I must not fear. Fear is the mind-killer.
Fear is the little-death that brings total obliteration.
I will face my fear. I will permit it to pass over me and through me.
And when it has gone past I will turn the inner eye to see its path.
Where the fear has gone there will be nothing.
Only I will remain.
Frank Herbert (1920 - 1986),
Bene Gesserit Litany against Fear, from "Dune"
Ele chega, sorrateiramente, aproximando-se sem fazer barulho, por entre as luzes do dia a dia, sem lhes tocar, observando-nos, aprendendo atentamente todos os nossos segredos, todas as nossas falhas, todos os nossos podres, todas as pequenas cordinhas que nos fazem saltar a tampa. Ele quase que é todas essas coisas personificadas num pequeno demónio que nos atenta sempre que menos esperamos, ou quando mais esperamos. Mas o pior é, sem dúvida, quando ele se aproveita das coisas que nos enchem o coração, mimetiza o que sabe nos fazer feliz, e ataca violentamente, sem dó, nem piedade.
Não o temo. Não sou aquilo que ele é. Sei que muitas vezes, vezes a mais, me deixo levar pela sua essência, vou na sua cantiga, e me torno outra pessoa, me torno aquilo que não creio ser realmente. Possuiu-me. Usou-me e descartou-me. Fez o seu propósito, para além de toda a animalidade latente, para além de todo o instinto que desperta, para além de qualquer recompensa negativa que lá saberá ter. Não sou ele. Ele transforma, ele muda o consciente em inconsciente, em reflexos selvagens e faces distorcidas, e, quantas vezes, em lágrimas. Vem sempre acompanhado e, mais cedo ou mais tarde, acaba sempre por mostrar com quem é que vem.
É, apesar de não o temer, um adversário a não desprezar. E é mesmo um adversário. É uma guerra que se trava constantemente, em que o opositor se adapta em contínuo e em tempo real, a todas as estratégias, informações, técnicas, características que possamos ter ou vir a adquirir. É uma luta, primeiro, em reconhecê-lo, segundo, em poder deitá-lo abaixo. A primeira exige esperteza, a segunda exige ainda mais esperteza e mais engenho até. Ter em conta que é um adversário imutável é cometer a maior das asneiras. Assumir que desapareceu de vez, é a nossa derrota mais copiosa e profunda. No jogo de espelhos com que ele nos brinda, perder o juízo entre distinguir se é ele ou se é, de facto, a realidade, perdendo-nos a nós pelo caminho, é um risco sempre real e quase certo até.
Há, no entanto, algo do qual ele não pode, nunca poderá imitar: o Bem, a Luz e o Amor Universal, o Amor de Deus. Isso é tudo aquilo que ele não é, nunca foi, nem nunca será. E, no entanto, acaba por ser uma sua ferramenta. Voz populi, vox dei, já diziam os antigos e com isto a sabedoria popular adquiriu uma aura de infalibilidade que nem o Papa, com os seus dogmas, conseguiu ter. O Tempo veio a cobri-la de razão e, neste âmbito, recorro agora a um dito popular de realismo quase ubíquo: "O que não mata, engorda", e na mais profunda tradição popular de dizer as coisas por meias palavras, também esta apresenta um significado diferente do que aparenta - de facto, não me estou a ver tomar cianeto para ganhar mais uns quilos. Assim, depois de ultrapassada, inequivocamente, a primeira etapa - o reconhecimento - do desfecho da segunda só se pode obter um destes dois resultados: ou a nossa queda, ou um triunfo terminal. De qualquer das formas, associado a este combate, está sempre, quer na vitória quer na derrota, uma lição. De substância, conteúdo e magnitude diametralmente opostos, claro está, mas sempre uma lição. Mais, é uma oportunidade única.
Como eu tinha dito, não o temo. Antes, quero reconhecê-lo cada vez mais e melhor, que é como quem diz, mais rápido e sem dúvidas. Só assim poderei aprender mais rapidamente. Só assim poderei ser (mais, e mais vezes) feliz (mais) rapidamente. E, bonus, tornar os outros à minha volta ainda mais felizes. Porque é que isso é tão importante para mim? Uma pergunta destas só merece uma resposta de criança: porque sim. Há coisas que nascem connosco e que têm que ser demonstradas, têm que brilhar. E quando isso acontece, essas coisas começam a gritar dentro de nós, pedindo para sair por aí, correndo e anunciando aos 7 ventos o que tem de ser anunciado, a fazer o que tem de ser feito. Suprimir não é uma opção. Há coisas contra as quais é inútil lutar. E assim que se lhes dá uma pontinha de corda, elas ganham balanço, ganham vida e tudo começa a fazer sentido, tudo se conjuga para que aconteçam. E é nas alturas em que os próximos passos - pequenos ou grandes - têm de ser dados que ele aparece. Ameaçador, terminal, terrível, redutor. O som é terrível mas a pergunta é clara: tens a certeza que queres fazer isso? tens a certeza que é esse o caminho correcto?. Porque é este peso da sua ilusória irreversibilidade que nos pesa no coração, na consciência. Daí o som terrível. O peso da consequência. O peso da responsabilidade. O peso de escolher e de não vermos volta a dar assim que decidirmos. Porque o Tempo passa, não é? Sim, nos relógios, nas nossas células, nos nosso gestos, na finitude irritante e peganhenta de tudo o que acontece. E uma coisa tão irritante tinha de ter um nome: Tempo. Tem - po. Tem - po. Tem - po. Início e fim. Início e fim. E no meio, não haverá nada? Claro que sim! Existe aquilo que conta e que se encadeia, quase imperceptivelmente com aquilo que o precedeu e que o precederá. Haverá precedente e procedente? Na nossa mente, a criadora e dedutora, há. Na realidade, duvido. Se a Matemática, rosto divino, criou a noção de infinitesimal, ponto único, contínuo infinitesimalmente com o Antes e Depois num espaço Complexo, porque não se haverá de chamar a esse ponto, Agora? É uma realidade. O ponto antes e depois são dedutíveis logicamente mas existirão? Eu só conheço e existo neste ponto em que estou, neste Agora. E ele (já se tinham esquecido d'ele?) é fruto da lógica. Ele é tão fino e ilusório, antes, a importância d'ele é tão fina e ilusória quanto a lógica que o criou é válida e objectiva. Daí que ele a consome. Ele existe. Mas não sou eu. É uma prova por vezes, é uma lição, noutras e quase sempre. De qualquer forma, é uma oportunidade. É um ponto. Só existe naquele momento concreto e existirá noutros pontos quando ou enquanto julgarmos que existe, quando ou enquanto a lógica e, por vezes, a máquina-cérebro continuar a insistir que é contínuo, comum a vários pontos interligados entre si ou não. Comum, só a escolha que faço. Esta, consciente (o mais possível). Livre.