6 de julho de 2009

Um dia vi-te passar, estava eu desprevenido. Devias ter-me avisado, apanhaste-me de cabeça para baixo, a olhar para os pés, em busca de qualquer coisa que me escapava à vista. Já nem me lembro do que era. Como que num vislumbre, apanhei-te pelo canto do olho, já de fugida... Dobravas a esquina movimentada e quase que te perdia. Mas quis algo que acabassemos por ter o mesmo destino e naturalmente acabei por te reencontrar num qualquer café onde parámos.

Sentavas-te à mesa e lias, encantadoramente, de gesto plácido, uma dessas quaisquer revistas de trivialidades, boas para passar o tempo e deixar morrer neurónios de tédio. Pelo jeito como subitamente abanaste a cabeça, impaciente, não tardava até que fechasses a revista. Impetuosa. Pediste um café, uma água das pedras e olhaste para o relógio. Atrasada. O dia estava meio encoberto, mas isso não impedia que o calor se fizesse sentir como se estivessemos nos trópicos.
Tive de sair, o tempo urgia. Saindo, ouvi alguem gritar um nome e vi-te virar. Sabia agora o teu nome e podia associá-lo ao teu passo leve e decidido, ao teu gesto descuidado pela vida, ao olhar seguro e malandro, à sensação que transmitias que sabias perfeitamente o que vinhas cá fazer e como o irias fazer. Sem dúvidas. O teu nome sabia a mil Verões de sabores, a mil aventuras pelo mundo fora, a noites que só na imaginação dos mais indomáveis se podiam conceber e saboreei-o à medida que calcorreava as ruas batidas dessa cidade em fim de dia. Nesses pequenos encantos que a cidade nos reserva, continuei à procura de novas arestas onde prender o meu olhar, pontos de atracção do espírito a transportar-me para outras paragens, outras vidas, outros ritmos que não o costumeiro, entediante e acelerado dia-a-dia onde me perco vezes sem conta...

...ora agora tenho de ir...?...

Transmutaste o meu passeio num passeio de memória fugaz. A cada esquina, em cada pessoa que aí se encontrava, recordava esse breve encontro e procurava nos seus olhos a mesma expressão, a mesma vida que vi nos teus. “Não sejas parvo, foi só uma moça gira que viste, como ela há muitas.”, dizia eu, abstraindo-me para mais uma viela de encantos escondida. Nas janelas, pessoas de idade observavam-me como se adivinhando os meus pensamentos, emitindo um juizo cru: “De que andas tu à procura?”.

Não o sei. Acho que já o soube, um dia, onde há muito tempo só haviam certezas e coisas doces na vida. Agora também as há mas são diferentes. O doce mudou, o salgado também. Têm um pouco de amargo e de ácido até, mas isso até lhes dá outro encanto, dá-lhes vida renovada, uma realidade realçada quase que a 3D que nos transporta para o local onde a primeira vez o saboreámos, nunca deixando de ser o que sou. E, como qualquer outra pessoa, eu sou a soma de todas as coisas que vivi, e de todas as coisas que ainda irei viver, convergindo num único e fugaz instante que continuamente quero apanhar para poder saborear a fundo. Como esta cidade onde passeio, feita de edificios, arruamentos e jardins, que não sabe onde começa e onde acaba, de faces escuras e faces luminosas, de rugas e superficies planas e que me trouxe à memória um vislumbre teu, que é tanto o que eu sou, quanto esta rua que piso e que me levará até casa.

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