31 de agosto de 2009


Anything that has real and lasting value is always a gift from within.
Franz Kafka (1883 - 1924)

O Sol pôs-se.

Sentado. Fumo a escoar-se lentamente entre os dedos.

Não era um facto extraordinário, era comum, banal, certo... Tinha-o visto tantas vezes mas, desta vez, aquele astro flamejante punha-se com cores que lhe evocavam um estado de alma algo melancólico... melancólico não era a palavra, nostálgico. Isso sim, era isso que aquilo lhe parecia: uma ode à Nostalgia, à Saudade. Sabia-o bem, os tempos de antanho não voltariam mais, os centos de 'pôres-do-sol' que viu não voltariam atrás, os beijos trocados sob essa Luz ingrata, encantadora e ladra, os risos partilhados, os silêncios em reverenda adoração de um deus cronométrico e luminoso, os abraços quentes que se desejavam infindos e tão brilhantes quanto aquele que nos aquecia, também não.
"Oh, the Hell with it!", pensou e deu a volta ao carro.
O sol poente ainda queimava na retina, mas mais do que isso, queimava-lhe na alma a fuga inevitável do tempo e dos acontecimentos entre as mãos. A intangibilidade do que tinha acabado de acontecer era-lhe 'mind boggling', sempre o tinha sido e não iria deixar de ser. Inconformado com o correr do tempo, tentava agarrar eternamente, congelados, os momentos que melhor lhe sabiam mas mesmo esses, saboreados até quase à exaustão, teimavam em escapar-se-lhe pela 'mão'.
"One day, I'll freeze the freakin' Time...".
Máxima incongruência, o Tempo não se congela fisicamente. Ele apenas se cristaliza em minúsculas fracções na nossa mente, em lâminas, por vezes, tão cortantes como o gelo de Tempo que ele queria criar com a sua máquina revolucionária. Não lhe chegava magoar-se tantas vezes mental (e emocionalmente) com os cristais mentais? Era preciso cortar-se também fisicamente para saber que estava vivo? Esvair-se lentamente em sangue como em lágrimas de dor ou de saudade boa? Não lhe restava outra alternativa senão esperar que aqueles momentos que vivia se pudessem repetir novamente, e novamente, e novamente, numa 'perpetuum mobile machinatio' que, ainda assim, não lhe chegaria...

Sucedânio de Idealismo Fasível.

Cada momento é único precisamente pela sua volatilidade, por ser tão ténue, tão intocável ou incompreensível. Perpassa. E ele sabia disso. Ao querer desejar tornar palpável aquilo que ele não compreendia, arriscava-se a criar um monstro (ou mais, quem sabe) que o poderia(m) dominar 'ad vitam'.
"Too risky".
O instante cristalizado é a energia do 'todo-agora' concentrada num momento tangível. A mais destruidora das armas. A anti-matéria definitiva. Para que é que quereria ele criar isso? Mero capricho de um ego insatisfeito? Desejo de ser um deus à sua maneira?
"It'd be cool, 'though..."
Não se é senhor do Tempo. Ninguém o é, pelo menos deste lado da história. Nem no rio que corre, se pode agarrar na água toda, nem que esteja ela congelada. Não é dele, não é de ninguém. Para que é que seria preciso tocar na água toda? O precioso cenário que vislumbraria ficaria então arruinado pois é na intangibilidade do momento que reside a graça do que se assiste e se vive. E nem pensar em congelar as emoções adjacentes, para para sempre ficar nesse estado de êxtase e pura euforia. Também isso não é vida, pelas razões que, obviamente, se conhecem. É, no entanto, mais possível e há quem o consiga... e quem tenha sido destruído por isso.
"A Brazilian friend of mine used to say: 'quem vive de Passado, é livro de História e traça de biblioteca!' "

Ao chegar a casa, olhou pela janela da sala e viu a lua, gorda que nem um queijo, a sorrir-lhe por entre mares e continentes. O desejo de fixar esse momento assaltou-o de novo mas a sua alma simplesmente agradeceu, fez uma educada vénia, tirou-lhe uma foto, apagou o cigarro que fumava e dedicou-se ao seu jantar, o seu 'Agora' gritante, fugaz e imediato, completo.

2 comentários:

Sílvia disse...

Mais uma vez o viver no agora....q tarefa tão difícil quase tanto como congelar o tempo...a única forma de congelá-lo é na nossa memória mas até essa é uma malandra e por vezes troca-nos as voltas....:)
Gostei da frase do amigo brasileiro e de mesmo no fim ele tentar mais uma vez congelar o tempo mesmo q fosse numa fotografia...

Mag disse...

Com o passar do tempo, aprende-se a gostar desse bandido, mesmo que venha com rugas na face, amores perdidos e falta de forças. Porque também nos tráz novos saberes e sabores, outras paixões, outros cuidados, e nos faz crescer a alma.
E, no fundo, temos todo o tempo do mundo... não temos? Por isso, mais vale viver no presente...
Beijo grande