8 de dezembro de 2007

Pegando na sugestão da Nocas, cá vai o meu contributo para a cadeia (esta até é interessante) da pag. 161...

E reza assim a dita página...

"-Quero lá saber da próxima geração, querido. O que me interessa, somos nós.
- Só és rebelde da cintura para baixo - afirmou ele.
Para ela, o dito soava extremamente espirituoso, e apertou Winston nos braços, encantada.
Os meandros da doutrina do Partido não lhe despertavam o mínimo interesse. Sempre que ele começava a falar dos princípios do SOCING, do duplopensar, da mutabilidade do passado, da negação da realidade objectiva, e se punha a usar palavras de novilíngua, ela mostrava-se maçada e confusa dizendo não ligar a essas coisas. Já se sabia que eram tudo balelas, por isso de que servia estar alguém a ralar-se? Sabia quando aplaudir e quando apupar, e chegava! À insistência dele em falar sobre tais assuntos, tinha o hábito desconcertante de adormecer. Era capaz de adormecer a qualquer hora e em qualquer posição. Conversando com ela, Winston percebeu a facilidade em exibir uma aparente ortodoxia sem se ter a menor noção do que era a ortodoxia. De certo modo, a visão que o partido fomentava do mundo e das coisas impunha-se com maior êxito às pessoas incapaz de a compreender. Podia-se levá-las a aceitar as mais flagrantes violações da realidade, porque nunca viam claramente a enormidade do que se lhes pedia, nem se interessavam suficientemente pela vida pública para se aperceberem do que estava a acontecer. Graças à falta de entendimento, conservavam saúde de espírito. Engoliam tudo e mais alguma coisa, e o que engoliam não lhes fazia mal, pois não deixava atrás de si o menor resíduo, como grãos de milho, sem serem digeridos, entram e saem pelo corpo de um pássaro."

1984, George Orwell (pag. 161 da edição portuguesa pela editora Antígona)

Não foi nada fácil escolher um excerto com sentido próprio para se colocar aqui... Ora, como eu não tenho amigos blogueiros, pela minha parte fico por aqui... :)