28 de julho de 2009


If we cannot live so as to be happy,
let us at least live so as to deserve it.
Immanuel Hermass von Fichte

Um dia passei por um mendigo, um dos que toca nas estações do metro, com um ar deveras andrajoso mas sempre orgulhoso no seu tocar. Foi precisamente isso que me fez parar para admirá-lo: o seu absoluto ar de felicidade enquanto tocava a sua guitarra. Tocava razoavelmente, nada por aí além, e com um repertório bastante limitado. Fiquei a pensar no que levava aquele homem a persistir no seu ar tão feliz apesar da sua situação económica aparentar ser bastante desfavorável. A tocar daquela maneira, não seria daquela forma que sairia da sua situação, se é que pretendia atingir o estrelato no panorama musical.

Fui para casa a pensar no assunto. Pelo caminho, em contraste, vi centenas de caras de pessoas: nenhum sorriso; pior, nenhum vislumbre de verdadeira felicidade, da luz que irradia o rosto, toda a pessoa, e que vem do mais íntimo do nosso ser. Se eu perguntasse a uma parte dessas pessoas o que é para elas a felicidade, creio que a grande maioria limitar-se-ia a dar uma definição dependente de bens materiais ou da saúde que não têm e que gostariam de ter. Ou seja, a felicidade, para essas pessoas, seria ter aquilo que não têm, seja o que for que não tenham. È comos e a felicidade não residisse dentro delas, é como se a felicidade residisse num objecto, num lugar, noutra pessoa, noutro estatuto social, noutro estado de saúde. É como se a realidade em que vivem não fosse suficiente para que se considerassem felizes, é como se sentissem amarrados a algo que os puxasse para baixo ou, pelo menos, que não os deixasse sair de onde estão.
Eu compreendo-os. Não sou muito diferente e, tendo sido educado nesta cultura em que só o patamar mais alto que conseguimos atingir é que é valorizado (uma situação bem definida pelas palavras do meu pai: "Uma pessoa deve deixar nesta vida mais coisas do que aquelas que recebeu."), muitas vezes sinto-me angustiado por não conseguir ter mais, por esta altura, do que aquilo que aquilo que tenho. Quero simplesmente mais, é quase um pesnamento surreal, irracional, um reflexo condicionado ao simples facto de nos levantarmos de manhã: assim que abrimos os olhos, imediatamente temos que fazer qualquer coisa do nosso dia, tenho que justificar o dia, tenho de chegar logo à noite com qualquer coisa feita, tenho quase de justificar o oxigénio que respiro, senão ando nesta vida a vê-la passar, sou uma vergonha para a sociedade, sou um parasita, sou um inútil, etc etc, enfim, todos aqueles belos epítetos que a sociedade desenvolveu para que as pessoas assim que acordassem de manhã, vivessem a mil à hora, sem terem tempo de olharem uns para os outros a não ser no estrito cumprimento do dever diário, pior, sem terem tempo para si. Mas esperem! Deixem-me cá pensar: se eu não tenho tempo para os outros, nem tenho tempo para mim, o meu tempo vai para quem?... Resposta: vai para coisas. Sim, coisas. Perdemos o nosso tempo a tentar ganhar o suficiente para poder adquirir coisas, na jubilosa esperança (adoro estes termos tão católico) que, ao adquirir essas coisas, possa sentir-me mais confortavel, mais belo, mais saudável (longe fique a doença!), mais conhecedor, mais sexy, mais rico, mais forte, mais isto, mais aquilo, mais mais mais... A Felicidade, afinal, reside no "mais"! Ou isso, ou na Coca-cola. A pergunta que se segue é: suponhamos que se atinge uma boa parte do "mais" que desejávamos - quando é que vamos gozar em pleno aquilo que ganhámos se não temos tempo?... Próxima etapa: a ânsia do Tempo. Suspira-se pelo fim do dia, pelas 18, 19, 20 horas, suspira-se pelo fim de semana, suspira-se pelas "pontes" e pelos fins-de-semana prolongados, suspira-se pelas férias, suspira-se, enfim, pela reforma - o tempo de gozar todo o Tempo, sem horários, sem compromissos. E agora vem-me à memória as típicas cenas urbanas: agora que ficaram libertados das rotinas, tentam procurar, a todo o custo, novas rotinas. Não tendo emprego, e vivendo na cidade, resta-lhes o jardim onde estar na companhia de outros congéneres. Mas então, nao queriam Tempo para gozar o "mais" pelo qual tanto lutaram? Não era essa a condição da qual dependia a sua felicidade? Tempo e ter "mais"? Então porquê o rosto macilento? Porquê o ar solitário? Porque é que a tristeza baila nos seus olhos?... Não trabalhou toda a vida? Não cumpriu o seu dever para com a sociedade? Não educou os seus filhos de modo a que eles aprendessem a ser também eles membros de pleno direito na sociedade, contribuintes e cidadãos activos? Não os educou de forma a que aprendessem a cultura do "mais"? Sim?... e então e agora? Que mais falta para ser feliz? Onde está a felicidade que sempre perseguiu, toda a sua vida?

Penso no mendigo. Penso no seu ar aparentemente feliz. Penso na alegria que ele põe no que faz, no muito ou pouco que faz. Penso na felicidade que penso ter visto irradiar no seu rosto. Penso também na sua vida, imaginando se ele, com uma situação mais estável, não seria ainda mais feliz?... Se, de facto, aquilo que julguei ver nele era felicidade, então ele sabia que a única fonte em que a encontraria era dentro de si, no seu ser, aceitando-se e à sua vida, como ser completo, único, de alma e coração, com defeitos e virtudes, de potencial infinito e que vive no único momento que conta: o Agora. No fundo, não parecendo, fazia uma coisa muito importante: respeitava-se. E o Respeito por nós mesmos é das primeiras coisas que esquecemos, muito antes de nos perdermos no caos do dia-a-dia e nos esquecermos onde, e como, é que podemos encontrar a Felicidade. Se querem entrar na sala, como querem abrir a porta se não têm a chave, se não sabem onde é que a sala fica, nem como se abre?...

2 comentários:

Sílvia disse...

Não pude ler sem deixar um comentário.... a foto ilustra bem o teu quem quer viver numa rua luxuosa e triste qdo pode morar nesta ruazinha tão linda e acolhedora...
Vamos escolher o mais difícil, viver feliz e no agoar já chega de facilidades do ter mais coisas q não nos enchem a alma...

Beijos

Mag disse...

Gostei especialmente deste texto, até porque ultimamente me vejo muitas vezes crescentemente "detached" dessas coisas materiais de que falas... provavelmente porque agora a "busca" é outra.
BJ