13 de julho de 2009



All things must change to something new, to something strange.
Henry Wadsworth Longfellow (1807 - 1882)


- Então... até sempre!...
"Até sempre...", pensou ele, enquanto o transporte a afastava de si. "O que é que isso quererá dizer?".
Não se pode dizer que tenha tido prazer naquela despedida, algo de resídual dela ainda permanecia em si e, sabia-o, iria ecoar dentro dele durante algum tempo. Quanto, é que não sabia...
No meio de outras coisas que o iam incomodando, uma palavra persistia latejando. "Sempre é uma palavra grande." Demasiado grande. É daquelas aberrações que continuamente nos vêm à garganta e continuamos a expelir sem apelo nem agravo, uma enormidade como aquelas que não temos a mínima noção, nem nos nossos sonhos mais ousados. A perenidade inerente é absolutamente estrondosa, rebenta-nos com o juízo, está para além da nossa própria natureza, da nossa essência. "Estou a precisar de um cigarro...".
Entrou no carro e contemplou o seu olhar ao espelho. "Miséria...". Puxou do maço de tabaco meio amarfanhado e sacou de um cigarro, acendendo-o imediatamente. Não lhe apetecia ir logo para casa, deixou-se ficar pelo parque de estacionamento naquele final de manhã, ouvindo um pouco de musica.

Os últimos dias tinham sido terríveis: dividido entre uma vontade enorme de dizer que sim a alguém que sabia muito especial e continuar numa vida que, apesar de banal, era a sua e lhe sabia bem, era confortavel. O fantasma da decisão pendente perseguiu-o a cada instante que passou com ela, tanto que não pregou olho durante a noite. Tinha ficado a olhar para ela e, cada segundo que olhava, mais preso nela ficava. Mais preso na sua dúvida ficava. "Isto é injusto! Homem nenhum devia ter de escolher isto...". Ela tinha-o olhado nos olhos pouco tempo antes e esta decisão era tema recorrente de silêncios incómodos. Ele tinha de decidir, sabia-o. Ao jantar, os olhos de ambos voltaram a encontrar-se e ambos reconheciam a angústia que lhes bailava na alma.
- Mas tens medo de quê?
- Sei lá!... Podias passar-me a travessa, p.f.?
- É mentira e tu sabe-lo perfeitamente bem! Tudo funcionou até agora, porque motivo não haverá de funcionar quando estivermos a viver juntos?
- Porque motivo haverá de funcionar? Sabes bem como este mundo anda, ou é: pessoal que se encanta um com o outro, é tudo beijinhos e mar de rosas e passado uns anos já não aguentam ver a tromba um do outro de manhã e só pensam em meter-se na cama com o/a proximo/a que lhes aparecer à frente... O Amor não dura para sempre.
Em silencio ficou a reflectir nas últimas palavras dele, os olhos quase a rebentar de lágrimas. "Não, não pode ser assim. A Vida não pode ser assim. Ele não pode ser assim, tão pessimista em relação à vida, ao Amor. Onde é que eu falhei? Que foi que eu fiz?"
- Quero uma resposta amanhã. Antes de partir.
Ele não respondeu. Após o jantar, tomaram café, falaram de filmes que estavam a pensar ir ver, discutiram actores e interpretações de clássicos e voltaram para casa. Deitaram-se, amaram-se e, rapidamente, o silêncio sobreveio. Para ele a noite tornou-se quase infinda, os segundos que batiam no relógio que herdara da avó eram como apelos à decisão: sim... não... sim... não... sim... não... Remexeu-se e ela agitou-se ligeiramente. Levantou-se mais tarde para ir fumar um cigarro para a varanda. Desejou que as dúvidas tivessem ficado na cama e que, por uns instantes, ao menos enquanto fumava o cigarro, elas não o atormentassem.

Voltou para casa e, ao tirar o casaco coçado do carro, reparou que ela tinha deixado a banda elástica do cabelo no banco de trás. Segurou-a por uns segundos na mão, olhando-a. Que lhe era aquilo agora? Que lhe lembrava aquilo? Que Vida era aquilo? Um eco de um passado que acabara de acontecer, agora memória de risos, perfumes e beijos trocados num presente intemporal, num 'agora' eterno. O que o mais o atormentava, apesar de tudo, era a mutabilidade presente. Na dura batalha interna que travara, ignorara um facto importante: decidisse o que decidisse, a sua vida não seria mais a mesma. Para ele, tinha sido uma luta entre a preservação da sua vida do dia-a-dia e a revolução completa. Não havia cinzentos no meio, tinha sido assim que ele concebera tudo. "Ao menos se tivesse tido mais tempo...". Mas sabia que não era o tempo que estava em questão. Sentou-se no sofá e olhou o velho relógio, esperando que soasse a hora. "Sempre...".

4 comentários:

Lita disse...

Instantes decisivos... os pequenos pormenores das decisões... adorei!

Mag disse...

Muito bom!

Hélio disse...

Maninha, isto está cheio de pequenas coisinhas... é um caso de vida, como qualquer outro... the problem is, of course, choice! ;)

Hélio disse...

Maggie, fico feliz pro teres gostado :) Beijo