9 de setembro de 2008

Como pode um som nos fazer voltar à inocência perdida de outros tempos? uma aragem, um aroma regressar a tempos há muito passados, como se de um eco se tratasse? Subitamente o que julgávamos perdido volta. Não é doce, nem amargo, apenas é. Sempre esteve lá, sempre ocupou o seu lugar, sempre marcou a sua presença inequívoca que nós quisemos esquecer no dia-a-dia, concentrados em algo que entendemos que deveria acontecer.
Olhou para o telhado, para aquela pequena esquina onde quase se pendia, meio quebrada, uma simples telha e, sem dar conta, viajou no tempo a uma altura em que não havia electricidade ou gás, somente o calor humano de uma casa, um pequeno pedaço de lenha a arder sobre o lar e as conversas soltas (com mais ou menos entusiasmo) se faziam sentir entre as paredes. Passeou à chuva da manhã, da tarde e da noite, escutou silêncios que não voltam mais e chorou silenciosamente sem ninguém ver, entalado entre a emoção da perda e da descoberta das coisas que, espante-se, não mudaram.

Fez uma pequena curva. "Hoje vou por aqui...". Entrou num túnel e, tangivelmente, era um túnel do Tempo. Outro. Regressou à idade dos risos, das despreocupações, do epicurismo inconsciente que é a infância. Respirou fundo e pensou que, não podendo ser tudo, certas coisas haviam de ser sempre iguais... pelo menos o estado de espírito com que se vivia, se não noutras vidas, nesta vida, que, no fundo é aquela que importa. Mas sabia que as coisas têm que mudar, perdendo coisas, pessoas, lugares pelo caminho...

(...e, até que ponto, não nos perdemos a nós também? Creio que do ponto de vista (certo ou erróneo) que nós somos aquilo que nos rodeia e com o qual convivemos, se perdermos essas coisas à volta, acabamos por perdermos aquilo que somos. E a isto eu pergunto: aquilo que somos, ou aquilo que já não precisamos de ser? E esta pergunta acaba por eliminar o pressuposto que nós somos o que nos rodeia. Porque nós NÃO somos SÓ aquilo que nos rodeia. Isso, aprendi ultimamente, são meros sinais do ponto em que estamos. Também é, mas não somos só. Mais do que isso, podemos sempre voltar sempre àquelas coisas que ficaram para trás, sem que nos tornemos naquilo que éramos nessa altura.)

Mas, naqueles dias, tudo lhe parecia fora do vulgar. Parecia não existir neste mundo, sentindo-se um mero transeunte a observar e vigiar o que o rodeava. O porquê, não o sabia. Passava pelas coisas e as coisas não deixavam nele, por vezes, a mínima marca. Outras, as mais simples por vezes, deixavam nele uma indelével marca e faziam-no mergulhar numa espiral de pensamentos sobre o seu propósito no mundo. O mundo não era, a seus olhos, o mesmo mundo em que crescera, não se sentia integrado nas coisas, sentia que as coisas que fazia eram soltas como uma folha à deriva na superfície de um lago. Antes, sentia-se como que bem enquadrado numa figura, onde tudo o que fazia era suposto e tinha uma razão. Agora não conseguia perceber o motivo pelo qual as coisas aconteciam. Irritava-o esse desconhecimento ignóbil mas já tinha desistido de tentar perceber, por isso, (a contra-gosto) deixava-se levar. A incerteza dessa vida era angustiante por um lado). Ele não gostava de surpresas e não saber o que aí vinha era desesperante. Afinal, uma vida passada a régua e esquadro tinha sido o seu ideal até há uns tempos. Agora, nem isso. Era angustiante para ele sentir-se trancado numa esquadria que outros tinham desenhado por si, ou com o seu auxílio. Saber que o dia-a-dia seria sempre assim deixava-o fora de si.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

O meio termo é difícil de encontrar por vezes, e outras, (como é provavelmente o caso) está mesmo à frente e uma pessoa até desconfia por ser tão fácil. Fácil até pode ser, mas o busílis está em, dentro de nós, aceitarmos que, de facto, é mesmo aquilo que procuramos. As coisas nem sempre se apresentam na forma que esperamos. E no meio deste chorrilho de (creio eu) lugares comuns alguma coisa há-de ser verdade.
Na vida dele, a Verdade era algo que era e que não era. Acostumado a certas verdades, agora mentiras, encontrava mentiras de antigamente que se revelavam verdades estranhamente absolutas. Tentem reconstruir uma casa num terreno que não conhecem e verão. Ele não conhecia este terreno e, apesar de ter entrado nele de livre e espontânea vontade, não lhe agradava.... para já... Preferia muito mais, de vez em quando, voltar a visitar as pessoas, lugares e caminhos em que tinha vivido, voltar aqueles sítios segurinhos, bonitinhos (nos quais gostaria de ter ficado tranquilo - a ganhar mofo e desperdiçado, talvez) procurando (qual vampiro) alimentar-se dalguma da atmosfera que ainda aí se poderia sentir, voltando a sentir-se, por breves instantes, inteiro. Mas, por ora, a visão daquela telha, meio quebrada, com musgo, serviu para fazer virar uma pagina que, não querendo que existisse, teve que existir para que pudesse sentir/perceber que um ciclo se fechava e, assim, pudesse crescer.

1 comentário:

Unknown disse...

Gostei muito de ler o k escreveste. DE volta aos testamentos! E que doce que foi... Suave como uma brisa e calmo como uma melodia... Mas profundo e duro, eu sei! Continua! Sabe bem acalmar este desatino de todos os dias, com pensamentos tão tranquilos. Um grande beijinho