saltitando.<br /><br />No resto do Verão, Valério fez sempre mais ou menos a mesma coisa na loja, empenhando-se sempre no que fazia e chegando sempre a horas. Freitas admirava-lhe a aplicação nas tarefas, a pontualidade e bebia da sua alegria. "Este rapaz se assim se mantiver, tem um belo futuro pela frente. Que pena lá em casa aquilo... enfim...". De vez em quando iam lanchar juntos mas a hora pela qual Valério ansiava era sempre a do fecho, a hora do reencontro com as suas asas. A cada dia que passava, aventurava-se cada vez mais longe, pelo que perto do início do ano lectivo já dava a volta ao quarteirão. E o sorriso mantinha-se sempre.<br />Chegou-se ao ultimo dia de férias. Freitas, à despedida, disse-lhe:<br />- Amanhã começas as aulas, não é?<br />- É sim... - Valério baixou os olhos.<br />- Bem, este Verão passou a correr não foi?<br />- Foi...<br />- Bem... - Freitas olhou para o lado - se quiseres vir cá de vez em quando, quando tiveres tempo, sabes que preciso sempre aqui de uma mão.<br />- A sério? - Valério ficou com um miste de felicidade e espanto na cara.<br />- Sim, claro! Gosto muito de te ter por cá. Se quiseres vir cá amanhã, fico muito contente.<br />- Se eu amanhã tiver tempo, eu passo, eu prometo! - disse, aos saltos.<br />- Então cá te espero... Até amanhã Valério... e entra com o pé direito!<br />- Está bem! Até amanhã sr. Freitas!<br />Dito e feito. Nesse ano, Valério ficou com as aulas de manhã o que lhe deixava as tardes livres. Assim que saiu da escola, foi ter com Freitas de sorriso nos lábios. Antes de entrar, reparou que a bicicleta que sempre quisera já tinha desaparecido da montra. Freitas, ao vê-lo, sorriu também.<br />- Olá miúdo!<br />- Olá sr. Freitas!... puf... - expirou de cansaço.<br />- Então, estás cansado? Como foi o dia de aulas?<br />- Foi bom, a sra. Professora é a mesma!<br />- E trabalhos de casa? Já tens?<br />- Já... tenho a composição sobre as minhas férias para fazer.<br />- Então olha, ainda bem: Aproveitas para descansar um bocadinho, sentas-te ali à secretária do meu escritório e fazes a composição. Depois vamos lanchar, que dizes?<br />- Está bem! - pegou na mochila coçada e foi para o escritório, pondo-se a fazer a composição. Quando terminou, lancharam juntos. Durante o lanche Valério perguntou:<br />- O que aconteceu à bicicleta da montra?<br />- Vendi-a. Uma senhora passou por cá e comprou-a de manhã.<br />- Ah... está bem... - e calou-se, resignado. Valério sempre quisera aquela bicicleta mas, tendo aprendido na outra, começara-se a afeiçoar a essa, pelo que a surpresa não o deixou muito aborrecido.<br />Aproximou-se a hora de fecho.<br />- Valério?... Anda cá se faz favor.<br />- Diga!...<br />- Não vais andar de bicicleta um bocadito?<br />- Posso ir, sr. Freitas? - disse, sorrindo como costume.<br />- Podes, mas olha que de manhã chegaram umas encomendas e tive de arrumar a bicicleta debaixo do oleado outra vez. Vai lá e tira-a com cuidado!...<br />- Ok, sr. Freitas, obrigado! - e saiu a correr.<br />Freitas ficou com um sorriso nos lábios. Valério, ao chegar ao oleado, puxou-o para trás com cuidado. Ao fazê-lo o seu coração pulou de alegria e os seus olhos nem podiam acreditar: a velha bicicleta estava lá mas tinha companhia. Ela era brilhante, cromada, com mudanças e suspensão, com um volante muito mais estilizado até que a bicicleta da montra, o seu velho sonho. Percebia-se nitidamente que era um modelo mais recente. Valério esfregou os olhos imensas vezes.<br />- Sr. Freitaaas!!! - gritou ele, chamando.<br />- Diz Valério! - respondeu ele, imediatamente por trás dele, sorrindo.<br />- Esta bicicleta... é nova!<br />- Sim, é!<br />- É do seu filho, ou do seu neto?<br />- Não Valério.<br />- Então é de quem?<br />- É tua Valério! Comprei-a para ti.<br />Freitas nunca tinha visto tamanha alegria. Valério pulava, gritava, corria de alegria. Quando parava, ficava especado a olhar para a prenda, quase com medo de lhe tocar. Era bom de mais para ser verdade. Desaparecendo para o interior do armazém, Freitas comovido, ia fechando a loja. Valério, esse, vivia aquilo que era.Héliohttp://www.blogger.com/profile/13847278853623237432noreply@blogger.com4