29 de julho de 2009

We don't have an eternity to realize our dreams,
only the time we are here.
Susan Taylor

Olhou o promontório à sua volta. O mar, azul como sempre se lembrara, parecia, naquele dia, ainda mais azul... Ou talvez verde... sim, oscilava entre o verde jade e o azul marinho, com aqueles rasgos de espuma da ondulação ocasional, em toda a extensão. Era, sem dúvida, a paisagem mais bela que alguma vez vira, ou que alguma vez viria a ver. "De que vale percorrer o mundo quando, no fundo, o único lugar onde acabamos por voltar, por chamamento, é ao sítio de onde partimos?". Enquanto reflectia, a memória de outros lugares, de outras culturas, outras raças, passou-lhe pela mente em lampejos. A cada imagem, novas e velhas emoções sobrevinham-lhe do seu coração, e ele deleitava-se a saboreá-las. "Foi também para isto que eu percorri tanta milha deste mundo... quantas foram?... já nem me lembro...".

A vontade de viajar sempre foi forte nele. Desde que se lembrava, sempre tinha dito que quando fosse grande que queria ser piloto, ou motorista, ou comandante de um navio. Quando lhe perguntavam porquê, a resposta vinha rápida e invariável: - Porque quero viajar pelo mundo!!, tudo isto no maior sorriso, no sorriso mais sincero que alguma vez se havia visto na cara de uma criança. Todo ele era brilho quando falava no seu sonho, dezenas de desenhos no seu quarto ilustravam viagens, os seus programas favoritos eram os documentários de civilizações longínquas, ou já desaparecidas. Quando as via, os seu olhos brilhavam de ânsia por, um dia, poder estar naqueles lugares, e queria ansiosamente estar por aquelas partes incertas, por aqueles mundos perdidos, exageradamente distantes para o seu gosto, inimaginavelmente mais velhos. "Quem me dera poder já ser maior de idade para poder conduzir e partir à descoberta numa grande expedição pelo mundo! Depois, hei-de escrever um livro com as minhas observações, com os meus estudos e vou ser conhecido por todo o mundo como o maior explorador de todos os tempos... mas ainda falta tanto tempo!...". Na escola, não raramente, encontrava-se sozinho numa zona do pátio a olhar para a vista que tinha para o vale fronteiro. "O que é que haverá para lá deste vale?...". Os colegas pouco tempo depois vinham-no chamar para participar nas brincadeiras e assim o arrancavam do seu mundo de sonho, para o mundo da brincadeira.

Os anos passaram. Ele cresceu e concretizou um dos seus sonhos, que poderiam vir a viabilizar o seu sonho maior: tirar a carta. Que dia de alegria que foi esse dia! Quando saiu de casa, toda a gente da rua onde morava e até do bairro, lhe desejaram as maiores felicidades para o exame. A festa, tendo obtido o resultado que desejava, foi rija! Os seus pais sabiam o quanto era importante para ele ter obtido a licença. Mas não lhe chegava. Anos mais tarde, decidiu tirar o brevet de aviador e, quase simultaneamente, a carta de patrão de mar. Agora, no seu interior, estavam reunidas todas as condições para poder realizar o seu sonho de vida.

- Torre de Controlo, daqui CS-WKY, pedindo licença para aterrar, escuto.
- CS-WKY, daqui Controlo, pode dirigir-se à pista 1, escuto.
- Controlo, daqui CS-WKY, entendido, terminado.
Dirigiu o pequeno monolugar para a pista, iniciando o procedimento de aterragem: trem de aterragem, flaps, reduzir a rotação...
- Torre, daqui CS-WKY, estou com problemas no trem de aterragem, escuto.
- CS-WKY, daqui Torre, já enviámos uma equipa de emergência para a pista 1, escuto.
- Torre, daqui CS-WKY, recebido, escuto.

Ele manobrou o avião o melhor que pôde e, por fim, acabou por executar uma aterragem forçada, com a base da fuselagem. Infelizmente, o vento que se fazia sentir desequilibrou o avião e provocou a explosão do mesmo. As equipas que acorreram ao local, intervieram rapidamente mas não se pôde evitar a desgraça - ele tinha ficado paraplégico.

Mesmo assim, o sonho não morreu. Nas suas noites mais angustiantes, era o sonho que tinha por concretizar que o manteve lúcido. Nas suas horas de maior tormenta, a imagem de paisagens exóticas, guiou-o como um farol. Nas sessões de fisioterapia, as caminhadas que sempre sonhou fazer no deserto, eram a força motriz que faltava aos seus músculos. Recusou sempre o que lhe tinha acontecido, a tragédia em que a sua Vida aparentemente se tinha tornado. "Se é uma tragédia, hei-de torná-la num épico. De 5 estrelas!".

Nepal. India. China. Micronésia. África. As selvas tropicais. Os Polos. Os desertos...

O sonho, agora, estava concretizado. Estaria?... Na base daquele promontório, questionou-se porque é que a melhor sensação que tinha era a de voltar a casa, e porque é que a sua sede de viajar nunca se extinguia. Alguma vez se extinguiria?... Com tanta memória fantástica, como é que a vontade se poderia extinguir, se as paragens onde ele ainda não foi, as línguas que ainda não falou, os montes que ainda não escalou ou os desertos que ainda não calcorreou, continuavam a chamar por ele, como em criança, adolescente, paraplégico e ali, ali mesmo, naquele precipício que tão bem conhecia e ao qual, graças ao sonho, tantas vezes retornaria...

2 comentários:

Silvia disse...

O alpinista que sabia viver...podia ser este o título...entendi a mensagem....


Beijos

Mag disse...

Dentro de cada um de nós há, possivelmente, muitos sonhos que se contradizem entre si, forçando-nos a escolher o caminho para o qual os nossos pés estão, afinal, destinados...