"If you would be a real seeker after truth, it is necessary that at least once in your life you doubt, as far as possible, all things." René Descartes
O cérebro humano tem uma propriedade prodigiosa: esquecer-se que tudo o que está à nossa volta é transitório. E dentro desta segurança nas coisas, está o facto de acharmos que muitas coisas há que são eternas e que estarão sempre lá. Aliás, essa tendencia de pensamento começa logo desde cedo: o normal comportamento de um adolescente é de fazer as coisas achando-se Imortal. A morte é, nessa idade, uma daquelas coisas que está mesmo muito muito longe... Há planos que se fazem tendo em conta isso mesmo. Aliás, um plano, para existir, pressupõe uma base solida e consistente.
O que fazer, então, quando essa base, na realidade, não existe?
Reparem, a Dúvida Sistemática de Descartes não é a negação da Existência das coisas. Uma coisa existe... mas também pode não existir. É uma espécie de plano de contingência. E, para mim, uma maneira de verificar a veracidade, a realidade das coisas. Descartes pensava da seguinte forma: "só tenho uma certeza: eu existo." Aliás, é dele a celebre frase, que eu parafraseei dando origem ao título deste blog: "Penso, logo existo (Cogito, ergo sum)". E a partir daí constroi-se todo um sistema de pensamento. A dúvida sistemática leva à evolução das coisas. Porque é como se se pusesse todo o Universo a trabalhar, a mover-se. Ao questionar as coisas, e tudo o que lhes diz respeito, adquire-se uma nova perspectiva, avaliando a necessidade da existência das mesmas coisas, a sua pertinência, se são adequadas, o que se deve mudar, como se deve mudar, entre outras belezas do género. Para tudo isto, é necessário um forte sistema lógico e a constante verificação das premissas de base, garantia que a dedução final é válida e logicamente real.
Podemos, com tudo isto, incorrer no erro de aceitar pressupostos e "realidades" de outros como nossas. Mas isso é um erro que vai contra a premissa fundamental "só eu existo (porque penso)". É importante questionarmos tudo, ams tudo mesmo. Não é, como se vê, um imperativo de cariz espiritual (ou só desse cariz). É um imperativo da Vida. Há que duvidar das coisas, duvidar da sua certeza, procurando justificar a sua existência com razões e provas válidas.
A busca de provas é algo que se prova, muitas vezes, infrutífera. A dúvida sistemática não obriga à procura de provas, mas simplesmente, raciocinando sobre a existência das coisas. É um princípio básico dos racionalistas e, como é natural, um racionalista só pens em termos teoricos, para depois poder aplicar as suas deduções à realidade. É claro que a teoria é a mãe da prática e, como boa filha, esta fornece à mãe as provas... quando lhe convém e elas sejam possiveis de ser entendidas pela nosso limitado aparelho sensitivo. É por isso que eu prefiro aplicar a dúvida sistemática como um ponto de partida. Mas não é fácil lembrarmo-nos de o usar. Como disse no início, o nosso cérebro gosta de ter dados seguros e certos sobre os quais trabalhar e, quando não os têm nem sabe se os terá, assume que eles existirão, algures... é um erro que causa muitos transtornos mas que pode ser evitado. Mas não se preocupem (as almas mais perturbadas por falta de solo firme). Porque assim que começarem a duvidar sistematicamente das coisas, rapidamente encontram pressupostos mais logicos e realistas que vos deixarão mais tranquilos quanto ao futuro (um futuro, lembro, do qual nunca fomos nem seremos donos). E assim, sem saberem, terão evoluido mais um bocadinho.
27 de setembro de 2008
21 de setembro de 2008
Ele avançou pelo pavilhão adentro. Trazia o seu instrumento na mão e algum receio. "Está na hora", pensou e assim, levantou a cabeça. O que traria aquela noite? Uma coisa era certa: memórias, e isso já estava a trazer.
Sabia que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer. Era inevitável, tal como ele sabia pela experiência anterior, que os dois grupos teriam que se encontrar para "medir forças". Não era fácil para ele estar agora no "outro" grupo, um grupo que ele próprio não via com bons olhos aquando da sua primeira passagem por aquelas paragens.
Metam isto na cabeça: nunca nos livramos completamente das situações que nos foram importantes. Mais cedo ou mais tarde acabamos por ir parar ao "local do crime". Mas as boas notícias são que as coisas nunca são iguais duas vezes. Ou antes, cabe a nós que as coisas não sejam iguais duas vezes. Vocês gostam de comer duas vezes seguidas (em duas refeições) a mesma coisa? Isso pode sempre acontecer mas está tudo nas nossas mãos, se gostámos da ultima refeição e queremos repetir, ou se queremos mudar. Deixando as dicas gastronómicas, são às lições do passado que devemos ir buscar as raízes das nossas escolhas, se é que queremos que tudo corra da melhor maneira possível, se queremos que alguma coisa mude, se queremos que as coisas sejam ainda melhor.
"-Tenho uma coisa para te dizer...
- Força!
- Lembras-te do quanto eu vos fazia a vida negra?
- Se lembro. Aquilo era terrível...
- Pois era. Na altura eu era um grande sacana, bastante diferente, acho daquilo que sou agora. E é por isso mesmo que te quero pedir desculpa por todas as coisas que eu te fiz e aos outros."
N. não respondeu. Continuou a falar das coisas estúpidas que lhes chegou a fazer mas ele reconheceu nos olhos de N. que este ficara surpreendido com o pedido de desculpas. Estava na altura de acertar contas e ele sabia-o. Assim o fez e isso trouxe-lhe um pouco mais de tranquilidade no meio de todo aquele remoinho de emoções. Foi com muita comoção que reencontrou velhos companheiros de caminhada, que suaram ao Sol com ele e apanharam chuva, que partilharam glórias e derrotas, com os quais se riu e chorou, com os quais partiu à descoberta de novos mundo, e, mais importante que tudo isso, com os quais cresceu. Reencontrar tais anjos no caminho é um prazer ao qual raramente se dava. No final, a ansiedade que antecipou o acontecimento deu lugar a uma tranquilidade e alegria que fez com que não quisesse sair dali. Afinal, há passados que vale toda a pena relembrar...
Sabia que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer. Era inevitável, tal como ele sabia pela experiência anterior, que os dois grupos teriam que se encontrar para "medir forças". Não era fácil para ele estar agora no "outro" grupo, um grupo que ele próprio não via com bons olhos aquando da sua primeira passagem por aquelas paragens.
Metam isto na cabeça: nunca nos livramos completamente das situações que nos foram importantes. Mais cedo ou mais tarde acabamos por ir parar ao "local do crime". Mas as boas notícias são que as coisas nunca são iguais duas vezes. Ou antes, cabe a nós que as coisas não sejam iguais duas vezes. Vocês gostam de comer duas vezes seguidas (em duas refeições) a mesma coisa? Isso pode sempre acontecer mas está tudo nas nossas mãos, se gostámos da ultima refeição e queremos repetir, ou se queremos mudar. Deixando as dicas gastronómicas, são às lições do passado que devemos ir buscar as raízes das nossas escolhas, se é que queremos que tudo corra da melhor maneira possível, se queremos que alguma coisa mude, se queremos que as coisas sejam ainda melhor.
"-Tenho uma coisa para te dizer...
- Força!
- Lembras-te do quanto eu vos fazia a vida negra?
- Se lembro. Aquilo era terrível...
- Pois era. Na altura eu era um grande sacana, bastante diferente, acho daquilo que sou agora. E é por isso mesmo que te quero pedir desculpa por todas as coisas que eu te fiz e aos outros."
N. não respondeu. Continuou a falar das coisas estúpidas que lhes chegou a fazer mas ele reconheceu nos olhos de N. que este ficara surpreendido com o pedido de desculpas. Estava na altura de acertar contas e ele sabia-o. Assim o fez e isso trouxe-lhe um pouco mais de tranquilidade no meio de todo aquele remoinho de emoções. Foi com muita comoção que reencontrou velhos companheiros de caminhada, que suaram ao Sol com ele e apanharam chuva, que partilharam glórias e derrotas, com os quais se riu e chorou, com os quais partiu à descoberta de novos mundo, e, mais importante que tudo isso, com os quais cresceu. Reencontrar tais anjos no caminho é um prazer ao qual raramente se dava. No final, a ansiedade que antecipou o acontecimento deu lugar a uma tranquilidade e alegria que fez com que não quisesse sair dali. Afinal, há passados que vale toda a pena relembrar...
13 de setembro de 2008
Nuvens. Ontem vi algumas. Mas não eram nuvens normais. Achei estranho o carácter tão ténue e negro daquelas nuvens (se é que lhes posso chamar isso). Eram umas nuvens muito ligeiras, muito finas, não muito altas (tanto que pensei estar embrenhado nas mesmas) mas muito escuras. Nada mais havia no céu sem ser essas nuvens... e um pôr do sol magnífico. Era isso que me "perturbava", o carácter único dessas nuvens, no meio de um cenário tão positivo. E, além disso, notava-se claramente que elas estavam a ser sopradas desta zona para fora...
Olhei e sorri. "Que bela analogia!". As nuvens que se tinham aglomerado sobre a minha cabeça lentamente tinham começado a ser sopradas para bem longe, onde se podiam ver o quão ridículas eram, comparadas com tudo o resto que se passava à minha volta. No entanto tinham sido o suficiente para estragar a paisagem.
Tudo na Vida é uma escolha. É muitas vezes difícil de analisar imparcialmente, em absoluto (haverá absolutos na vida?) a dimensão, a gravidade de algo, a sua importância, o seu peso. Sabemos na pele o quanto nos afecta (quando nos afecta), o quanto dói e isso muda dramaticamente a nossa perspectiva sobre as coisas. Mas há que transcender as coisas, aquilo que nos acontece e eu sei o quanto isso é tão difícil, assim que começamos a centrarmo-nos em nós mesmos. É preciso olhar, abrir os olhos, se não formos capazes por nós, que procuremos alguém ou algo que nos ajude a fazê-lo. O poder está dentro de nós, é só querer mesmo alcança-lo, com propósito puro, com todo o coração e ver o que, querendo, aparece sempre. A Luz, como todos (consciente e inconscientemente) sabem, conquista sempre a escuridão, sendo que o contrário nunca se verifica.
Uma curva, outra curva, agora uma recta... acelerou. A paisagem deslizava suavemente a seus pés, os cenários sucediam-se a uma velocidade confortável. Estava com pressa, é verdade, mas sabia que aquele momento era irrepetível, que aquela manhã não voltaria a acontecer e, depois, tudo era novidade, tudo era fresco como o riso de uma criança. Apreciou pois. Memórias distantes assomaram à sua cabeça e ele riu-se. As nuvens, para ele, já estavam longe. Visíveis (ainda) mas longe. O seu coração era de novo isso mesmo: seu! Sentia-o no mais profundo do seu ser, sentia que a sua Vida (mais do que nunca) era isso mesmo: sua! Sabia também que a Vida iria ter as suas quezílias, chatices, lágrimas; era um facto assumido. Não agora. Ao rolar por aquelas estradas simples, rodeado de tão agradável paisagem, sentia que a sua Vida era como o cenário em que se deslocava; nublada ou solarenga, ela Era assim, em toda a sua plenitude e todas os seus matizes. Agora, era altura de aproveitar o Sol.
Olhei e sorri. "Que bela analogia!". As nuvens que se tinham aglomerado sobre a minha cabeça lentamente tinham começado a ser sopradas para bem longe, onde se podiam ver o quão ridículas eram, comparadas com tudo o resto que se passava à minha volta. No entanto tinham sido o suficiente para estragar a paisagem.
Tudo na Vida é uma escolha. É muitas vezes difícil de analisar imparcialmente, em absoluto (haverá absolutos na vida?) a dimensão, a gravidade de algo, a sua importância, o seu peso. Sabemos na pele o quanto nos afecta (quando nos afecta), o quanto dói e isso muda dramaticamente a nossa perspectiva sobre as coisas. Mas há que transcender as coisas, aquilo que nos acontece e eu sei o quanto isso é tão difícil, assim que começamos a centrarmo-nos em nós mesmos. É preciso olhar, abrir os olhos, se não formos capazes por nós, que procuremos alguém ou algo que nos ajude a fazê-lo. O poder está dentro de nós, é só querer mesmo alcança-lo, com propósito puro, com todo o coração e ver o que, querendo, aparece sempre. A Luz, como todos (consciente e inconscientemente) sabem, conquista sempre a escuridão, sendo que o contrário nunca se verifica.
Uma curva, outra curva, agora uma recta... acelerou. A paisagem deslizava suavemente a seus pés, os cenários sucediam-se a uma velocidade confortável. Estava com pressa, é verdade, mas sabia que aquele momento era irrepetível, que aquela manhã não voltaria a acontecer e, depois, tudo era novidade, tudo era fresco como o riso de uma criança. Apreciou pois. Memórias distantes assomaram à sua cabeça e ele riu-se. As nuvens, para ele, já estavam longe. Visíveis (ainda) mas longe. O seu coração era de novo isso mesmo: seu! Sentia-o no mais profundo do seu ser, sentia que a sua Vida (mais do que nunca) era isso mesmo: sua! Sabia também que a Vida iria ter as suas quezílias, chatices, lágrimas; era um facto assumido. Não agora. Ao rolar por aquelas estradas simples, rodeado de tão agradável paisagem, sentia que a sua Vida era como o cenário em que se deslocava; nublada ou solarenga, ela Era assim, em toda a sua plenitude e todas os seus matizes. Agora, era altura de aproveitar o Sol.
9 de setembro de 2008
Como pode um som nos fazer voltar à inocência perdida de outros tempos? uma aragem, um aroma regressar a tempos há muito passados, como se de um eco se tratasse? Subitamente o que julgávamos perdido volta. Não é doce, nem amargo, apenas é. Sempre esteve lá, sempre ocupou o seu lugar, sempre marcou a sua presença inequívoca que nós quisemos esquecer no dia-a-dia, concentrados em algo que entendemos que deveria acontecer.
Olhou para o telhado, para aquela pequena esquina onde quase se pendia, meio quebrada, uma simples telha e, sem dar conta, viajou no tempo a uma altura em que não havia electricidade ou gás, somente o calor humano de uma casa, um pequeno pedaço de lenha a arder sobre o lar e as conversas soltas (com mais ou menos entusiasmo) se faziam sentir entre as paredes. Passeou à chuva da manhã, da tarde e da noite, escutou silêncios que não voltam mais e chorou silenciosamente sem ninguém ver, entalado entre a emoção da perda e da descoberta das coisas que, espante-se, não mudaram.
Fez uma pequena curva. "Hoje vou por aqui...". Entrou num túnel e, tangivelmente, era um túnel do Tempo. Outro. Regressou à idade dos risos, das despreocupações, do epicurismo inconsciente que é a infância. Respirou fundo e pensou que, não podendo ser tudo, certas coisas haviam de ser sempre iguais... pelo menos o estado de espírito com que se vivia, se não noutras vidas, nesta vida, que, no fundo é aquela que importa. Mas sabia que as coisas têm que mudar, perdendo coisas, pessoas, lugares pelo caminho...
(...e, até que ponto, não nos perdemos a nós também? Creio que do ponto de vista (certo ou erróneo) que nós somos aquilo que nos rodeia e com o qual convivemos, se perdermos essas coisas à volta, acabamos por perdermos aquilo que somos. E a isto eu pergunto: aquilo que somos, ou aquilo que já não precisamos de ser? E esta pergunta acaba por eliminar o pressuposto que nós somos o que nos rodeia. Porque nós NÃO somos SÓ aquilo que nos rodeia. Isso, aprendi ultimamente, são meros sinais do ponto em que estamos. Também é, mas não somos só. Mais do que isso, podemos sempre voltar sempre àquelas coisas que ficaram para trás, sem que nos tornemos naquilo que éramos nessa altura.)
Mas, naqueles dias, tudo lhe parecia fora do vulgar. Parecia não existir neste mundo, sentindo-se um mero transeunte a observar e vigiar o que o rodeava. O porquê, não o sabia. Passava pelas coisas e as coisas não deixavam nele, por vezes, a mínima marca. Outras, as mais simples por vezes, deixavam nele uma indelével marca e faziam-no mergulhar numa espiral de pensamentos sobre o seu propósito no mundo. O mundo não era, a seus olhos, o mesmo mundo em que crescera, não se sentia integrado nas coisas, sentia que as coisas que fazia eram soltas como uma folha à deriva na superfície de um lago. Antes, sentia-se como que bem enquadrado numa figura, onde tudo o que fazia era suposto e tinha uma razão. Agora não conseguia perceber o motivo pelo qual as coisas aconteciam. Irritava-o esse desconhecimento ignóbil mas já tinha desistido de tentar perceber, por isso, (a contra-gosto) deixava-se levar. A incerteza dessa vida era angustiante por um lado). Ele não gostava de surpresas e não saber o que aí vinha era desesperante. Afinal, uma vida passada a régua e esquadro tinha sido o seu ideal até há uns tempos. Agora, nem isso. Era angustiante para ele sentir-se trancado numa esquadria que outros tinham desenhado por si, ou com o seu auxílio. Saber que o dia-a-dia seria sempre assim deixava-o fora de si.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
O meio termo é difícil de encontrar por vezes, e outras, (como é provavelmente o caso) está mesmo à frente e uma pessoa até desconfia por ser tão fácil. Fácil até pode ser, mas o busílis está em, dentro de nós, aceitarmos que, de facto, é mesmo aquilo que procuramos. As coisas nem sempre se apresentam na forma que esperamos. E no meio deste chorrilho de (creio eu) lugares comuns alguma coisa há-de ser verdade.
Na vida dele, a Verdade era algo que era e que não era. Acostumado a certas verdades, agora mentiras, encontrava mentiras de antigamente que se revelavam verdades estranhamente absolutas. Tentem reconstruir uma casa num terreno que não conhecem e verão. Ele não conhecia este terreno e, apesar de ter entrado nele de livre e espontânea vontade, não lhe agradava.... para já... Preferia muito mais, de vez em quando, voltar a visitar as pessoas, lugares e caminhos em que tinha vivido, voltar aqueles sítios segurinhos, bonitinhos (nos quais gostaria de ter ficado tranquilo - a ganhar mofo e desperdiçado, talvez) procurando (qual vampiro) alimentar-se dalguma da atmosfera que ainda aí se poderia sentir, voltando a sentir-se, por breves instantes, inteiro. Mas, por ora, a visão daquela telha, meio quebrada, com musgo, serviu para fazer virar uma pagina que, não querendo que existisse, teve que existir para que pudesse sentir/perceber que um ciclo se fechava e, assim, pudesse crescer.
Olhou para o telhado, para aquela pequena esquina onde quase se pendia, meio quebrada, uma simples telha e, sem dar conta, viajou no tempo a uma altura em que não havia electricidade ou gás, somente o calor humano de uma casa, um pequeno pedaço de lenha a arder sobre o lar e as conversas soltas (com mais ou menos entusiasmo) se faziam sentir entre as paredes. Passeou à chuva da manhã, da tarde e da noite, escutou silêncios que não voltam mais e chorou silenciosamente sem ninguém ver, entalado entre a emoção da perda e da descoberta das coisas que, espante-se, não mudaram.
Fez uma pequena curva. "Hoje vou por aqui...". Entrou num túnel e, tangivelmente, era um túnel do Tempo. Outro. Regressou à idade dos risos, das despreocupações, do epicurismo inconsciente que é a infância. Respirou fundo e pensou que, não podendo ser tudo, certas coisas haviam de ser sempre iguais... pelo menos o estado de espírito com que se vivia, se não noutras vidas, nesta vida, que, no fundo é aquela que importa. Mas sabia que as coisas têm que mudar, perdendo coisas, pessoas, lugares pelo caminho...
(...e, até que ponto, não nos perdemos a nós também? Creio que do ponto de vista (certo ou erróneo) que nós somos aquilo que nos rodeia e com o qual convivemos, se perdermos essas coisas à volta, acabamos por perdermos aquilo que somos. E a isto eu pergunto: aquilo que somos, ou aquilo que já não precisamos de ser? E esta pergunta acaba por eliminar o pressuposto que nós somos o que nos rodeia. Porque nós NÃO somos SÓ aquilo que nos rodeia. Isso, aprendi ultimamente, são meros sinais do ponto em que estamos. Também é, mas não somos só. Mais do que isso, podemos sempre voltar sempre àquelas coisas que ficaram para trás, sem que nos tornemos naquilo que éramos nessa altura.)
Mas, naqueles dias, tudo lhe parecia fora do vulgar. Parecia não existir neste mundo, sentindo-se um mero transeunte a observar e vigiar o que o rodeava. O porquê, não o sabia. Passava pelas coisas e as coisas não deixavam nele, por vezes, a mínima marca. Outras, as mais simples por vezes, deixavam nele uma indelével marca e faziam-no mergulhar numa espiral de pensamentos sobre o seu propósito no mundo. O mundo não era, a seus olhos, o mesmo mundo em que crescera, não se sentia integrado nas coisas, sentia que as coisas que fazia eram soltas como uma folha à deriva na superfície de um lago. Antes, sentia-se como que bem enquadrado numa figura, onde tudo o que fazia era suposto e tinha uma razão. Agora não conseguia perceber o motivo pelo qual as coisas aconteciam. Irritava-o esse desconhecimento ignóbil mas já tinha desistido de tentar perceber, por isso, (a contra-gosto) deixava-se levar. A incerteza dessa vida era angustiante por um lado). Ele não gostava de surpresas e não saber o que aí vinha era desesperante. Afinal, uma vida passada a régua e esquadro tinha sido o seu ideal até há uns tempos. Agora, nem isso. Era angustiante para ele sentir-se trancado numa esquadria que outros tinham desenhado por si, ou com o seu auxílio. Saber que o dia-a-dia seria sempre assim deixava-o fora de si.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
O meio termo é difícil de encontrar por vezes, e outras, (como é provavelmente o caso) está mesmo à frente e uma pessoa até desconfia por ser tão fácil. Fácil até pode ser, mas o busílis está em, dentro de nós, aceitarmos que, de facto, é mesmo aquilo que procuramos. As coisas nem sempre se apresentam na forma que esperamos. E no meio deste chorrilho de (creio eu) lugares comuns alguma coisa há-de ser verdade.
Na vida dele, a Verdade era algo que era e que não era. Acostumado a certas verdades, agora mentiras, encontrava mentiras de antigamente que se revelavam verdades estranhamente absolutas. Tentem reconstruir uma casa num terreno que não conhecem e verão. Ele não conhecia este terreno e, apesar de ter entrado nele de livre e espontânea vontade, não lhe agradava.... para já... Preferia muito mais, de vez em quando, voltar a visitar as pessoas, lugares e caminhos em que tinha vivido, voltar aqueles sítios segurinhos, bonitinhos (nos quais gostaria de ter ficado tranquilo - a ganhar mofo e desperdiçado, talvez) procurando (qual vampiro) alimentar-se dalguma da atmosfera que ainda aí se poderia sentir, voltando a sentir-se, por breves instantes, inteiro. Mas, por ora, a visão daquela telha, meio quebrada, com musgo, serviu para fazer virar uma pagina que, não querendo que existisse, teve que existir para que pudesse sentir/perceber que um ciclo se fechava e, assim, pudesse crescer.
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